Oil Prices: a Trick of the Tail?

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Jorge Silveira Botelho. Créditos: Vítor Duarte

COLABORAÇÃO de Jorge Silveira Botelho, responsável de Gestão de Ativos da BBVA AM Portugal.

Quando os eventos improváveis de ocorrer se materializam, o que, na prática, se evidencia é que, afinal, a probabilidade de ocorrência de tal evento não estava a ser devidamente estimada pelos diferentes agentes económicos.

Esta dificuldade de se atribuir uma probabilidade correta a um evento, advém da complexidade de se aferir a relevância de uma alteração de tendência no tempo. Frequentemente, muitas das importantes alterações comportamentais dos agentes económicos são subestimadas, porque estas são silenciosas e levam tempo a materializar-se. Mas a história ensina-nos que por vezes estes eventos precipitam-se inesperadamente de um momento para outro, por detrás de um pretexto insignificante que simplesmente se encarrega de trazer a hora certa da mudança.

O grande A Trick Of The Tail para os próximos tempos pode ser a descida dos preços do petróleo. À partida, parece ser algo inusitado e despropositado, tendo em conta todo o fervor geopolítico. De facto, é verdade que as atuais guerras expõem a nu os riscos para subida dos preços do petróleo, quer pela relevância dos seus intervenientes, quer pelo espaço geográfico onde as mesmas se desenrolam, onde são crescentes, tanto os riscos na produção como no abastecimento.

No entanto, existe um outro conjunto de factos e de considerações relevantes, que expõe de forma fundamental as crescentes vulnerabilidades do setor petrolífero, especificamente no que diz respeito ao preço de um barril de petróleo.

Em primeiro lugar, há que referir que segundo o Banco Mundial, o montante necessário de petróleo para produzir uma unidade de PIB, decresceu de 0,12 toneladas de petróleo em 1970 para apenas 0.05 toneladas em 2022, fruto da maior diversificação de fontes de energia.

A Agência internacional de energia (IEA) estima que os projetos de investimento em energias renováveis em 2023 vão adicionar cerca de 500 gigawatts de capacidade em energias renováveis, mais cerca de 50% do que no ano passado, ou seja, um volume que supera a capacidade instalada de Espanha e Alemanha juntas. Só o investimento em energia solar em 2023 supera o investimento global em petróleo. A título de curiosidade, em Portugal 61% da produção de eletricidade em 2023 foi realizada através de energias renováveis (Fonte: REN).

Produção de Petróleo versus Energia Solar

Fonte: IEA

Em segundo lugar, há que considerar que são cada vez maiores as preocupações com as alterações climáticas e a necessidade de descarbonização, onde muitos cientistas e climatologistas preveem que entre 2024 e 2028 vai ser ultrapassada a marca de subida de 1,5ºC desde os níveis pré-industriais. Daí que a relevância das alterações dos padrões de consumo subjacentes à transição energética e à mobilidade urbana, estão a ganhar um novo ímpeto. Tendo em consideração que 74% de um barril de petróleo é usado em gasolina, destilados (diesel e heating oil) e fuel jet (fonte: IEA), as expectativas futuras do consumo de petróleo nos países desenvolvidos e na China podem estar sobrevalorizadas...

Percentagem de registos anuais de carros elétricos

Fonte: EUROMONITOR INTERNATIONAL

Em terceiro lugar, a normalização dos preços de matérias-primas essenciais à transição energética, como lítio e o cobalto, a descida transversal dos metais industriais desde setembro de 2022 e a inevitável normalização da política monetária com a descida das taxas de juro, são tudo fatores que vão acelerar o investimento na transição energética.

Evolução do preço do hidróxito de lítio

Fonte: BBVA AM Portugal, Bloomberg

De facto, na Europa está finalmente criado o racional económico para que muitos projetos da Agenda Verde saiam da gaveta, sendo certo que nenhum Estado vai desperdiçar esta oportunidade. Em contrapartida, nos EUA independentemente do novo presidente americano, se por um lado ninguém vai travar a produção de petróleo, quando muito até a vai acelerar, por outro lado, nenhum dos candidatos à presidência americana vai querer realmente afrontar as dinâmicas instaladas sobre a transição energética, na medida em que, as mesmas já se encontram vincadas ao nível das preferências dos consumidores e do compromisso irrevogável da indústria automóvel americana.  

Subvenções do Fundo de Recuperação da UE

                     Fonte: Fidelity International

Em quarto lugar, há que salientar que tem sido visível o desacerto da OPEP ao subestimar a capacidade de incremento de produção dos países produtores não membros. Com a diversificação das fontes fósseis com os elevados investimentos globais no gás natural e o pico anunciado (IEA) do consumo de petróleo nesta década, os países não membros da OPEP têm aumentado oportunisticamente a sua capacidade de produção de petróleo, tirando o maior partido dos preços elevados. Esta situação torna-se cada vez mais insustentável para os distintos membros da OPEP, uma vez que estão implicitamente a subsidiar a produção mais cara do petróleo da América do Norte, designadamente o fracking nos EUA e o oil of sands no Canadá.

Produção de Petróleo nos EUA

Fonte: BBVA AM Portugal, Bloomberg

Por fim, e fruto de tudo isto, há que registar a crescente elasticidade na procura-preço de um barril de crude, ao mesmo tempo que também tem subido a correlação entre o preço de um barril de crude e as posições especulativas. No ano passado, foi particularmente curioso verificar como na bolsa de futuros (CFTC NYME), foi tão evidente a correlação negativa entre procura-preço de crude e como foi forte a correlação positiva entre a tomada de posições especulativas e o comportamento dos preços. A par dos temas recorrentes da procura e oferta, acresce o facto de como países grandes consumidores de petróleo, como os EUA e China, gerem agora de forma muito mais folgada as suas reservas estratégicas. Os EUA porque agora como produtores não têm qualquer incentivo nem necessidade de ter o mesmo volume de reservas que dispunham no passado, enquanto a China mantém a sua gestão opaca, mas sempre oportuna.  

Crude: Posições Comerciais Procura/Preço 2023 

Fonte: Blommberg CFTC NYME

Crude: Posições Especulativas Procura/Preço 2023

Fonte: Blommberg CFTC NYME

Em resumo: passámos o ponto de não retorno na transição energética, onde as políticas públicas no combate às alterações climáticas são o reflexo das alterações das preferências dos consumidores e do enorme salto tecnológico. Dada a cada vez maior elasticidade procura/preço de um barril de petróleo, subidas de preços no curto prazo, são sinónimo de destruição de procura estrutural de longo prazo.

Talvez por isso, enquanto andamos distraídos com todos os temas geopolíticos, nem sequer nos apercebemos como tudo intrinsecamente está a mudar de forma célere e impercetível. É por essas e por outras, que de vez enquanto temos A Trick Of the Tail.