Paulo Pacheco (Banco Português de Gestão): “Em 2024, deveremos assistir a um arrefecimento da economia mundial”

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Paulo Pacheco, CFA. Créditos: Vítor Duarte

COLABORAÇÃO de Paulo Pacheco, diretor de Gestão de Ativos, no Banco Português de Gestão.

O ano de 2023 terminou de uma forma muito positiva, diríamos, mesmo, com exuberância, com a generalidade das classes de ativos em território positivo. Este comportamento contrastou grandemente com o ano de 2022, um dos piores anos das últimas décadas, onde quase a totalidade das classes de ativos tiveram desempenhos negativos.

Retrospetiva

Os mercados acionistas de referência renovaram novos máximos apesar das políticas monetárias restritivas, tendo em vista o controlo dos elevados níveis de inflação, levadas a cabo pela generalidade dos bancos centrais. Nos mercados de obrigações, as yields subiram incessantemente, atingindo os máximos deste ciclo em outubro. Em boa verdade, no último par de anos, assistimos a uma expressiva subida das taxas de referência e num escasso período de tempo. Não era para menos. A inflação, um pouco por todo o lado, aproximou-se dos dois dígitos, havendo mesmo economias desenvolvidas acima desse patamar psicológico. Entretanto, a inflação desceu abruptamente e já se encontra em níveis razoáveis, ainda que acima da referência dos 2%. Por último, deflagrou um novo conflito armado ainda com consequências por apurar.

As ações americanas foram quem mais brilharam. Em boa verdade, as Sete Magnificas ajudaram decisivamente para tal feito. A economia chinesa continuou a abrandar e o mercado acionista chinês, de grande aposta (China reopen) no início de 2023, transformou-se na desilusão do ano. Este rápido resumo do ano prova a dificuldade de prever o futuro, ainda que todos os anos nos sujeitemos a tal ditadura. Os mercados são incertos, cheios de imprevistos, cuja única vacina conhecida para a incerteza é a diversificação.

Perspetivas para 2024

Em 2024, deveremos assistir a um arrefecimento da economia mundial, à medida que os efeitos associados às políticas monetárias restritivas se manifestem na sua plenitude. Entre os principais blocos económicos, identificamos fragilidades na Zona Euro e na China. Nos Estado Unidos, antevemos um cenário de soft landing.

O contexto atual leva-nos a concluir que os principais bancos centrais terão concluído o seu ciclo de subida de taxas. Aliás, o mercado encontra-se, neste momento, a descontar cortes significativos de taxas por parte do BCE e da Reserva Federal em 2024. Contudo, consideramos que o mercado está bastante otimista e, por esse motivo, antecipamos um ano positivo para as obrigações, mas sem exageros.

A economia americana mais dinâmica e direcionada para setores de alto valor acrescentado continuará a resistir à recessão. Pelo contrário, a Europa, com a guerra às suas portas, com o seu motor (Alemanha) gripado, terá dificuldades para fugir a um cenário recessivo. Nesse sentido, privilegiamos a exposição ao mercado acionista americano, ainda que este se encontre, em termos de múltiplos, menos interessante relativamente ao mercado acionista europeu. 

Por último, mas que já vem sendo um posicionamento recorrente dos últimos anos, continuamos expostos ao ouro. Consideramos que neste contexto de inflação e aumento significativo do risco geopolítico, este metal precioso terá um papel relevante nas carteiras.

Riscos

Resumidamente, parece-nos que este ano vai caraterizar-se pela incerteza e volatilidade. De facto, os fatores de risco são muitos e diversificados. 

O conflito no Médio Oriente pode alastrar e contagiar uma zona já de si bastante instável. A China poderá continuar a ter dificuldades para acelerar a sua economia. As medidas que funcionaram no passado (aumento da despesa pública e privada) parecem estar esgotadas. A transformação de uma economia predominantemente exportadora numa economia de consumo interno demora o seu tempo.

O combate à inflação poderá não estar concluído. Recentemente, assistimos ao ressurgimento das preocupações sobre os custos energéticos, enquanto que os ataques terroristas no Mar Vermelho podem provocar aumentos significativos do transporte de mercadorias (freight costs)

Não menos importantes serão os atos políticos. Cerca de metade da população mundial vai a votos. Numas mais do que outros, as eleições podem trazer surpresas e preocupações. Uma vitória de Trump poderá colocar a Europa sobre pressão. No curto prazo com a redução do apoio à Ucrânia e a médio prazo colocando em causa o futuro da aliança atlântica (NATO).