O dito por não dito

Jorge Silveira Botelho. BBVA AM Portugal
Jorge Silveira Botelho. Créditos: Vítor Duarte

COLABORAÇÃO de Jorge Silveira Botelho, responsável de Gestão de Ativos na BBVA AM Portugal.

Ouvimos tantas vezes a negação de uma descida das taxas de juro por parte dos membros dos diferentes bancos centrais e pelos seus presidentes, aqui na Europa e do outro lado do atlântico, a propósito da condução da política monetária. E não foram menos as vezes que foram forçados a corrigir…

Não faz às vezes sentido dogmatizar uma negação, uma vez que esta, muitas vezes, objetivamente, tem o seu contexto próprio. Os bancos centrais têm uma tarefa complicada de gerir os seus compromissos explícitos subjacentes ao seu mandato e à independência da sua política monetária, ao mesmo tempo que tacitamente não podem ignorar o desacerto do excessivo endividamento dos Estados. É este endividamento, o tal contexto, que implicitamente os obriga, de forma indireta, a financiar os Estados para se evitar maiores riscos… Isso explica a grande dificuldade de os bancos centrais alguma vez conseguirem normalizar os seus balanços, uma vez que os elevados níveis de liquidez no sistema são fundamentais para que funcionem os mecanismos de transmissão monetária neste mundo endividado, envelhecido e tecnologicamente extremamente disruptivo.

Evolução dos Balanços dos bancos centrais: Fed e BCE

Fonte: Bloomberg BBVA AM Portugal

Mas se em matéria de liquidez ouvimos infundadamente tantas vezes desde a grande recessão de 2008 a negação do financiamento indireto dos Estados, em matéria de taxa de juro neste último ano, parece que os bancos centrais não sabiam mesmo dizer outra coisa senão que não iriam cortar as suas taxas de referência. A justificação é relativamente simples: como nunca houve realmente uma negação sobre o uso abusivo dos instrumentos de gestão de liquidez do sistema, os bancos centrais acharam que essa postura tinha sido a grande responsável pela subida vertiginosa da inflação e, consequentemente, a sua credibilidade estava em causa. Sucede que nem o excesso de liquidez teve alguma coisa a ver com a subida da inflação, nem tão pouco a cruzada de subida das taxas de juro teve muito a ver com a sua descida… Em bom rigor, os efeitos perversos da pandemia e o choque energético reverteram significativamente neste último ano, o que, na prática, explica, em grande medida, a rápida descida da inflação.

Evolução da estimativa flash da inflação na zona euro

Fonte: Bloomberg BBVA AM Portugal

Daí que esta semana, o posicionamento inflexível de alguns dos membros e do presidente do Banco Central Europeu (BCE) vai também perder a seu prazo de validade, uma vez que, os fundamentais e as circunstâncias assim o determinam. A inflação continua a descer e a economia continua extremamente anémica, de onde se infere que os atuais níveis de taxa de juro estão simplesmente desajustados.

Evolução das estimativas do PIB de 2024

Fonte: Bloomberg BBVA AM Portugal

Como os compromissos assumidos com os agentes económicos assim o exigem, o Banco Central Europeu nesta reunião de abril deverá anunciar que vê com uma elevada probabilidade o facto de poder vir a cortar as suas taxas de juro diretoras em junho. Este novo posicionamento do BCE será certamente acompanhado por uma mensagem justificativa, que irá procurar enaltecer que foi a sua determinação e o seu sentido de diligência que explicam porque existe O DITO POR NÃO DITO…

Mas, a questão de fundo, é que por demais que o BCE prolongue durante uns meses a inevitabilidade de um corte das suas taxas de referência e mitigue a probabilidade de descidas consequentes, a verdade é que já estamos envoltos no início de um novo ciclo monetário e este vai seguramente prolongar-se por mais uns anos.