Natureza e Biodiversidade: o novo grande tema na agenda do Investimento Responsável

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Inês Santos. Créditos: Cedida (Systemic)

TRIBUNA de Inês Santos, consultora de Finanças Sustentáveis na Systemic.

Para surpresa de muitos e alívio de outros, a biodiversidade assumiu-se, recentemente, como o novo grande tópico na agenda do Investimento Responsável. Como observa Catherine Howarth, CEO da ShareAction, organização filantrópica dedicada a promover o investimento responsável, a biodiversidade é, agora, “o tema ESG em mais rápido desenvolvimento no mercado de capitais global". 

O termo biodiversidade, contração de diversidade biológica, vem definido na Convenção sobre a Diversidade Biológica como “a variabilidade entre organismos vivos de todas as origens, incluindo, entre outros, os dos ecossistemas terrestres, marinhos e de outros ecossistemas aquáticos, e os complexos ecológicos dos quais eles fazem parte – o que inclui a diversidade dentro das espécies, entre as espécies e dos ecossistemas” (Convention on Biological Diversity). 

Mas esta intrincada teia de “diversidade dentro das espécies, entre as espécies e dos ecossistemas” está, como sabemos, a diminuir a um ritmo preocupante. Exemplificando parte do problema, o relatório Planeta Vivo de 2022 da organização World Wide Fund for Nature (WWF) revelou um declínio médio de 69% nas populações de espécies desde 1970. 

Crucial para o funcionamento equilibrado do ecossistema terrestre, a biodiversidade tem, também, uma contribuição crítica, mas historicamente negligenciada, para o funcionamento da economia global. De acordo com um estudo de 2020 do Fórum Económico Mundial (WEF), mais de metade do PIB mundial é moderada ou altamente dependente da natureza e dos seus serviços ecossistémicos. 

Para surpresa de poucos, os riscos ambientais continuaram a ser alvo de destaque no Relatório de Riscos Globais do WEF de 2023, com o declínio da biodiversidade e o colapso dos ecossistemas a serem apontados como um dos principais riscos tanto em termos de probabilidade como de impacto para a próxima década.

A importância do tema foi, também, reforçada na Conferência das Nações Unidas sobre Biodiversidade (COP15), que aconteceu no passado mês de dezembro. Num esforço para obter um acordo global para proteger a natureza e a biodiversidade, a conferência reuniu representantes de países de todo o mundo, incluindo representantes de inúmeras instituições financeiras e empresas privadas.

Reconhecendo a contribuição crítica da biodiversidade e os impactos e oportunidades financeiras associados, os investidores estão a assumir uma posição mais proativa na promoção dos esforços de conservação. Seja através da aplicação de capital em oportunidades e soluções baseadas na natureza (como investir em projetos de reflorestação ou de agricultura regenerativa, para exemplo); seja através da análise da contribuição das empresas em que investem para o declínio da biodiversidade (perspetiva inside-out). Adicionalmente, os investidores estão, também, a abordar a biodiversidade enquanto risco financeiramente material, analisando a vulnerabilidade das suas empresas relativamente aos riscos relacionados com a declínio da biodiversidade, incluindo riscos físicos; riscos de reputação; riscos regulatórios; entre outros (perspetiva outside-in). 

Este crescente interesse da comunidade financeira dá-nos alguma esperança, especialmente se atentarmos no gap de financiamento para inverter o declínio da biodiversidade. Estudos concluem que é necessário um investimento de entre 722 a 967 mil milhões de dólares (americanos) por ano durante a presente década, uma média de cerca de 700 mil milhões de dólares por ano até 2030.

Mas as preocupações ambientais dos investidores não são de agora, tendo a comunidade financeira estado particularmente atenta à urgência e aos desafios inerentes às alterações climáticas. Contudo, enquanto a causa das alterações climáticas - a queima de combustíveis fósseis - e a solução - a redução das emissões de gases com efeito de estufa - são facilmente compreendidas, a perda da biodiversidade é uma questão mais complexa, com muitas nuances, não existindo uma única métrica que possa captar com precisão o impacto das atividades humanas na biodiversidade. E o que não se consegue medir, também não se consegue gerir. 

O desafio de investir na biodiversidade fica, assim, agravado pela ausência de um framework ou métrica globalmente aceites para medir os impactos na natureza, para além dos desafios práticos da sua medição. Adicionalmente, a compreensão limitada e a escassez de informação sobre como a perda da biodiversidade e a degradação dos ecossistemas se traduzem em riscos financeiros impedem uma decisão de investimento informada. 

Conscientes da necessidade, diferentes organismos têm colocado em prática iniciativas para colmatar as lacunas de informação e fomentar uma maior transparência. Uma iniciativa que importa destacar é a Taskforce on Nature-related Financial Disclosures (TNFD), um grupo de trabalho que está a desenvolver um framework de reporte para as empresas comunicarem os seus riscos, dependências e impactos na natureza. Esta iniciativa baseia-se no sucesso da anterior Taskforce on Climate-related Financial Disclosures (TCFD), que tem ajudado a padronizar as abordagens empresariais em matéria de impactos, oportunidades e riscos relacionados com as alterações climáticas. O TNFD pretende publicar as suas recomendações até setembro de 2023, tendo já lançado uma versão beta. Até ao momento, mais de 700 empresas e instituições comprometeram-se com o TNFD, estando a sua futura divulgação obrigatória a ser discutida por alguns governos. 

Adicionalmente, também o International Sustainability Standards Board (ISSB) já anunciou o seu objetivo de sistematizar métricas de biodiversidade, baseando-se no trabalho já desenvolvido por iniciativas como a TNFD. O ISSB concentrou-se, inicialmente, no desenvolvimento de normas de divulgação para questões relacionadas com o clima, mas, devido à crescente procura por parte dos investidores, decidiu ampliar o seu foco e incluir, também, normas de divulgação em matéria de biodiversidade.

Por sua vez, a iniciativa Science Based Targets Network (SBTN) encontra-se a desenvolver métodos e diretrizes, de forma a equipar as empresas e cidades com as ferramentas necessárias para avaliarem os riscos relacionados com a natureza e definirem metas de acordo com a ciência. 

Ao dirigir os recursos para os esforços de conservação e regeneração, a comunidade financeira tem uma oportunidade única de desempenhar um papel fundamental na resolução da dupla crise das alterações climáticas e da perda de biodiversidade. É preciso encorajar investimentos direcionados para soluções positivas para a natureza, que contribuam efetivamente para inverter esta tendência negativa. O Investimento de Impacto – investimento feito com a intenção de gerar um impacto social e/ou ambiental positivo mensurável, para além do retorno financeiro – oferece-nos um framework para tal. 

O dinheiro fala - e, neste caso, tem o potencial de trazer uma voz muito necessária ao problema do declínio generalizado e global da biodiversidade. Esperemos que não seja só conversa.