O novo paradigma da longevidade contém um lado perverso, para o qual tem sido confortável olhar de forma mais leviana. Jorge Silveira Botelho, responsável da Gestão de Ativos na BBVA AM Portugal, explica-nos em que medida este agrava as desigualdades intergeracionais.
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COLABORAÇÃO de Jorge Silveira Botelho, responsável de Gestão de Ativos na BBVA AM Portugal.
Existe sempre um lado nostálgico quando falamos das diferentes gerações, onde normalmente procuramos associar um nome que releve o seu lugar na história. No entanto, sucede que este lado romântico está a começar a desvanecer-se, na medida em que, no mundo atual em que vivemos, nunca estiveram em simultâneo tantas gerações vivas juntas e nunca foram tão evidentes as desigualdades intergeracionais.

Baby Boomers
A geração dos Baby Boomers é atualmente a mais impactante no mundo ocidental, dado que foi esta a que mais beneficiou com o aumento da esperança média de vida. Esta geração nasceu no pós-segunda guerra mundial entre os anos de 1946 e 1964, momento na história em que se assistiu a um notável crescimento da taxa de natalidade nos países desenvolvidos. Esta foi, sem sombra para dúvidas, uma das gerações da história da humanidade que mais prosperou com o progresso tecnológico em tempos de paz, após duas grandes guerras mundiais.
Talvez por isso, esta foi umas das gerações maiores da história, sendo de assinalar que quando nasceram os primeiros Baby Boomers, a esperança média de vida era de apenas 63 anos, enquanto hoje os Baby Boomers podem esperar viver em média cerca de 79 anos (fonte: Nações Unidas).
Aumento da longevidade
Assim, com o aumento da longevidade, os Baby Boomers transformaram-se em Senior Boomers, sendo de destacar que esta geração começou progressivamente a retirar-se do mercado de trabalho, entrando numa fase de desacumulação do seu ciclo de vida.
Tendo presente que esta geração dos Baby Boomers foi uma das gerações que mais contribui para o crescimento do consumo privado no mundo ocidental nas últimas décadas, não deixa de ser importante refletir que os atuais Senior Boomers são também a primeira geração que enfrenta em grande escala o novo paradigma da longevidade humana e a enorme dificuldade de conciliar este paradigma com a melhor qualidade de vida possível.
População residente nos EUA por geração em 2022

A propósito deste paradigma da longevidade, existe um conjunto de reflexões que vale a pena ter em conta para melhor enquadrar estes temas geracionais, do envelhecimento e da qualidade de vida da população, fora dos argumentos anacrónicos e das ideias pré-concebidas que muitas vezes este assunto suscita e que invariavelmente induzem a erros de perceção.
Temas geracionais e intergeracionais
A primeira reflexão prende-se em aferir quais vão ser as novas necessidades da geração dos Senior Boomers. Esta geração em particular, em termos agregados, vai-se confrontar com a necessidade de alterar o seu cabaz tradicional de compras, porque os gastos relacionados com a saúde vão representar uma fatia cada vez mais importante dos seus rendimentos.
Estamos a falar de escolhas e não necessariamente de inflação, porque, na realidade, os custos de fazer análises, tratamentos, cirurgias plásticas, transplantes, etc., tendencialmente até vão cair, com tantos avanços tecnológicos. O problema é que vão ser mais frequentes e, consequentemente, ocupar uma maior fatia do rendimento disponível.
A segunda reflexão prende-se com a função temporal do consumo, ou seja, com a necessidade de aferir as implicações da relação entre o consumo presente e o consumo futuro quando a longevidade aumenta. Parece óbvio que esta geração entrou numa fase desacumulação e já não tem capacidade de gerar cash-flow adicional de forma estável. Na prática, esta geração vai-se obrigar a sacrificar o consumo presente a favor do consumo futuro, com vista a assegurar-se de uma maior longevidade com a melhor qualidade de vida possível. Por esta via, a alteração da função do consumo temporal é desinflacionista, na medida em que é uma das gerações com maior capacidade de gasto e com maior património acumulado, vai frenar o seu consumo presente e implicitamente gerar um potencial de excesso de capacidade.
Por fim, a terceira reflexão, e provavelmente a mais importante de todas, prende-se com o que se vai passar com as novas gerações (X, millennials, Z, alpha) e em que medida estas se vão confrontar, melhor ou pior, com este novo paradigma da longevidade.
Problemas atuais e futuros
Aqui não nos restam dúvidas de que são muitos os governos e economistas que estão a subestimar a relevância da teoria das expetativas racionais para uma correta abordagem a esta temática.
Infelizmente, hoje, as novas gerações têm consciência de que há muitas coisas que não conseguimos ter por garantidas e que não podemos simplesmente ignorar o excessivo endividamento dos Estados, os desequilíbrios patentes nos sistemas de segurança social e o envelhecimento da população, no qual também está implicitamente associado uma mais lenta transmissão do património entre gerações. Estes são fatores que, na sua génese, não permitem garantir que as novas gerações encarem com tranquilidade a vida pós-reforma.
Acresce o facto de que estas novas gerações, contrariamente ao que se passou com a geração dos baby e agora Senior Boomers, têm a maior dificuldade em acumular riqueza, não só porque a progressão nas carreiras é mais difícil para a grande maioria dos trabalhadores, como também a relação entre os rendimentos do trabalho versus o valor dos ativos reais se alterou através dos anos de forma significativa. De facto, em termos comparativos, a relação entre o valor de um bem real em face do rendimento disponível, como por exemplo é o caso de comprar uma casa, deteriorou-se significativamente nas últimas décadas, impedido muitos jovens de conseguirem meios para investir e, consequentemente, acumular património.
Olhando, por isso, para a realidade americana, não é difícil extrapolá-la para a região europeia, onde certamente em alguns dos países que a compõem o fosso entre a capacidade de geração de rendimento e os e valores das casas ainda é mais alarmante…
EUA: relação entre o rendimento e os preços das casas entre gerações

É neste contexto que é difícil entender todo este ruído sobre a inflação associado à longevidade, quando a geração que mais acumulou riqueza e, consequentemente, teve maior capacidade de gasto, entrou numa fase de desacumulação, enquanto as novas gerações, que dificilmente vão ter a capacidade de gerar tanta riqueza, vão ser obrigadas a alterar de forma muito pragmática os seus hábitos de consumo, de forma a precaver o seu futuro.
Nos EUA, atualmente, a geração dos novos Senior Boomers representa 51,8% da riqueza total nos EUA em 2023 e detém praticamente a mesma população que a geração dos millennials, sendo que este detém apenas 9,25% da riqueza (fonte: Fed).
EUA: distribuição do património líquido entre gerações

Em termos agregados, ironicamente, os novos Senior Boomers são uma das gerações mais afortunadas quando comparada com as que lhe antecederam e com as que agora a lhe precedem. Mas como vimos, esta dádiva que é o tempo está sujeita a um conjunto de novos desafios para os quais, infelizmente, nem todos estamos preparados para enfrentar. As desigualdades geracionais e intergeracionais são visíveis, mas lamentavelmente, pouco ou nada tem sido feito para reverter esta tendência…
Inação política
Por um lado, muitos Estados continuam a querer ignorar esta dura realidade, enquanto são muitos os cidadãos que, apegados ainda a falsas promessas ou a vertigens ideológicas, ignoram por completo a relevância da literacia financeira como um meio essencial para lhes assegurar uma melhor qualidade de vida.
Em suma, este o novo paradigma da longevidade contém um lado perverso, na medida em que agrava potencialmente ainda mais as desigualdades intergeracionais. Daí que temos de ter a consciência individual e coletiva de que andamos demasiado atrasados em lidar com este problema, porque este já não é o tempo de querer dar tempo ao tempo!