O Patinho Feio

Jorge Silveira Botelho BBVA
Vitor Duarte

Ao longo da última década a União Europeia foi rotulada de patinho feio, hostilizada e maltratada por todos. Qualquer coisa que fizesse estava sempre errada, ao ponto daqueles que foram sempre bem acolhidos e que nunca souberam o que queriam, fossem os primeiros a deixarem-se enfeitiçar por interesses alheios e a colocarem interessadamente em risco a própria coesão do projeto europeu.

Passada uma década desde o fim da grande recessão e de todas as réplicas consequentes que se fizeram sentir e que tornaram turvas as águas do velho charco, parece agora que o lodo está a assentar e uma nova imagem aparece refletida nas águas. O patinho feio cresceu e ainda são muitos aqueles que não se aperceberam como são visíveis os diferentes contornos que revestem a sua silhueta;

Em primeiro lugar, o stress test que na última década a Zona Euro esteve submetida, com a grande recessão, as múltiplas crises de dívida soberana e o Brexit, acabaram por dar corpo a uma realidade distinta. A Zona Euro detém um défice orçamental de apenas -0,5%, com um rácio da dívida pública sobre o PIB de 85,9% (fonte: Eurostat), que contrasta com um défice orçamental americano de -4,7% e um rácio da dívida federal sobre o PIB de 103,20% (fonte: FED).

Em segundo lugar, as dinâmicas do mercado de trabalho na Zona Euro têm demonstrado uma tendência sustentada de redução do desemprego, acompanhada por uma vincada subida dos salários (2,7% yoy a junho; fonte: Eurostat). A grande diferença que se materializa na recuperação salarial na Europa versus os EUA, é que tem incidido na forte recuperação dos salários mínimos nos distintos Estados, contribuindo para uma menor desigualdade salarial.

Em terceiro lugar, com o aproximar do fim da crónica deprimente do Brexit e com o esvaziamento do cenário disruptivo, o foco futuro vai estar nas negociações dos diferentes dossiers, algo que certamente vai ser complexo, volátil e prolongado no tempo. No entanto, depois de tudo o que ocorreu com este desvario, ficou mais do que plasmado e demonstrado que quem detém irremediavelmente o poder negocial é a União Europeia e não o Reino Unido.

Em quarto lugar, dizer que a Europa não tem estadistas é não perceber a grandeza política de Angela Merkel, é ignorar a coragem de Mario Draghi, é subestimar a capacidade negocial de Michel Barnier e é não entender quais os princípios económicos que reclama Margrethe Vestager. Todos eles, entre muitos outros, foram peças chave para a consolidação do projeto europeu, tal e qual como outros que se seguirão, como sejam, Ursula Von Lyen, Christine Lagarde ou Olaf Schoilz, entre outros.                 

Em quinto lugar, as virtudes dos valores da democracia europeia, bem como o combate à desigualdade, fizeram com que muitos dos riscos políticos, económicos e sociais, se deslocassem para outras regiões do globo. Nos EUA, a grande discussão das eleições presidenciais vai incidir no combate à desigualdade após o seu agravamento, no seguimento de um plano fiscal desfasado no tempo e completamente assimétrico. Na América Latina o desconforto social estende-se a todos os diferentes regimes políticos, enquanto na China pode ser só uma questão de tempo, para que os ventos de Hong Kong cheguem à China Continental, se não é que já não chegaram….

Em sexto lugar, a crescente exigência da opinião pública para investimentos em soluções económicas socialmente sustentáveis, devolvem ao Poder Político uma importante ferramenta de redistribuição de riqueza, a política fiscal... A Europa é a região no globo bem mais preparada para retirar partido das novas tendências, subjacentes à necessidade de vivermos numa economia responsavelmente sustentável, com políticas de reconversão industrial e de reversão da desigualdade, com vista a incrementar o PIB potencial da economia. Nesse sentido, a atual perspetiva de convergência de ambas as políticas económicas, fiscal e monetária, podem-se constituir em si mesmo, no maior garante da longevidade do atual ciclo económico Europeu.

Em sétimo lugar, a Europa é uma das regiões do globo que mais tem a ganhar com a democratização das fontes de energias e com a redução dos gases de estufa. De referir, que das 689 grandes empresas que já aderiram ao Science Based Targets (SBT), que é uma outra entidade independente que nasce debaixo do acordo de Paris e que visa colocar o aquecimento global debaixo de 2 graus Celsius (ºC), 46% destas empresas são europeias e apenas 20% são americanas. Tudo isto ganha relevo, quando a União Europeia estuda soluções mais eficientes de alocação de capital para a agenda verde, designadamente aliviar os rácios de capital dos Bancos para projetos “verdes”, o que em última análise se pode constituir num forte catalisador para o investimento público e privado.   

Por fim e tendo em conta estes sete pontos aqui descritos, facilmente se intui que podemos estar à beira de reverter uma década perdida de investimento na Europa, podendo-se verificar uma profunda realocação dos fluxos de capitais globais a seu favor. Acresce o facto, de todo não negligenciável, que o mercado acionista europeu continua a oferecer um excessivo prémio de risco, /superior a 7%; fonte: BBVA AM Portugal), o que não quadra com um cenário previsível de estabilidade de taxas de juro a médio e longo prazo em níveis estruturalmente baixos,nem tão pouco com a redução da incerteza política que assolou na última década o velho continente.

Algo de profundo se alterou na aferição dos riscos económicos e geopolíticos e na identificação das novas tendências globais nestes últimos anos. A ave que habita no ninho Europeu cresceu, e acreditem, já não é mais um Patinho Feio!

Evolução do retorno acumulado dos índices bolsistas desde 2008

Untitled