Proposta da Diretiva Comunicação de Informações sobre a Sustentabilidade das Empresas: uma oportunidade perdida?

Diana Ribeiro Duarte e Sofia Araújo Matias
Diana Ribeiro Duarte e Sofia Araújo Matias. Créditos: Cedida (Morais Leitão)

TRIBUNA de Diana Ribeiro Duarte, sócia, e Sofia Araújo Matias, advogada estagiária, Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva e Associados.

1. Introdução

A Comissão Europeia (CE) publicou, no dia 21 de abril de 2021, a sua proposta para a nova diretiva da União Europeia (EU) relativa à comunicação de informações sobre a sustentabilidade das empresas - a Diretiva Comunicação de Informações sobre a Sustentabilidade das Empresas (CISE).

A proposta da CE altera a Diretiva 2013/34/UE, a Diretiva 2004/109/CE, a Diretiva 2006/43/CE e o Regulamento (UE) n.º 537/2014, e pretende ajustar os atuais requisitos da Diretiva de Divulgação de Informação não Financeira (NFRD). O âmbito de aplicação, bem como as regras da NFRD, tornaram-se insuficientes face à evolução legislativa da UE em matéria de sustentabilidade, fazendo surgir, assim, um novo objetivo: harmonizar a divulgação de informação não financeira para permitir a confiança na informação divulgada e uma comparação eficaz entre empresas.

A 18 de fevereiro de 2022, o Conselho Europeu publicou a sua posição sobre a proposta. Mais recentemente, a 16 de março de 2022, a Comissão dos Assuntos Jurídicos do Parlamento Europeu (JURI) divulgou a sua posição sobre a CISE.

Sendo certo que a CISE representa o desejado passo em frente na simplificação dos processos de divulgação e na transparência e padronização das divulgações relacionadas com a sustentabilidade, ainda há espaço para melhorias. Para alguns, o texto da proposta é demasiado prescritivo e fica aquém das expetativas criadas para uma maior compatibilização com a legislação internacional, carecendo, em alguns pontos, de clarificação. De facto, algumas temáticas merecem atenção antes da aprovação da proposta.

2.  Âmbito de aplicação

A proposta alarga o âmbito de aplicação da NFRD, incluindo todas as empresas cotadas nos mercados regulamentados da UE, com exceção das microempresas, e todas as grandes empresas (empresas que cumprem pelo menos dois dos seguintes critérios: 250 ou mais empregados; 40 milhões de euros de volume de negócios líquido; 20 milhões de euros de total do balanço). Embora o alargamento do âmbito de aplicação da NFRD fosse necessário, alguns pontos podem ser reconsiderados.

Em primeiro lugar, os critérios de definição de grandes empresas dificilmente funcionarão para certos setores, por exemplo, para os setores dos seguros e de alto risco, uma vez que os seus critérios de dimensão (e.g. o balanço) são tendencialmente diferentes. Importa, na verdade, saber se estas empresas têm uma dimensão suficiente para que se considerem abrangidas pelo âmbito de aplicação da Diretiva e, por conseguinte, estarão sujeitas aos seus requisitos de divulgação. Em alguns casos, as empresas têm dimensão relevante nos seus setores, mesmo que não cumpram dois dos requisitos definidos pela CISE.

Com efeito, talvez fosse útil criar um critério alternativo ou até mesmo outra categoria de empresas que ficassem sujeitas a um regime especial mais adequado às características específicas dos seus setores. De aplaudir é, por exemplo, a decisão do Conselho Europeu de introduzir uma definição específica de volume de negócios líquido para instituições de crédito e seguradoras, permitindo ter em consideração as características destes sectores.

Em segundo lugar, a proposta alargou o âmbito de aplicação da Diretiva de 2014 para incluir as pequenas e médias empresas (PME) cotadas. Dada a sua dimensão e recursos limitados, sujeitar as PME ao cumprimento de detalhados requisitos de divulgação pode ser excessivo e extremamente dispendioso, tanto administrativa, como financeiramente.

Ainda, não se compreende que a aplicação da CISE a PME dependa do facto de estarem ou não cotadas, ou seja, que dependa da sua base acionista, dado não existir qualquer relação entre estarem ou não cotadas e as preocupações de sustentabilidade. Se for para diferenciar, só devem ser incluídas as PME que internalizem consequências relacionadas com a sustentabilidade e/ou aquelas que fazem parte de um setor específico que é responsável por uma parte relevante das atividades económicas e, portanto, que tem impacto equivalente na sustentabilidade. Além disso, esta diferenciação pode ter o efeito inverso do que se pretende: desencorajar as PME que estão ou que pretendem estar cotadas em mercados regulamentados, a fim de evitar estarem sujeitas aos exigentes requisitos de divulgação da CISE.

Por todas estas razões, a inclusão das PME pode e deve ser repensada. Seria mais prudente criar um regime simplificado e proporcional para as PME, cotadas ou não, ou mesmo um regime opcional, adaptado às suas caraterísticas, que garanta a igualdade de condições de concorrência entre todas as PME. Ao contrário da CE e do Conselho Europeu, a JURI deu um passo atrás e retirou as PME cotadas nos mercados regulamentados da UE do âmbito de aplicação da Diretiva.

Em terceiro lugar, pode ser considerada a inclusão das empresas que, apesar de não estarem cotadas na EU, atingem determinado montante de volume de negócios e prestam serviços na UE. A sua não inclusão criará uma zona cinzenta na qual não é possível a comparação, criando discrepâncias e até, diga-se, injustiças: empresas concorrentes que operam na mesma área não estarão sujeitas aos mesmos requisitos de divulgação.

Além disso, a proposta da CE (com a qual o Conselho Europeu concordou) isenta as filiais sujeitas à CISE das respetivas obrigações de divulgação de informação se a empresa-mãe efetuar essa divulgação relativamente a todo o grupo. A JURI eliminou esta isenção por considerar que, para assegurar a necessária transparência, tanto as empresas-mãe como as filiais devem cumprir as obrigações de divulgação.

Finalmente, a proposta estende o seu âmbito de aplicação às empresas sedeadas fora da UE que tenham uma filial na UE. Muito embora esta iniciativa mereça elogios, falta-lhe clareza. Mais, parece até paradoxal que o texto exclua algumas empresas sedeadas na UE, mas inclua outra sedeadas fora da UE. Esta inclusão poderá criar distorções de mercado e de concorrência entre empresas, pelo que deve ser repensada.

3. Auditoria da informação divulgada

A proposta da CE torna obrigatória a auditoria das informações divulgadas sobre sustentabilidade. Ainda, a CISE exige que as empresas verifiquem os seus relatórios anuais quando realizados pelo mesmo revisor oficial de contas que audita as respetivas demonstrações financeiras (a denominada garantia de fiabilidade da comunicação de informações anuais e consolidadas sobre sustentabilidade). A proposta introduz a autoria das contas anuais individuais e consolidadas pelos revisores oficiais de contas numa base anual.

Como resultado destas novas exigências, a informação não financeira passa a ser tratada nos mesmos moldes da informação financeira. Contudo, uma vez que a sua natureza difere, o legislador parte de um princípio de equiparação que não se verifica. Enquanto na informação financeira são divulgados dados quantitativos, facilmente comparáveis e previamente definidos, na informação não financeira são divulgados dados qualitativos, que variam consoante o contexto.

Há ainda algumas questões ficaram por ser respondidas: quais são as qualificações necessárias dos auditores? É necessária certificação? Quais são os procedimentos a serem seguidos? Os prestadores de serviços de garantia de fiabilidade independentes precisam de cumprir alguns requisitos? Quais? Porque são esses requisitos diferentes dos exigidos aos revisores oficiais de contas?

Precisamos de mais explicações clareza e harmonização de critérios. Certo é que a implementação dos novos requisitos deveria ter permanecido à disposição dos estados-membros.

4. Requisitos adicionais de divulgação

A proposta da CE detalha a informação que as empresas devem divulgar e introduz novos e rigorosos requisitos de divulgação.

A CISE inclui agora mais informações a divulgar, nomeadamente sobre questões de governance, sobre a cadeia de valor e sobre os objetivos e estratégias das empresas. Por exemplo, as empresas estão agora obrigadas a divulgar todo o processo de análise da materialidade.

Ainda que a introdução de requisitos mais detalhados e padronizados venha tornar a prestação de informação mais explícita, especialmente quanto às questões materiais, a verdade é que, também estas novidades, carecem de clareza. A maioria dos critérios são demasiado vagos, excessivos e inflexíveis, criando encargos administrativos desproporcionados para as empresas. Ilustrando: a cláusula de salvaguarda, que permite a omissão de divulgação de informações em determinadas circunstâncias, continua impercetível na prática – o seu funcionamento e aplicação carece de maior explicação.

Além disso, a proposta acrescenta um requisito relativo à divulgação de informação sobre ativos intangíveis, incluindo informações sobre o capital intelectual, o capital humano, o capital social e o capital de relacionamento. Contudo, nada mais acrescenta, nem, tão pouco, é demonstrada qualquer ligação à sustentabilidade. Na verdade, o problema parte da própria definição de ativos intangíveis: “os recursos não físicos que contribuem para a criação de valor da empresa”. Dadas as limitações da divulgação de informações sobre ativos intangíveis, exercício complexo e de difícil implementação (ativos difíceis de identificar e de quantificar), esta informação deve ser comunicada apenas numa base voluntária.

Em geral, enquanto uns requisitos necessitam de especificação, de pormenorização ao nível da informação a divulgar, e de flexibilidade na sua aplicação, outros acabam por ser manifestamente desproporcionais quando aplicados a certas empresas. Em vez da CISE acrescentar novos requisitos de divulgação obrigatória, uma opção alternativa poderia ser a criação de mecanismos que permitam uma escolha flexível dos requisitos, de modo a que as empresas pudessem adaptar os relatórios em função da sua situação concreta.

Por outro lado, alguns requisitos são impraticáveis, demasiado amplos e pouco claros. A título de exemplo, o requisito da divulgação de planos futuros (informação prospetiva) é demasiado ambicioso porque implicará um exercício excessivamente especulativo e impreciso, e que pode mesmo exigir a divulgação de informação comercialmente sensível, originando resultados muito pouco fiáveis.

Com efeito, a proposta vai demasiado longe em relação a alguns dos novos requisitos face à atual prática do mercado, pelo que devem ser reconsiderados ou introduzidos gradualmente. Uma diretiva que visa aumentar a certeza jurídica não deve tornar-se demasiado incerta, geral e abrangente, limitando-se a criar um mero instrumento de box ticking.

Relacionada com estas novidades está também a padronização dos requisitos de divulgação. A CE exige que o Grupo Consultivo para a Informação Financeira na Europa (EFRAG) publique normas comuns para a UE. Contudo, o processo de elaboração destas normas e do parecer técnico do EFRAG exigido pela proposta não está suficientemente densificado e precisa de ser clarificado. Note-se que na redação das normas comuns para a UE deve ser assegurada a compatibilidade com as normas internacionais, para evitar duplicação, inconsistência e aumento da burocracia.

5. Relatório de Gestão

A CISE exige que a informação sobre sustentabilidade seja incluída no relatório de gestão, de modo a garantir uma maior acessibilidade à informação e a permitir uma consulta direta. Porém, não chega a ser claro no texto da proposta se esta inclusão é feita num capítulo separado ou se é integrada juntamente com as informações financeiras. Nesta última opção, a integração pode dificultar a legibilidade e identificação da informação não financeira, impedindo uma comparação direta entre os dois tipos de informação presentes no relatório de gestão.

Independentemente da ausência de informação sobre a localização no relatório de gestão, a prática comum tem demonstrado que as empresas preferem optar pela separação dos dois relatórios, diferenciando estilos e conteúdos. A mudança exigida pelo CISE implicará a reorganização das empresas e o aumento dos custos associados, retirando a flexibilidade de que as empresas dispunham em matéria de publicação da informação. No limite, esta alteração será disruptiva dos processos internos, já que os sistemas de divulgação eram adaptados pelas empresas, que garantiam a coesão entre toda a informação divulgada e organizavam da forma que consideravam mais relevante para os seus utilizadores.

7. Relação com a Taxonomia e com o SFDR

Ao comparar o texto da proposta com o Regulamento (UE) 2020/852 (Taxonomia) e com o Regulamento (UE) 2019/2088 (SFDR), deparamo-nos com algumas inconsistências que precisam de ser resolvidas.

A referência cruzada ao artigo 8.º da Taxonomia e a sua aplicação às entidades da CISE, especialmente às pequenas e médias empresas, levantam diversos problemas de compatibilização. Por exemplo, as definições na proposta não estão totalmente alinhadas com os objetivos ambientais da Taxonomia, criando confusão e distorções na aplicação das regras que relacionam os dois instrumentos legislativos. Ainda, o artigo 19.º da CISE inclui requisitos adicionais que estão fora do âmbito da Taxonomia e que vão muito além das suas obrigações de divulgação. Em resultado, enquanto as empresas se preparavam para cumprir os requisitos de divulgação da Taxonomia, terão agora, num curto período, de se organizar para divulgar informação com base noutros requisitos.

Por sua vez, será necessário assegurar a coerência entre a CISE e o SFDR, evitando repetições desnecessárias, duplicação (e/ou sobreposição) de obrigações e, consequentemente, o aumento dos custos para as empresas.

8. Custos e transposição

O cumprimento dos detalhados requisitos da CISE implica incrementar a recolha de informação, dificuldade que acresce aos esforços das empresas para adaptar os seus processos internos de divulgação às novas obrigações, especialmente para aquelas empresas que não estavam sujeitas à NFRD. Como resultado da introdução dos novos requisitos de divulgação, os encargos e os custos, tanto administrativos como financeiros, aumentam, por vezes, inundando as empresas com burocracia desnecessária.

Quanto ao calendário de transposição, este é demasiado ambicioso e exigente, pelo que pode vir a ser repensado. Segundo a proposta, as grandes empresas abrangidas pela CISE devem começar a aplicar os requisitos de divulgação de informação da diretiva a partir de janeiro de 2023.

A aplicação da CISE a partir desta data irá criar dificuldades de implementação que serão difíceis de ultrapassar. No curto período entre a aprovação da diretiva e janeiro de 2023, as empresas dificilmente serão capazes de adaptar a sua estrutura interna e os seus processos de divulgação de informação aos novos requisitos, nem conseguirão recolher atempadamente todos os dados necessários para o cumprimento das obrigações previstas na CISE.

Contrariamente às datas definidas na proposta, a JURI ajustou os prazos, definindo o seguinte calendário:

- 1 de janeiro de 2024 para as empresas que já se encontram no âmbito de aplicação da NFRD (divulgação em 2025 sobre os dados de 2024);

- 1 de janeiro de 2025 para as grandes empresas que não se encontram no âmbito de aplicação da NFRD (divulgação em 2026 sobre dados de 2025);

- 1 de janeiro de 2026 para todas as outras empresas, incluindo as PMEs cotadas (divulgação em 2027 sobre os dados de 2027).

Ainda que esta calendarização seja considerada no texto final da Diretiva, é imperativo que as empresas comecem a preparar-se agora.