Mercado de capitais entre o canhão português e a bazuca europeia

carlos rodrigues
Cedida

Enquadramento e contextualização –Índice intermitente e pandemia

O comportamento do PSI20 ao longo dos últimos seis anos é intermitente, com alternância anual entre evolução positiva e variação negativa, sendo que os anos de quebra coincidem com bear markets ocorridos no mercado bolsista nacional.

DescriçãoValor do final de anoVariação %
20155313+ 11%
20164679-12%
20175388+15%
20184732-12%
20195214+10%
20204898-6%

Neste contexto evolutivo, o ano de 2020 foi influenciado pela pandemia covid-19, a qual afetou de forma qualitativa e diferenciada o modelo de negócio das sociedades cotadas, influenciando a evolução das suas cotações.

A quebra verificada em 2020 é de amplitude inferior às ocorridas nos 5 anos anteriores, mas incorpora mudanças especificas provocadas pela situação adstrita à saúde pública.

 Observou-se um comportamento assimétrico das cotações, provocando uma forte dicotomia no universo PSI20. Apenas 5 sociedades apresentaram em 2020 crescimento anual das cotações (EDP Renováveis, EDP, Pharol, NOVABASE e Corticeira Amorim) e com significativa polarização positiva. As empresas com modelos de negócio mais expostos à pandemia, foram afetadas de forma muito intensa e com consequências mais severas, designadamente GALP, NOS, BCP, Semapa, Ibersol, Navigator, Sonae SGPS, Mota-Engil e CTT, com diminuição anual das cotações superior a -25% em 2020.

O mercado bolsista nacional entrou em bear market (quebra superior a 20% relativamente ao ultimo máximo), sofrendo uma intensa e rápida queda de – 33,8% entre o máximo 19 de fevereiro e a cotação de fecho em 19 de março, o qual foi significativamente diferente dos anteriores, devido ao seu enquadramento num crash bolsista.

Os EUA lideram o processo de recuperação internacional dos mercados bolsistas, sendo que o S&P500, índice composto pelas maiores 500 sociedades cotadas na NYSE, apresentou uma evolução mais rápida e mais acentuada que os índices europeus em relação aos quais o PSI 20 se encontra alinhado.

Em 2020 a capitalização bolsista atingiu 68.350,2 milhões de euros tendo sofrido um aumento de 7.295,2 milhões de euros relativamente a 2019, o qual representa um acréscimo de 12%. Este crescimento deve-se à polarização positiva do Grupo EDP e polarização negativa da larga maioria das sociedades cotadas.

No âmbito deste processo o Grupo EDP (casa mãe e subsidiária) passou o seu peso na capitalização de 38% no final de 2019 para 59% no final de 2020, devido ao grande aumento das cotações da casa mãe e subsidiária bem como o aumento de capital da EDP.

A relação entre o price target de algumas sociedades com a sua cotação atual, indicia que o tempo de recuperação do valor das suas ações, relativamente a 31-dezembro /2019, ultrapassará claramente o horizonte de 12 meses e deverá ser longo e moroso (vidé Galp, BCP, Navigator).

Entre o canhão português e a bazuca europeia

  • Consequências da bazuca europeia

No decurso do quadro comunitário de apoio 2021-2027, o país vai beneficiar de um apoio de 45 biliões de euros, sendo 30 biliões de euros do orçamento europeu e 15 biliões de euros do fundo de recuperação, com possibilidade de recurso adicional a empréstimos. Este envelope financeiro, conhecido por bazuca europeia, é constituído por 39 biliões de euros a fundo perdido e 6 biliões de euros reembolsável, representando 23% do PIB estimado para 2020.

Pela sua dimensão, este fluxo financeiro vai introduzir uma elevada liquidez no sistema monetário, tendo como efeito colateral taxas de juro tendencialmente nulas ou negativas, durante um longo período de tempo e num quadro de baixos níveis de inflação.

Paralelamente, esta entrada de capital no país implicará um aumento do Rendimento Disponível, contribuindo para o aumento da poupança e do consumo das famílias.

Neste quadro e face à distorção do mercado monetário, desenha-se um aumento das aplicações de poupanças no mercado de capitais, em diversas alternativas com níveis de risco diferenciados, envolvendo os títulos de divida publica, obrigações, unidades de participação, ações, e outros valores mobiliários.

Em junho/2020, o stock de capital investido por investidores individuais pessoas singulares neste mercado atingiu 61 biliões de euros, sendo 63% aplicado no estrangeiro, no financiamento de economias terceiras, conforme estatísticas divulgadas pela CMVM.

  • Canhão português: a poupança nacional;

O clima de incerteza, de ansiedade e de temor pela vida, originou que os Portugueses reforçassem a sua propensão para poupar, visando assegurar um futuro que o Estado pode não conseguir proporcionar.

Atualmente a poupança nacional atinge anualmente sensivelmente 15 biliões de euros por ano (7,6% do PIB estimado para 2020) e no atual contexto pode constituir o canhão português, através da sua orientação para financiamento as necessidades de capital das Empresas e do Estado.

Os fundos que a integração na UE disponibiliza e a Poupança Nacional, proporcionam a Portugal os recursos financeiros necessários para resolver a atual crise, desde que, ao mesmo tempo, se corrijam as políticas públicas com reformas estruturais e melhoria da produtividade, promovendo a Poupança, aplicação no país e condições internas de atratividade.

O valor da Poupança, tantas vezes vilipendiado ou desprezado, deve ser reconhecido e conquistar o estatuto de cidadania. A segurança que o Estado oferece aos bancos financiadores nas moratórias tem de ser urgentemente estendida ao financiamento do investimento, captando as poupanças e canalizando-as para o investimento reprodutivo e criador de riqueza.

  • Criação de um Fundo de Solidariedade Empresarial;

Os stakeholders (grandes /médios acionistas, pequenos acionistas, trabalhadores e administrações) das instituições bancárias, das sociedades cotadas e restantes grandes companhias do setor não financeiro, têm de pensar na capacidade financeira das suas empresas e na tremenda Responsabilidade Social que têm pela frente.

Elas não só não vivem isoladas do mundo das PME (95% da economia portuguesa), mas também estão fortemente com elas interligadas. Deverão afetar uma parte dos seus lucros retidos, para exercerem a sua Responsabilidade Social, contribuindo para a resolução da crise económica portuguesa.

Neste universo, é possível constituir no horizonte temporal de curto prazo, um Fundo de Solidariedade Empresarial (FSE) no montante de 1.000 Milhões de €., integrando contribuições das empresas, dos Acionistas, do Pessoal e das Administrações, para apoio ao financiamento a médio prazo das PME`s, em condições a definir pelos poderes públicos, com observância das condições de sucesso do canhão português.

Este processo é compatível com o reforço da solidez financeira das empresas potencialmente contribuintes desta solução, que a  Maxyield - Clube dos Pequenos Acionistas defende e apoia ativamente.

  • Atrair os recursos dos pequenos investidores para o mercado nacional de capitais;

A diversificação da aplicação de poupanças por várias classes de ativos no mercado nacional de capitais é um imperativo para colocar a disparar o canhão português.

A distorção evidenciada pela figura seguinte (elaborada pela Maxyield com base nas estatísticas de junho/2020 divulgados pela CMVM), deve ser suprimida em benefício das diversas classes de ativos com maior risco e fraco peso no mercado nacional.

Fonte: Maxyield

Relativamente às aplicações em acões pelos pequenos investidores, observou-se uma redução de -25% entre 31 de dezembro/2019 e set/2020.

Paralelamente verifica-se que as aplicações no estrangeiro são 4,4 vezes superiores ao investimento no mercado português.

Valores da carteira de ações  de pequenos investidores segundo o tipo de gestão

Fonte: CMVM. Dados em milhões de euros.

No final de setembro/2020, as aplicações de pequenos investidores no mercado nacional euronext representam 1% da capitalização bolsista e 5% da totalidade das aplicações individual (48.356 milhões de euros) e coletiva (13.230 milhões de euros) em valores mobiliários.

  • Enquadramento fiscal para fortalecer a geração de capitais para investimento.

Existem várias dimensões para dinamizar e promover o mercado de capitais, designadamente o enquadramento fiscal, as necessidades empresarias de fundos próprios, financiamento de médio e longo prazo, crescimento das empresas, perfil do capital das sociedades comerciais, corporate governance e financiamento do estado.

Relativamente ao enquadramento fiscal apresentamos os seguintes driver`s a nível de IRS.

  •  O eventual englobamento obrigatório, que venha a ser estabelecido pela política fiscal, dos dividendos distribuídos a pessoas singulares ou mais-valias obtidas, deve merecer a maior ponderação, evitando agravamentos da tributação para as aplicações de pequenas poupanças.
  • O saldo a considerar para efeito da tributação das mais valias deve ser um instrumento a utilizar, tal como ocorre presentemente com micro ou pequenas empresas não cotadas em mercados regulamentados, relativamente às quais é considerado 50% do respetivo valor.
  • O alargamento do período de reporte da dedução de perdas a nível do saldo negativo de mais e menos valias, quando o sujeito passivo opta pelo englobamento, devido à grande volatilidade verificada.
  • Sendo a aplicação em unidades de participação mais profissional, deveriam beneficiar de condições similares aos seguros de capitalização, em função do prazo de permanência.
  • Reduzir em 50% a taxa liberatória aplicada aos dividendos, face ao elevado nível de tributação dos rendimentos subjacentes.
  • Definição de escalões de valores, sujeitos à taxa especial de tributação das mais valias.
  • Aplicar aos rendimentos gerados pelos títulos da divida pública e obrigações, os pressupostos adotados na tributação dos dividendos

Em sede de IRC, sem prejuízo da observância de prazos de permanência, a eliminação da dupla tributação deveria ser estendida às participações inferiores a 10%, favorecendo a gestão de tesouraria e retenção de fundos nas empresas.

Sem a preocupação de ser exaustivo, identificamos caminhos que não afetam de forma relevante as receitas fiscais atuais e são suscetíveis de proporcionar por via induzida níveis de fiscalidade futura mais elevados, com base no princípio de que a preparação do futuro implica custos no presente.