Aproxima-se o dia do referendo sobre o Brexit. Hoje é dia de ler a habitual reflexão de Jorge Silveira Botelho, CIO da BBVA AM Portugal, desta vez com várias leituras subliminares sobre o tema.
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Cheguei pela madrugada, tarde e a más horas, depois de uma noite de tertúlia com os meus amigos Nigel e Boris em Westminster, junto de St. James`s Place. Foi uma conversa entusiasmante, onde revemos apaixonadamente toda a nossa História, tudo o que este país contribui para o progresso da Humanidade e para os Direitos do Homem.
Somos uns “tipos” extraordinários, não há ninguém igual a nós e não percebo porque acham que precisamos de alguém. Estou farto de toda esta azáfama de gente que entra e sai do meu país, não servem para nada e só vêm cá para roubar os nossos empregos, não geram nenhum valor, são de facto uns parasitas...
Acabei por me ter de levantar cedo e meio estremunhado, talvez ontem tenha abusado daquele vinho fantástico espanhol, ou talvez tenha sido a garrafa de Porto que nos seguiu pela noite dentro...
O meu chefe holandês tinha convocado uma reunião cedo na empresa em Vauxhall e já estava atrasado. Vesti rapidamente o meu fato italiano e fui apanhar um táxi.
Estava a ficar impaciente porque os táxis não passavam...de repente aparece um, a minha salvação. Era um motorista grego muito simpático que me deu o jornal “The Moon” para ler enquanto seguíamos. “The Moon” tinha um editorial sensacional sobre o que somos como nação, o qual me fez com orgulho avivar as memórias da noite anterior. É altura de nos vermos livres deste lastro que é a Europa que só atrasa as nossas vidas. Depois do editorial, o meu olhar deslizou sobre os outros temas sempre mais apimentados do jornal. Parece que aqui no Big Brother alguém foi expulso por bater em alguém, houve um cão na Estónia que nasceu com cinco patas, no Luxemburgo descobriram dentro de um cofre um osso de um dinossauro desconhecido, mas esta modelo austríaca no fim da página, não conhecia...
Cheguei à empresa onde trabalho, uma multinacional alemã do ramo automóvel, onde sou engenheiro há mais de uma década. O meu chefe estava com um ar pesado e transmitiu-nos a todos, as palavras do nosso presidente Finlandês, responsável por toda a excelência e inovação alcançada nos últimos anos e que nos tornaram numa marca de referência mundial:
- Meus amigos se este país sair da União Europeia, iremos atravessar um período mais complicado. As nossas vendas vão sofrer porque o nosso mercado doméstico vai piorar e no mercado externo vamos ter mais dificuldade em colocar os nossos produtos. Portanto, vamos adiar toda expansão da fábrica que tínhamos previsto fazer, esperemos que não tenhamos de fazer cortes laborais...há quem já defenda na administração que o melhor é transferir toda a produção para a Letónia.
Passei o dia deprimido e segui a pé para casa para arejar a minha cabeça. No caminho liguei à Irina, a minha namorada Lituana que estava a fazer uma sessão fotográfica na Eslovénia, ou seria na Eslováquia, mas não a apanhei…
Mas, porque raio agora tanto pessimismo? Apetecia-me largar tudo e ir passear para Malta, onde me sinto em casa porque toda a gente fala inglês...Aproveitei e parei no “Irish Bar” e pedi ao empregado cipriota uma cerveja belga, enquanto na televisão passava o jogo entre a França e a Eslováquia para o campeonato da Europa. No final do jogo comecei a ver as notícias e percebi que o nosso ministro das finanças anunciou que se calhar vamos precisar de fazer um ajustamento orçamental de 30 mil milhões de libras. Ele diz que vai aumentar os impostos e cortar nos gastos públicos se sairmos da União Europeia. Não quero acreditar, não tenho forma de conseguir pagar mais impostos, mas que raio...
Cheguei a casa e abri a caixa de correio: além dos folhetos dos espectáculos de Londres e das revistas, outras tantas contas para pagar e a hipoteca...Retirei o plástico da minha revista económica preferida, “The Optimist” que tinha uma entrevista com o nosso ilustre presidente do Banco Central. Finalmente alguém independente, um canadiano com bom senso e que fala a língua mãe!
Subitamente, dei por mim a começar a ficar mareado. Então não é que este senhor também fala de riscos de uma prolongada recessão, da subida da inflação, da saída de fluxos de capitais, da instabilidade no sistema financeiro, do aumento do prémio de risco, da subida das taxas de juro e do ajustamento do mercado imobiliário, com a saída da União Europeia. Quer dizer que afinal, vou ficar mais pobre, mas que raio...
Comecei a ficar perplexo. Apercebi-me que de um dia para outro posso ficar sem nada, por causa de uma aposta sobre os cavaleiros da távola redonda... O meu emprego está em risco, vou ter de pagar mais impostos, vou ter maiores custos com a minha hipoteca e há quem diga que os preços das casas vão cair... O que pensará Irina de tudo isto, mas que raio…
Mas afinal para quê um referendo se nós nem sequer pertencemos à Zona Euro? Vou já telefonar ao Nigel e ao Boris para lhes dizer que há certamente um mal-entendido...
Mas que raio…