Luís Sancho (BBVA AM): “O principal risco para 2022 poderá advir do aumento das desigualdades sociais”

Luis Sancho
Luís Sancho. Créditos: Vítor Duarte

TRIBUNA de Luís Sancho, gestor de carteiras da BBVA AM.

Ainda que 2021 tenha confirmado o sucesso do processo de vacinação, sobretudo, na esfera dos países desenvolvidos, deixando antever um processo de reabertura económica que com mais ou menos solavancos tem vindo a ocorrer e a justificar o bom comportamento dos mercados acionistas, a verdade é que 2022 se irá iniciar com dois dos potenciais riscos por nós apontados no último informe. O surgimento da nova variante de Covid-19 Ómicron e o tema mais acalorado à volta da subida da inflação que poderá conduzir a movimentos prematuros por parte dos Bancos Centrais no aperto da política monetária.

Salvaguardado o possível aumento de volatilidade, 2022 será um ano em que a capacidade da economia irá aumentar para dar resposta ao enorme desequilíbrio entre oferta e procura, tão bem ilustrado nos estrangulamentos das cadeias de produção e distribuição, de modo a absorver as poupanças geradas durante o período de pandemia.

Regionalmente

Nos EUA, onde a economia já se encontra acima dos níveis prévios do eclodir da pandemia acreditamos que ainda há espaço para absorver a capacidade de folga do mercado laboral, com output gap positivo e crescimento superior ao tendencial e que deverá normalizar até ao final do ano, até porque a perda de impulso fiscal e monetário irá ser uma realidade no período. O crescimento médio em 2022 provavelmente irá moderar-se até taxas de 4,5% desde os níveis previstos à volta de 5,5% previstos para 2021.

Na zona euro o ano será de forte crescimento, impulsionado pelo excesso de poupanças acumuladas pelas famílias durante a pandemia. O investimento em formação bruta de capital fixo, especialmente em áreas relacionadas com o ambiente e a digitalização, deverá acelerar à medida que o plano de recuperação e reconstrução comece a evoluir. As nossas perspetivas apontam para um crescimento de 4,8% em 2022 ligeiramente abaixo dos valores previstos de 5,3% para 2021.

A perda de momentum da economia chinesa em 2021 por normalização da política fiscal e creditícia, as restrições dos surtos de Covid, os problemas de acessibilidade a combustíveis e fontes de energia e a crise do setor imobiliário vão condicionar o ano de 2022 e pressupõem um risco ao crescimento sustentado à volta de 5%. Contudo, uma política regulatória e creditícia menos restritiva, apesar dos constrangimentos associados aos compromissos com o meio ambiente e o elevado nível de dívida empresarial, juntamente com medidas específicas do Banco Central Chinês (facilidades de liquidez e de empréstimos a determinados setores/empresas) e aprovação de projetos de infraestruturas deverão ajudar as autoridades chinesas a cumprir as suas metas de crescimento.

Nos mercados emergentes, em particular na América Latina, será difícil consolidar as dinâmicas de recuperação que deverão ser modestas com crescimentos à volta de 2% para o conjunto da região. A persistência de pressões sociais fruto de fatores ligados ao incremento da desigualdade e processos eleitorais com elevada incerteza vão continuar a dificultar a aplicação de medidas que favoreçam o crescimento.

Evolução da inflação

As preocupações com a subida da inflação ainda vão permanecer no horizonte durante algum tempo e os bancos centrais não deixarão de envidar os seus esforços para calibrar adequadamente os instrumentos de política monetária retirando alguns dos estímulos em curso. Neste entorno os títulos de rendimento fixo dificilmente irão ser uma opção atrativa de investimento. Nos EUA inclusivamente estimamos um alisamento da curva de rendimentos, tornando pouco atrativo a compensação por deter durações mais longas. Na Europa, onde as pressões inflacionistas não são tão intensas como nos EUA poderá haver um maior atrativo da dívida nominal Alemã face aos linkers embora com rentabilidades esperadas muito baixas.

Obrigações

A compressão de spreads de crédito observada em 2021 face ao ativo sem risco tornou esta classe de ativos também pouco atrativa tanto no segmento de investment grade como no segmento high yield. Em termos relativos a maior duração média desta classe no mercado norte-americano face ao mercado europeu torna-a menos apelativa em termos de risco.

Ações

Tal como em 2021, o mercado acionista ainda tem espaço para a procura de boas oportunidades. Acreditamos que a narrativa da reabertura económica continuará a ter espaço em 2022 e que a lenta subida dos juros irá proporcionar as condições para uma rotação setorial, que beneficiará os setores financeiro, industrial, matérias-primas e energia. Além disso, a recuperação económica e a inflação potencia os setores mais cíclicos em detrimento dos mais defensivos como consumo estável, utilities e imobiliário. 

Principal risco

Uma maior taxa de vacinação juntamente com o aparecimento de novos medicamentos para mitigar os efeitos das diferentes variantes de Covid-19 deverá permitir a passagem do estado de pandemia a endemia, normalizando deste modo o processo de reabertura económica. Os problemas inerentes aos estrangulamentos das cadeias de distribuição e produção também irão suavizar com o decorrer do ano retirando pressão sobre a escalada de preços de diferentes bens e serviços. Nesse sentido, o principal risco para 2022 poderá advir do aumento das desigualdades sociais que levará a um maior número de episódios de contestação social promovendo, aqui e ali, o surgimento de políticas de caráter populista.