Perspetivas para 2024: a conversa entre um otimista e um pessimista

Carlos Bastardo
Carlos Bastardo. Créditos: Vítor Duarte

COLABORAÇÃO de Carlos Bastardo

Dois amigos de longa data continuam a encontrar-se no café do bairro para colocar a conversa em dia. São investidores, mas quase sempre com opiniões diferentes: o Sr. O, sempre mais otimista, e o Sr. P mais pessimista.

Esta semana estiveram a conversar sobre o que 2024 nos pode reservar em termos económicos e dos mercados financeiros.

O Sr. O iniciou a conversa dizendo: então P, vendeste muitas ações neste rally dos mercados de novembro e dezembro? O Sr. P respondeu: sabes que estou defensivo. Tu já viste que o Dow Jones está em máximos, o S&P 500 perto dos máximos históricos e o Stoxx 600 também? Vou-te explicar melhor.

O índice Dow Jones esteve nos 36.679 pontos em 26/12/21 e agora em 14/12/23 fechou nos 37.248,25 pontos. O índice S&P 500 esteve nos 4.808.93 em 26/12/21 e fechou em 14/12/23 nos 4.719,55 pontos. E o índice Stoxx 600 esteve nos 495,46 pontos em 26/12/21 e em 14/12/23 fechou nos 477,88 pontos. Agora, pensa no nível da inflação e principalmente das taxas de juro há 2 anos e agora? Eu sei que estamos perto do Natal, mas tu ainda acreditas em milagres?

O Sr. O respondeu ao P depois de beber um pouco de chá: tu não viste as notícias desta semana? Não estou a falar do caso das gémeas ou dos candidatos do PS que disso já estou farto! As taxas de juro vão começar a descer rapidamente. O Sr. P interrompeu-o de imediato: o quê? Esquece. A inflação nos EUA está acima dos 3% e na Europa acima dos 5%. O Sr. O esclareceu: isso é este ano e que está a acabar. Para 2024, a inflação já vai cair para os tais 2% que eles tanto gostam. O Sr. P voltou à carga: tu tens noção dos riscos geopolítico (guerra da Rússia à Ucrânia, o conflito em Gaza…)? Em qualquer altura o petróleo volta para os 90 a 100 USD por barril e aí o que acontece aos preços dos produtos?

Após beber mais um pouco de chá, o Sr. O falou: de facto não viste as notícias! Em 2024, o Jerome já disse que as taxas de juro vão descer e se calhar já em março vai ser a primeira descida. O Sr. P retorquiu: as realidades americana e da zona euro são diferentes. Lá, o PIB cresce acima dos 2,5%; cá, sobe 0,6%. Até posso entender que o Jerome reduza as taxas de juro 1% a 1,5% em 2024 e mais cedo que na Europa, também porque subiu mais cedo e estão mais elevadas, mas a Lagarde e os falcões à volta dela, só lá para o verão, e é se a inflação estiver nos 2%.

E continuou o Sr. P: e tu sabes bem, porque já passamos por estes ciclos várias vezes, que os bancos centrais quando começam a descer as taxas de juro, já a economia está a resvalar. E a seguir, bebeu com ar triunfante o seu chocolate quente.

O Sr. O respondeu: os EUA não vão entrar em recessão. Vai ser aquilo que os senhores que falam nos canais da TV no CNBC e na Bloomberg dizem: um soft landing. E as empresas vão continuar a ver as vendas e os lucros a crescerem. Ao que o Sr. P respondeu: essa é uma visão muito otimista, aliás, como é teu apanágio. Tu não viste o aumento da delinquência ao nível dos cartões de crédito nos EUA, a subida significativa do custo financeiro para as famílias e para as empresas, a poupança da pandemia a esfumar-se, não achas que isso não vai ter um forte impacto no primeiro e no segundo semestre de 2024? Eventualmente, poderei não estar tão apreensivo no segundo semestre. Agora, antes do brinde, ainda vamos ter a fava.

O Sr. O sorriu e disse ao P: tu já estás a pensar no Natal e no Bolo-Rei.

Eu, que estava na mesa ao lado e tendo trabalhado muitos anos nos mercados financeiros e continuando, porque gosto, a acompanhar estes temas, pensei para os meus botões: fazer hoje previsões a mais de 3 meses é complicado. É quase certo que as taxas de juro não vão subir mais nos EUA e na Europa neste ciclo. Contudo, a maior ou menor rapidez da descida das taxas de juro vai depender da evolução da inflação e do PIB. Se as economias continuarem resilientes, a descida das taxas de juro será mais lenta, caso contrário, será mais rápida.

A grande questão para 2024 é: será que os bancos centrais que se enganaram antes, pois demoraram a iniciar a subida as taxas de juro, vão enganar-se novamente a demorar no início da descida das mesmas, com a persistência de quererem trazer a inflação para os 2%?

Quem vai ser o primeiro banco central a descer as taxas de juro? Se a zona euro está mais perto da recessão, eu diria que seria o BCE a ter de iniciar primeiro essa descida. Contudo, nós sabemos que nestes assuntos, a Fed é quem tem indicado o caminho. Além de que no BCE, os falcões preocupam-se mais com a inflação do que com o crescimento económico e o desemprego.

Espero reencontrar o Sr. O e o Sr. P daqui a uns meses e, se calhar, nessa altura, recordo-lhes o que disseram em dezembro de 2023.

Boas Festas e um ano de 2024 com saúde e sucesso nos investimentos.