Regime de Gestão de Ativos – a responsabilidade do depositário

João Luz Soares
João Luz Soares. Créditos: Cedida (Raposo Subtil e Associados)

TRIBUNA de João Luz Soares, advogado coordenador, da Raposo Subtil e Associados.

O Decreto-Lei n.º 27/2023, de 28 de abril, procede à aprovação do regime da gestão de ativos (RGA) e, consequentemente, à revogação do RGOIC e do RJCRESIE. O RGA adota um quadro regulatório comum dos OIC, com especial ênfase na previsão dos organismos de investimento coletivo em valores mobiliários (OICVM) e os organismos de investimento alternativo (OIA), simplificando, também, o catálogo de tipologias das sociedades gestoras (prevendo-se, agora, as sociedades gestoras de organismos de investimento coletivo (SGOIC); e as sociedades de capital de risco (SCR)). O objetivo é claro: regular de forma unitária as matérias que estão atualmente dispersas por outros regimes, nomeadamente pelo RGOIC e pelo RJCRESIE, tendo como objetivo promover um alinhamento do direito nacional com o direito da União Europeia.  

Para lá do que é a definição e constatação dos objetivos gerais deste novo regime de gestão de ativos e, principalmente, para lá do que irá ser a metodologia da sua implementação, sempre diremos que existem já algumas sementes que sublinham a necessidade de um posicionamento concreto – isto é, considerando a identificação futura de vetores de pressão ou de consideração reflexiva. Um desses pontos é, precisamente, aquilo que parece ser uma previsão solitária e cirúrgica da responsabilidade civil do depositário, prevista no artigo 138.º do RGA. E esta previsão tem nuances que será mister desenvolver. 

Em primeiro lugar, e em termos de definição de (1) responsabilidade do depositário, este novo regime estipula que aquele é responsável, nos termos gerais, perante a sociedade gestora e os participantes, i) pela perda, por si ou por terceiro subcontratado, de instrumentos financeiros confiados à sua guarda; e ii) por qualquer prejuízo sofrido pelos participantes em resultado do incumprimento culposo das suas obrigações. Mais do que isso, em caso de perda de um instrumento financeiro que esteja confiado à sua guarda, o depositário deve devolver em tempo útil, à sociedade gestora um instrumento financeiro do mesmo tipo ou o montante correspondente – naquilo que é a previsão de um dever de reparação e/ou substituição da situação/instrumento financeiro havida/o. 

Por outro lado, o depositário de organismo de investimento coletivo é responsável independentemente da subcontratação a um terceiro da guarda de parte ou da totalidade dos instrumentos financeiros, sendo que os participantes podem acionar direta ou indiretamente o depositário, através da sociedade gestora, desde que tal não conduza à duplicação de reparação nem ao tratamento não equitativo dos participantes. Veja-se, ainda que, este regime prevê claramente aquilo que é a proibição da exclusão da responsabilidade civil do depositário, sob pena de nulidade. 

Interessante também, por outro lado, é uma certa possibilidade de (2) exclusão da responsabilidade do depositário, se aquele provar que a mesma ocorreu devido a acontecimentos externos que estejam fora do seu controlo razoável e cujas consequências não poderiam ter sido evitadas apesar de todos os esforços razoáveis – uma previsão baseada, portanto, naquilo que é uma quase aproximação ao conceito de força maior. 

Ainda neste espectro, mas em concreto no que se refere à possibilidade de (3) exoneração de responsabilidade civil, nos casos de perda de instrumentos financeiros confiados à guarda de um terceiro, o depositário de OIA de subscrição particular ou dirigido exclusivamente a investidores profissionais pode exonerar-se da sua responsabilidade civil se provar que: a) foram cumpridos todos os requisitos de subcontratação de funções de guarda; b) foi celebrado um contrato escrito entre o depositário e o terceiro que transfere expressamente a responsabilidade do depositário para este último e permite à sociedade gestora, ou ao depositário em nome desta, acionar o terceiro em caso de perda dos instrumentos financeiros; c) foi celebrado um contrato escrito entre o depositário e a sociedade gestora que prevê expressamente a possibilidade de o depositário se exonerar da sua responsabilidade, que contém o interesse legítimo dessa exclusão.

No caso previsto no n.º 4 do artigo 136.º [caso de subcontratação das funções do depositário a uma entidade local], o depositário de OIA de subscrição particular ou dirigido exclusivamente a investidores profissionais pode exonerar-se da sua responsabilidade civil nas seguintes condições: a) os documentos constitutivos do organismo de investimento coletivo em causa permitam expressamente essa exoneração nas condições estabelecidas no presente número; b) os participantes do organismo de investimento coletivo em causa tenham sido devidamente informados da exoneração e das circunstâncias que a justificam antes do investimento; c) a sociedade gestora tenha encarregado o depositário de subcontratar a guarda dos instrumentos financeiros em causa numa entidade local; d) o contrato escrito celebrado entre o depositário e a sociedade gestora permite expressamente a exoneração; e e) o contrato escrito celebrado entre o depositário e o terceiro transfere expressamente a responsabilidade do depositário para a entidade local em causa e permite à sociedade gestora, ou ao depositário em nome desta, acionar de forma idêntica a entidade local em caso de perda dos instrumentos financeiros.

Embora seja ainda cedo para aquilatar as características deste regime, nomeadamente quanto à previsão dos sub-regimes existentes, não deixa de ser elucidativo este movimento de responsabilização do depositário – atentos, até, aquilo que foram os escândalos financeiros ocorridos neste tipo de ambiente jurídico temático – e que parece indicar uma crescente preocupação com a qualidade do acompanhamento (e responsabilização) destes intervenientes.