Recessão já não é uma previsão, mas uma certeza

Guillaume Rigeade carmignac
Guillaume Rigeade. Créditos: Cedida (Carmignac)

TRIBUNA de Guillaume Rigeade, gestor de fundos da Carmignac. Comentário patrocinado pela Carmignac.

A Europa enfrenta um ambiente conturbado. Em janeiro, no nosso evento Carmignac Annual Meeting 2022, sublinhámos o risco de uma suspensão das exportações de gás russo. Este risco materializou-se e, atualmente, esperamos que, apesar de tudo, o cenário de racionamento catastrófico de gás deva ser evitado, uma vez que foram encontradas alternativas para substituir o gás que vem da Rússia.

Mas isto tem um custo. Concretamente, a nossa conta de energia deve aumentar cerca de dez pontos percentuais do PIB. Claro que, dados os valores envolvidos, grande parte será coberta pelos governos, suavizando os efeitos deste custo. Portanto, projetamos dois trimestres de recessão, começando no último trimestre deste ano, seguido de uma recuperação modesta.

Uma correção é inevitável, mas os governos estão a trocar as perspetivas de um pico de inflação a curto prazo, por um cenário de  inflação core mais persistente a médio prazo. A verdade é que este cenário está a pressionar os bancos centrais para aumentar as taxas de juro.

Porém, é preciso ter em mente que há um limite de capacidade do sistema para suportar estes aumentos de juros. Um bom exemplo disso foi o que aconteceu em setembro no Reino Unido. Isto traduziu-se num problema para as finanças públicas e para a estabilidade financeira.

Dólar mais forte

Estas restrições limitam o escopo de ação dos bancos centrais, deslocando parte da correção para as taxas de câmbio. Por causa disso, acreditamos que as moedas europeias vão manter-se persistentemente desvalorizadas face ao dólar.

No curto prazo, este é um cenário favorável para a Reserva Federal porque importa a desinflação. No entanto, não nos podemos esquecer de que a economia dos EUA continua com déficit comercial. Como tal, ainda é preciso atrair capital. E para atrair capital, é preciso oferecer taxas de juro a longo prazo mais altas. Isto significa que a Fed também está obrigada a importar o choque de juros europeu.

Uma Fed focada no combate à inflação e as taxas de juro a longo prazo mais altas trata-se de um cenário que representa um risco para as avaliações de ativos financeiros e, portanto, para a própria riqueza das famílias. Os preços dos imóveis já estão a cair. Prevemos que a erosão da riqueza das famílias as obrigue a aumentar as suas taxas de poupança, e isso levará a economia à recessão a partir de meados do próximo ano.

China: um motor de crescimento para o mundo

Em janeiro também mencionámos o facto de a China estar à frente do ciclo global, algo que hoje se mantém. A China segue na dianteira no que concerne a desaceleração, mas o país impôs a si mesmo dois choques específicos: a manutenção de uma estratégia extremamente cara de Covid-zero; e o estalar  da sua própria bolha imobiliária em 2021.

Em termos de correção na atividade da construção de imóveis, consideramos que o ponto mais baixo já foi atingido. Além disso, a política de Covid-zero deve ser aliviada o mais tardar no segundo trimestre do próximo ano. Isso deve permitir que a economia chinesa volte a uma trajetória de crescimento próximo de 5%.

Assim, a China está pronta para voltar a ser um motor de crescimento para o resto do mundo, especialmente para os mercados emergentes com as importações de commodities e, de forma mais modesta, para os países desenvolvidos, já que a recuperação do ciclo de investimentos chinês será apenas parcial.

Recuperação

Para que se materialize uma recuperação nas economias desenvolvidas é necessário que o seguinte aconteça: uma queda substancial na inflação, precedida de um enfraquecimento do colete de forças das taxas de juro imposto pelos bancos centrais e, em seguida, uma recuperação global mais robusta em 2024.

Em suma, a dessincronização dos ciclos globais continua com uma entrada tardia em recessão para a Europa e para os EUA, numa altura em que a China consolida a sua recuperação. A intervenção fiscal e as moedas fracas estão a amortecer o choque da crise do gás na Europa e na Ásia, mas isto ocorre às custas de um fiscal drift e da inflação persistente.


Fonte: Carmignac, 18/10/2022. O presente documento não pode ser total ou parcialmente reproduzido sem autorização prévia da sociedade gestora. O presente documento não constitui qualquer oferta de subscrição nem consultoria de investimento. As informações contidas neste documento poderão ser apenas parciais, podendo ser modificadas sem aviso prévio.