Megacaps tecnológicas sofrem rotação de posicionamento – o que esperar daqui para a frente?

Joao_lampreia_big
Vitor Duarte

No último ciclo de conferências denominadas por E-talks que o BiG partilhou com a FundsPeople em meados de Abril, um dos fenómenos mais interessantes que chamámos à atenção relacionava-se com a divergência entre a queda livre da economia real e a recuperação tremenda que temos vindo a assistir no preço dos activos financeiros – em particular no mercado de acções. Apesar da evidente desconexão da realidade entre Wall Street e Main Street, numa “lente” mais granular sobre o desempenho accionista facilmente depreendemos que foram essencialmente as megacaps do sector tecnológico e os players defensivos de Healthcare e de consumo básico que suportaram a totalidade do rally observado – todos eles beneficiários do mundo pós-Covid e com um peso relativo no índice S&P 500 próximo de 60%. Este trade de segurança das empresas de grande capitalização tecnológica e de saúde foi confrontado de forma evidente nas últimas duas semanas de Maio, assistindo-se a uma rotação agressiva do posicionamento dos investidores para sectores lagging e de maior sensibilidade ao ciclo económico – desde small caps a players Value, integrando nomes de empresas nas áreas de Turismo & Lazer, Energia, Industriais e Bancos.

Não deixa de ser curioso notar que esta rotação de posicionamento decorre no período em que o S&P 500 ultrapassou a importante fasquia dos 3000 pontos, traduzindo um voto de confiança dos investidores na recuperação da economia americana e que esta se alastre a outros sectores de actividade que têm sido muito impactados pela pandemia, em detrimento do fenómeno (perigoso) de concentração de ganhos bolsistas num conjunto muito reduzido de nomes e sectores de actividade. Nas últimas duas semanas de negociação, o índice de small caps nos EUA (Russell 2000) registou ganhos de 11% vs 6,2% do S&P 500 e uns “meros” 4,2% do Nasdaq 100, isto para além do índice Russell Value 1000 ter registado uma outperformance notória face ao índice Russell Growth 1000 (+8,5% vs +5,25%), reacendendo o debate entre a possibilidade de se assistir a uma reversão mais estrutural do que temporária do Trade Value vs Growth – também designado como “Pain Trade”, uma vez que a estratégia de perseguir empresas de maior crescimento face a empresas com métricas de avaliação mais atractivas revelou-se, decisivamente, a mais acertada ao longo da última década. Chegados até aqui, importa salientar duas questões:

i) O que estará a ser descontado do ponto de vista económico com o S&P 500 a norte dos 3000 pontos?

ii) Poderão as small caps e a rotação sectorial da estratégia Value vs Growth manter o fulgor no médio prazo?

Em relação à primeira questão, a resposta é simples: Muito! A narrativa de mercado está a mudar de forma acelerada – considerando que a fase mais crítica da recessão terá sido ultrapassada no final de Abril/início de Maio, em resultado do gradual desconfinamento das economias, recuperação do preço do crude e de alguns indicadores de actividade nos EUA a sugerirem já alguma evolução favorável,  tanto no mercado imobiliário como no mercado laboral – do número acumulado acima de 35 milhões de norte-americanos que solicitaram o acesso a prestações de desemprego ao longo deste período, os números semanais têm vindo a cair e já se verifica alguma recuperação dos postos de trabalho de pessoas que outrora estiveram em layoff (cerca de 4 milhões na última semana). O mercado accionista parece assumir que o efeito dos lockdowns nos EUA e a perda de actividade subsequente terá sido um género de flash-crash económico, sendo que apesar da recuperação não se vislumbrar de forma célere, pelo menos terão sido evitados os riscos maiores de uma grande depressão ao estilo dos anos 30 e/ou uma recuperação agonizante em formato “L”. Se juntarmos a estes factores um exacerbado newsflow optimista em torno de potenciais vacinas e antivíricos, bem como a dimensão sem precedentes da resposta fiscal e, sobretudo, monetária com o “armamento nuclear e todo o resto do exército disponível” que o FED disponibilizou para fazer face à pandemia – activos em balanço do FED praticamente duplicaram para USD 7 biliões em pouco mais de dois meses – acabamos por perceber melhor o grau de exuberância semi-racional dos investidores.

No que concerne a interrogação quanto à dinâmica da estratégia Value vs Growth e a própria evolução do segmento de small caps a resposta é complexa e oferece um amplo debate. O rácio do índice Russel Valor/Crescimento transacciona a mínimos de todo o século XXI, sendo que a visibilidade e perspectiva de negócio das empresas de Crescimento é naturalmente mais atractiva - os lucros das empresas do segmento Value deverão recuar mais de 40% em 2020 ao passo que as de Crescimento deverão quedar-se por uma quebra dos resultados de apenas 15%, materializando-se igualmente num nível histórico de dispersão de avaliação. Os nomes do segmento Value transaccionam com um desconto de 50% face às congéneres de Crescimento no múltiplo de P/E actual e mais de 75% de desconto na métrica do P/BV. Ironicamente as empresas de estilo Value tendem a registar uma melhor performance na vigência da recessão, mas o perfil idiossincrático da crise induzida pelo Corona Vírus leva as empresas de crescimento a assumir um papel mais defensivo nos portfolios globais. Já as small caps tiveram uma quebra dos resultados de quase 90% no 1Q/20, uma situação que é explicada pelo seu maior nível de endividamento e debilidade de negócio, o que as leva a enfrentar um perfil de risco existencial superior. Ironicamente, estes factores negativos são precisamente os mesmos que levam estas empresas a liderar o movimento de valorização nos períodos de saída das recessões (foi assim em 9 das últimas 10 ocasiões). Não se trata tão somente de uma melhor visibilidade dos resultados no pós-recessão, é também a remoção do risco existencial de insolvência que serve como propulsor para uma recuperação mais pujante. Nos mercados, a importância do valor absoluto actual dos indicadores empresariais é totalmente suplantado pela direcção e taxa de variação que se antecipa para a sua evolução – pelo que mesmo partindo de um ponto consideravelmente mais frágil, a surpresa no upside pode ser mais visível no segmento de small caps. Aliás, dados da Commodity Futures Trading Comission e da Bloomberg mostram que os hedge funds voltaram a mostrar interesse pelo investimento em empresas de menor capitalização nas últimas semanas de Maio.

 

Lampreia

Em jeito de conclusão, atendendo ao nível de pricing e posicionamento de tal maneira extremado nas empresas Value e de small caps, não nos espantaria que estas empresas, num horizonte de 12-18 meses, pudessem recuperar algum brilho que foi perdido durante um largo período, com os investidores receosos de “perder a participação (FOMO – Fear Of Missing Out)” numa eventual reversão do mais que popular e algorítmico trade sobre as Megacap tecnológicas norte-americanas. Pelos seus fundamentais de negócio atractivos e com mudanças estruturais na forma de viver e trabalhar no decurso e pós-pandemia que as favorece (mas já muito descontado nos preços), não se tratará tanto de um eventual desvalorização do sector tecnológico em relação aos outros, mas antes uma maior probabilidade de uma eventual sobrevalorização das small caps e até de empresas Value que ficaram muito atrasadas na recuperação global do mercado accionista. O principal risco a esta visão é a própria evolução da Pandemia, mas depois de superada a fasquia dos 3000 pontos no S&P 500, a persistência de uma estratégia de rotação a favor de Value e de small caps cristaliza a visão mais optimista para a evolução da economia norte-americana no médio-longo prazo.

(Este artigo foi escrito ao abrigo do antigo acordo ortográfico)