Os TLTRO's serão um medicamento com efeito, ou apenas causarão uma sensação de melhoria? Jorge Botelho, CIO da BBVA AM Portugal, reflete sobre as inevitáveis novas operações de financiamento de longo prazo.
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Um dos marcos mais evidentes da presidência de Mario Draghi à frente dos destinos do Banco Central Europeu (BCE) é que os mercados sistematicamente o subestimaram. Porventura, nos últimos anos quem mais contribuiu para a solidificação do projecto europeu foi sem sombra de dúvidas o presidente do BCE. Só mesmo ele é que foi capaz de entender o problema europeu do endividamento e da fragmentação financeira, forçando nos últimos anos a Zona a Euro a uma efetiva partilha de riscos. Na verdade, ninguém há 5 anos atrás poderia imaginar que o balanço do BCE podia vir a ter a dimensão de 4,7 biliões de Euros, o equivalente a 40,7% do PIB da Zona Euro.
No mesmo ano em que a moeda única perfaz 20 anos e que Mario Draghi chega ao fim do seu legado no BCE, ninguém deveria ter dúvidas sobre a determinação deste gentiluomo em garantir de forma exitosa a normalização da política monetária. Depois do fim do programa de compra de ativos no ano passado, pode finalmente ter chegado a hora de uma subida da taxa de juro de depósito este ano. O desafio parece tremendo, uma vez que a economia abrandou, os mercados estão instáveis e os temas políticos na Europa permanecem complexos, em mais um ano de eleições europeias.
Contudo e quanto ao tema do abrandamento económico, este afigura-se estar demasiadamente descontado e excessivamente amplificado pelos mercados financeiros. Parece consensual que a economia europeia deverá crescer este ano na vizinhança de 1,3%. No entanto, o contributo negativo da componente industrial alemã deverá começar a dissipar-se ao longo dos próximos meses. Por seu turno, os analistas subestimam o efeito no consumo privado do aumento generalizado de salários que ocorreu no último ano de 2,4% (dados do 3º trimestre da Eurostat), fator que em 2019 deverá acelerar a julgar pela dimensão expressiva dos aumentos nos salários mínimos nos diferentes Estados Membros.
Apesar da forte turbulência dos mercados e da volatilidade dos spreads de crédito, as condições creditícias à economia real não se deterioraram significativamente a julgar pelos dados de janeiro do agregado monetário (M3), onde o crédito às famílias e às empresas não financeiras, cresceram homologamente, 3,2% e 3,3%, respectivamente. No entanto, em face das necessidades de financiamento global da economia europeia em 2019 de cerca de 3 biliões de euros (governos, empresas e bancos) e dada a volatilidade dos mercados financeiros, o BCE deverá enveredar por mais tarde ou mais cedo anunciar novas operações de financiamento de longo prazo (TLTRO’s) ao sistema financeiro. Na prática a introdução de novos TLTRO`s terá um efeito placebo, provocando uma redução dos spreads de crédito nos mercados financeiros e permitindo aos bancos emitirem dívida de longo prazo em melhores condições. Por sua vez, a introdução dos TLTRO`s, que acima de tudo favorecem os bancos mais fragilizados, pode ter como contrapartida a desejada subida da taxa de juro de depósito este ano, no sentido de favorecer os bancos mais bem capitalizados e com excesso de reservas. No fundo, pretende-se melhorar os mecanismos de transmissão de moeda, uma vez que, o prolongamento indefinido de condições monetárias perversas, como taxas de juro negativas nos últimos 5 anos, é susceptível de limitar capacidade futura de geração de crédito, provocar danos permanentes na poupança e consequentemente no consumo privado, uma vez que, o aumento de esperança de vida exige um esforço reforçado de poupança, para o qual as taxas de juro negativas só o agravam, minguando ainda mais o crescimento potencial de uma economia excessivamente endividada e demograficamente envelhecida.
Por fim, os temas políticos europeus merecem também ser melhor enquadrados, na medida em que os receios do populismo exacerbado na Europa estão demasiado empolados e não deveriam condicionar a normalização da política monetária. Há que referir que o brexit acabou por prestar um grande favor à nação europeia, ao permitir desmontar toda a hipocrisia que tem estado subjacente aos distintos formatos de populismo aburguesado que existem um pouco por todo lado, ora de esquerda, ora de direita. Não é por acaso, que chegados a esta altura do ano, constatamos com todas as evidências que o enquadramento político e económico do brexit é completamente distinto daquele que irresponsavelmente o gerou…
Neste contexto, pode não tardar muito para que os mercados financeiros na Europa comecem a incorporar cenários de taxas de juro e de moeda distintos dos que estão atualmente descontados. Na realidade, às vezes caímos na tentação de complicar tudo em demasia, ignorando a beleza que se esconde por detrás das coisas mais simples. O melhor é mesmo não nos deixarmos embrulhar na análise, porque se assim for, não iremos subestimar o efeito placebo que a introdução dos TLTRO`s pode vir a ter na transmissão, condução e normalização da política monetária.