O fim do reflation trade?

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Créditos: Nadine Shaabana (Unsplash)

TRIBUNA de João Paulo Silva, do departamento de desenvolvimento e marketing de retalho no Novo Banco.

Até à reunião do Federal Open Market Committee (FOMC) realizada nos passados dias 15 e 16 de junho, as perspetivas do Comité de Investimento do Novo Banco, que não deveriam destoar das da generalidade dos investidores, era a de que o verão seria tranquilo. Esta tranquilidade resultaria da preponderância do reflation trade, suportado não só pela continuação da forte recuperação económica em curso, por sua vez alicerçada na persistência de fortes estímulos monetários e fiscais, como também – e aqui estava a chave para a tranquilidade prevista – uma aceitação por parte dos investidores de que o atual aumento das pressões inflacionistas não passava de um fenómeno temporário. Esta capitulação dos investidores perante o discurso dos bancos centrais faria com que qualquer surpresa negativa em termos de comunicação de qualquer alteração de política monetária estaria adiada, pelo menos, até à realização da conferência de Jackson Hole em finais de agosto.

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Voltando um passo atrás, as nossas perspetivas económicas são de que o 3.º trimestre será marcado pela continuação da forte recuperação da atividade em curso. Esta recuperação será essencialmente suportada pela procura interna nas economias desenvolvidas da Europa e da América do Norte. A recuperação nas economias emergentes encontra-se adiada pela maior lentidão da generalidade dos respetivos processos de vacinação.

Em termos de inflação, a nossa visão é de que os saltos recentes se deveram a fatores temporários ligados aos efeitos de base, à reabertura das economias e aos constrangimentos vários verificados ao nível da oferta. Assim sendo, as taxas de inflação na Europa e nos EUA deveriam regressar, já em 2022, a níveis mais consentâneos com a sua evolução na última década, níveis esses que, como tal, se manteriam dentro das bandas de variação consideradas como toleráveis, respetivamente, pelo BCE e pela Reserva Federal (Fed).

As implicações em termos de investimento resultantes deste cenário são:

- Otimismo cauteloso em relação ao mercado acionista, que, apesar de valorizações tudo menos baratas, deverá continuar a beneficiar do crescimento económico acelerado, da falta de alternativas de investimento e da proteção que confere a aumentos da inflação. Em termos regionais, a nossa preferência vai para as ações europeias, devido às suas valorizações relativas face às suas congéneres norte-americanas e ao peso relativo dos sectores cíclicos na sua economia.

- Cautelosos (visão neutra) em relação ao mercado obrigacionista, devido à esperada estabilização das yields em níveis historicamente reduzidos e à pouca margem de manobra existente em termos de estreitamento de spreads. As oportunidades mais interessantes deverão surgir na categoria de high yield, devido à sua duration mais curta, à queda das taxas de incumprimento motivadas pela recuperação económica e pela sua correlação positiva com o desempenho do mercado acionista.

- No que diz respeito às matérias-primas, também temos uma visão neutra, uma vez que o denominado super cycle atual tem dado vários sinais (most crowded trade no inquérito do BofA, a correlação positiva do rácio das cotações do cobre e do ouro em relação à yield a 10 anos dos EUA, entre outros) de se encontrar, em termos técnicos, num topo relativo. Outros fatores, que nos levam a estar cautelosos em relação às matérias-primas são os sinais evidentes de um arrefecimento na procura por parte da economia chinesa e a recente quase exclusiva dependência do índice Bloomberg Commodity Spot Index do bom desempenho do petróleo.

Posto isto e regressando ao tema de como a última reunião do FOMC pode ter desfeito os nossos sonhos de um verão tranquilo: estaremos nós perante o fim do reflation trade?

Esta é a pergunta, que nos está a assolar a mente após a mudança de postura, para mais restrita (ou hawkish), da Fed. Para já, esta alteração provocou uma rotação das ações cíclicas/mais sensíveis ao ciclo económico para as ações defensivas e levou os investidores a desfazerem as suas apostas numa curva de rendimento mais inclinada (o spread das yields das treasuries a 5 e a 30 anos registou o maior estreitamento desde fevereiro situando-se, agora, num nível inferior ao do início do ano). Estes movimentos dão a entender, que os investidores passaram a apostar num ritmo de aperto por parte da Fed mais acelerado, o que teria como consequência uma moderação do crescimento económico e das expectativas de inflação. O resultante achatamento da curva de rendimento tenderá a favorecer os sectores mais defensivos (por exemplo: saúde e bens de consumo corrente), o que, por sua vez, poderia desencadear uma inversão da rotação para as ações cíclicas verificada desde o final do ano passado, colocando, assim, em causa a continuação do reflation trade. É esta possibilidade, que nos vai manter acordados durante as férias de verão.