O fenómeno da GameStop

Marisa Silva Monteiro
Marisa Silva Monteiro. Créditos: Cedida (JPAB)

Artigo de opinião da autoria de Marisa Silva Monteiro, Advogada e Coordenadora de Financeiro & Garantias na JPAB Advogados.

Warren Buffett aconselha: “compra acções como se comprasses as tuas mercearias e não como se comprasses o teu perfume”, mas muitos investidores decidem por impulso e o fenómeno GameStop é prova disso mesmo.

Long story short, na plataforma social norte-americana Reddit, no fórum Wall Street Bets, um grupo de investidores não profissionais partilhou que havia hedge funds a investir na queda das acções da empresa de videojogos GameStop, o que revoltou os internautas. E em jeito de vingança, iniciaram um movimento de compra massiva de acções da companhia, o que fez a cotação subir literalmente em flecha, valorizando quase dois mil por cento em três semanas.

Esta história da vida real dos mercados financeiros tem uma leitura emotiva, de luta de David contra Golias, do gigante hedge fund a ser afrontado na sua estratégia de short selling por um grupo de investidores de retalho, mas suscita também a reflexão sobre a adequação das regras de funcionamento dos mercados aos dias de hoje.

Do lado de lá do Atlântico, apesar do aumento da carga normativa depois da crise de 2007, ainda há grande margem para perdas e ganhos milionários e práticas mais agressivas como as vendas a descoberto (short selling).

Na Europa e em Portugal, o legislador é mais interventivo, regulando com detalhe o funcionamento dos mercados financeiros, os seus instrumentos, a conduta dos gestores de patrimónios e dos intermediários, sob o princípio geral da transparência.

Aliás, em Portugal, a compra em massa de acções de uma empresa cotada por concertação de investidores para fazer subir o seu valor, seria seguramente considerada crime: crime de manipulação do mercado, determinando o Código dos Valores Mobiliários que incorre em tal crime quem executar práticas fraudulentas idóneas para alterar artificialmente o regular funcionamento dos mercados de capitais, onde se incluem os actos susceptíveis de modificar as condições de formação dos preços.

O episódio da GameStop é, pois, o mote ideal para repensar o enquadramento das práticas de investimentos em massa em contexto de apelos emotivos nas redes sociais. Os fóruns digitais sobre investimento vieram para ficar, com muitos utilizadores desinformados e sedentos de causas e ganhos. E como quem convoca pessoas para uma manifestação, convocam-se pessoas para comprar acções para contrariar as estratégias dos grandes fundos de investimento.

O short selling já tem uma disciplina rígida a nível europeu e nacional e perante o desafio legal que os hedge funds representam, o regulador português (CMVM) impôs regras adicionais de consciencialização do risco associado para os investidores que queiram subscrever as suas unidades de participação.

Portanto, na Europa e em Portugal, os investidores estão protegidos nas aplicações em fundos de investimento menos transparentes como são os hedge funds por definição, mas o legislador também não pode paralisar os mercados com uma protecção quase paternal dos investidores.      

Informação completa e rigorosa é o principal dever dos organismos de investimento, é o mais importante direito dos investidores e o grande baluarte do legislador. E é com a tomada de decisões informadas que os investidores poderão contrariar a agressividade dos hedge funds,e não com movimentos inflamados de vingança que podem até representar condutas ilícitas.

A subida da cotação das acções da GameStop to the moon em poucos dias quem sabe servirá de guião para um filme de Hollywood, mas nos mercados financeiros reais não há os bons (pequenos investidores) contra os maus (hedge funds) e finais felizes como no cinema.