Num minuto, Francisco Boavida Salavessa, Partner na Sérvulo, revela para que se devem preparar os gestores de ativos que invistam em ações no sentido de agir em nome dos investidores.
(Esta semana, a rubrica 'Legislação num minuto' é da autoria de Francisco Boavida Salavessa, Partner na Sérvulo)
Embora esgotado o prazo de transposição[1] da Diretiva (UE) 2017/828 (Diretiva dos Acionistas II) para o nosso ordenamento jurídico, deve ter-se presente que, talvez pelo mote dado pelo nome desta rubrica, não é inédito que seja aprovada legislação inovadora e disruptiva que entra em vigor, não num minuto, mas praticamente de um dia para outro[2].
Com a entrada em vigor do diploma de transposição, os gestores de ativos[3] que invistam em ações admitidas à negociação em mercado regulamentado em nome de investidores, bem como os investidores institucionais[4] que invistam nessas ações, devem estar preparados para:
- elaborar e divulgar ao público a sua política de envolvimento[5] que descreva a forma como acompanham as sociedades participadas e integram o seu envolvimento acionista na sua estratégia de investimento e divulgar anualmente a forma como essa política foi aplicada; ou
- divulgar uma explicação clara e fundamentada sobre os motivos pelos quais decidiram não cumprir um ou mais desses requisitos.
Para além deste comply or explain, não se estabelece um comando específico para o envolvimento acionista nem sobre a sua intensidade. Este conceito tem aliás contornos fluidos que pode abarcar realidades díspares, desde a mera presença em AG’s ou análise das demonstrações financeiras, passando pela monitorização dos administradores das participadas, até ao ativismo que visa moldar a atividade das participadas às suas próprias orientações estratégicas.
A maior transparência das políticas de envolvimento permite sinalizar aos investidores o grau de compromisso do gestor de ativos com as participadas, o que, por seu turno pode contribuir para aumentar a perceção do valor do portefólio sob gestão[6].
Estas políticas podem também ser um fator de responsabilização acrescida: perante os investidores (será interessante saber como o desvio a políticas de envolvimento anunciadas publicamente poderá defraudar expetativas -juridicamente tuteladas?- dos investidores) e perante as participadas: o reconhecimento legal do papel de (alguns) acionistas no desempenho a longo prazo das participadas e do seu contributo para a eficácia dos modelos de governo das sociedades cotadas reforça construções doutrinárias já ensaiadas sobre os deveres de lealdade dos acionistas.
[1] Até 10 de junho de 2019.
[2] Basta pensar que a vacatio legis da DMIF 2 foi de 11 dias ou que a lei que transpôs a Diretiva de Distribuição de Seguros teve aplicação retroativa.
[3] E.g. intermediários financeiros que prestem serviços de gestão de carteira, entidades gestoras de OICVM e de OIA, nos termos do Anteprojeto entretanto divulgado.
[4] E.g. empresas de seguros, empresas de resseguros e fundos de pensões.
[5] Podem ser encontrados benchmarks interessantes nos stewardship codes ou nas jurisdições que já procederam à transposição da Diretiva, como no Reino Unido ou em Itália.
[6] Embora, como já tenha vindo a ser assinalado, o envolvimento acionista acarrete custos, relacionados com a obtenção e tratamento de informação das participadas, que pode gerar incentivos à concentração da carteira / desinvestimento de algumas participações, além de beneficiarem free riders que se aproveitam do ativismo de determinados acionistas.