Carlos Bastardo, no seu artigo de opinião, comenta o aproximar do fim dos programas de compra de títulos, enquadrando com os recentes acontecimentos nos mercados.
TRIBUNA de Carlos Bastardo.
Os bancos centrais que nos últimos anos reforçaram os programas de compra de títulos, mudaram o discurso face à recuperação das economias em geral e à subida da inflação. É quase certo que em 2021 ou no início de 2022 aconteça o início da redução das compras de títulos até chegarem a zero.
A subida do preço das commodities tem levado à subida da inflação nos EUA e na Europa. Os últimos indicadores relativos a agosto foram 5,3% nos EUA e 3% na zona euro.
Os mercados bolsistas estão praticamente em máximos históricos, apresentando um price earnings (cotação / lucro por ação) elevado relativamente à média dos últimos 20 anos.
Segundo dados do IBES, o índice S&P 500 (EUA) estava no início de setembro nos 21,4 (15,5 é o valor médio dos últimos 20 anos). Na Europa este indicador estava nos 16,4 contra um valor médio histórico de 12,8. A nível mundial, o PER estava em 19,6 contra um valor médio histórico de 15.
Na Europa, as bolsas alemã, francesa, italiana e espanhola apresentavam no início do mês um PER de 14,4, 16,6, 12,2 e 13,9, contra um valor médio histórico de 12,5, 12,8, 12,4 e 12, respetivamente. Ou seja, apenas a bolsa de Milão tem um PER abaixo do valor médio histórico dos últimos 20 anos.
O crescimento dos resultados líquidos previsto para 2021 na Europa e nos EUA é de 56% e 46% em termos homólogos (dados do IBES do início de setembro). Até final do ano, poderão existir ajustamentos em alta ou em baixa face às atuais estimativas.
O que está a acontecer com a Evergrande pode ter segundo alguns economistas um impacto de 2% na economia chinesa, muito alavancada e em que o setor imobiliário tem um peso significativo. A questão a confirmar nos próximos meses é se o que está a acontecer com a Evergrande não vai acontecer com outras imobiliárias chinesas, dada a forte desaceleração do mercado imobiliário naquele país.
Caso o PIB chinês seja afetado e dada a importância económica da China no contexto mundial, a economia global será também afetada.
Para já, as estimativas de crescimento dos resultados líquidos para 2022 (dados do IBES) são 8,7% na Europa e 9,1% nos EUA.
Recentemente a ESMA (regulador europeu) alertou que o risco de uma correção dos mercados aumentou. Salienta no seu último relatório que as obrigações, especialmente as obrigações high yield estão muito acima dos níveis pré-pandemia, tal como as ações. Daí que alertou nesse relatório para o aumento do risco por parte dos investidores, o que pode causar períodos de grande volatilidade.
O PMI da indústria de agosto que eu considero há muitos anos um indicador benchmark apesar de estar perto dos máximos registados na Europa (63,4 em junho), caiu em julho e em agosto, situando-se agora nos 61,4. Nos EUA, depois de ter estado nos 63,4 em julho, caiu para 61,1 em agosto. E na China, o PMI industrial tem estado a cair desde maio (estava em 52) atingindo em agosto um valor de 49,2, abaixo dos 50, nível que separa a expansão da contração.
O fundo de recuperação europeu está a ser finalmente implementado, embora ainda estejamos na fase de seleção de projetos de investimento e de candidaturas a apoios.
O impacto no PIB será efetivo nos próximos seis anos. Nos países do sul da Europa, o impacto no PIB será mais significativo: em Itália, o impacto do PIB previsto é de 9,4% nesse período, em Espanha de 5,3% e em Portugal de 7,2%. Nos países europeus mais ricos, os impactos são mais baixos (2% a 3% em média no mesmo período).
Caso a subida da inflação não seja temporária como alguns esperam, iremos certamente assistir a movimentos com vista à subida dos salários, o que fará aumentar os custos de produção e os preços de venda de serviços e bens.
Para já, os bancos centrais parecem não estar muito preocupados com a inflação, mas seria desejável não repetir o que aconteceu nos anos 90 do século passado, em que ficaram behind the curve.