Entra em jogo o mês do Sell in may and go away, mas parece redutor seguir esta máxima. Jorge Silveira Botelho, responsável da Gestão de Ativos na BBVA AM Portugal, fala-nos do quão simplista é movermo-nos apenas por convicções, apresentando os potenciais ganhos em cima da mesa.
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COLABORAÇÃO de Jorge Silveira Botelho, responsável de Gestão de Ativos na BBVA AM Portugal.
Iniciou-se mais um mês de maio, em que provavelmente vamos assistir, como tem sido hábito na imprensa, à famosa exaltação da célebre citação sobre os mercados financeiros: “Sell in May and go away...”.
Mas em boa verdade, essa suposta evidência estatística deixa muito a desejar. Esta não é uniforme para todos os índices bolsistas, e nem tão pouco tem em conta que os meses mais fortes do ano são tradicionalmente os meses de verão.
De qualquer maneira, e independentemente das superstições e convicções de cada um e dos argumentos sobre o que se espera dos mercados durante os próximos meses, não deixa de ser curioso constatar as enormes semelhanças entre o que ocorreu em outubro de 2023 e o que ocorreu neste mês de abril de 2024.
Fatores geopolíticos em 2023
Em outubro de 2023 ocorreu o ataque terrorista do Hamas a Israel. Com isso tivemos um recrudescer das tensões geopolíticas que teve como efeito prático a subida dos preços do petróleo e o aumento dos constrangimentos comerciais na região, derivados do aumento do custo dos fretes e do condicionamento da circulação de navios na passagem do canal do Suez.
As expetativas de inflação subiram, o discurso dos bancos centrais tornou-se mais confuso e, consequentemente, a forte subida das taxas de juro reais de longo prazo fez cair os mercados financeiros, tanto os de taxa de juro como os acionistas.
Do lado positivo desta narrativa outonal, tivemos a manutenção de bons resultados empresariais, a manutenção da tendência da descida da inflação e a manutenção de elevados níveis de emprego nas distintas regiões do globo.
Estas foram as forças que num primeiro momento provocaram uma correção dos mercados financeiros em outubro de 2023, mas foi o lado positivo destas forças que permitiu a forte subida dos mesmos nos meses que se sucederam.
Cenário semelhante em abril de 2024
Passados seis meses, este mês de abril de 2024 parece ter tido muitas semelhanças com outubro de 2023. As novas tensões no Médio Oriente, as subidas do preço do petróleo, uma Reserva Federal indecisa, os receios de que a inflação não esteja totalmente dominada e, mais uma vez, uma subida extemporânea das taxas de juro reais de longo prazo. Do lado positivo, um BCE já comprometido com o início de um novo ciclo monetário de descidas de taxas de juro, não se registaram constrangimentos na atividade comercial, a manutenção da tendência gradual desinflacionista, uma maior convicção sobre a recuperação da atividade económica global e os resultados empresariais a continuarem a impressionar de forma sustentada.
Evolução das taxas de juro reais a 10Y nos EUA
Depois da pandemia e apesar da guerra da Ucrânia, é um equívoco pensar que ainda nos movemos apenas por convicções, porque na realidade muitas delas transformaram-se em factos reais que, mesmo em tempos conturbados, trouxeram uma outra visibilidade que não se enxergava há algum tempo.
Atual contexto macroeconómico e as reações dos bancos centrais
A descida dos preços do gás, da eletricidade e o esforço desesperado de se tentar manter em níveis artificialmente elevados os preços do petróleo (que, entretanto, nos últimos dias já desceram 10%), são sintomas de que expõe a cru as dinâmicas de desinflação. Mas o mais importante é que estas dinâmicas são fatores que devolvem confiança aos agentes económicos e explicam o elevado grau de tranquilidade como as empresas manejam as margens dos seus negócios e de como o crescimento económico global tem sido gradualmente revisto em alta pelos distintos organismos internacionais.
Por outro lado, se é certo que o Banco Central Europeu já atirou a toalha ao chão em matéria de política monetária, contrariamente ao que se diz, não nos parece que a Fed esteja também tão longe de o fazer.
Na verdade, a Fed já anda agarrada à toalha há algum tempo, estando apenas à espera que surja um pretexto para a atirar ao chão. Recentemente na última reunião, o presidente da Fed fez questão de recentrar os mercados, de que está fora de questão novas subidas de taxa de juro, colocando um enviesamento explícito na sua política monetária.
Acresce o facto de que muitos analistas se esquecem que a economia americana tem por base o setor dos serviços, que representa 70% do PIB (fonte: BEA) e que esta atividade têm vindo a desacelerar gradualmente nos últimos meses. O recente índice de atividade dos serviços ISM ilustra bem isso mesmo, com este a entrar em fase de contração recentemente, enquanto, por outro lado, as expetativas do consumidor se têm vindo a deteriorar consideravelmente. Do lado dos riscos de inflação, os salários dão sinais de desaceleração e o mercado imobiliário, mais concretamente nas rendas, continua perversamente a constituir-se o principal foco da desaceleração mais lenta da inflação americana…
EUA: expetativas do consumidor e a atividade dos serviços
Neste sentido, e contrariamente ao que alguns analistas apregoam, em termos agregados, não existe nenhuma exuberância nas valorizações nos mercados financeiros, tanto nos mercados de taxa de juro como acionistas globais. Existe sim uma expetativa crescente de uma maior normalização do ciclo monetário e da consequentemente descida inevitável das taxas de juro reais de longo prazo, enquanto se procura aferir os potencias ganhos de produtividade que se avizinham com a massificação gradual da Inteligência Artificial generativa.
Por isso, não subestimem o encanto que pode ter este “Maio Maduro Maio”:
- Maio maduro Maio, quem te pintou?
Quem te quebrou o encanto, nunca te amou…
Zeca Afonso