Maria Carvalho Martins, associada coordenadora da Sofia Leite Borges & Associados, comenta os recentes avanços do regulamento ELTIF 2.0 e o posicionamento da Comissão Europeia e da ESMA.
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COLABORAÇÃO de Maria Carvalho Martins, associada coordenadora da Sofia Leite Borges & Associados.
Peço ao leitor que recue uns meses atrás, onde das brumas da ilha de Avalon era suposto Artur, o Príncipe ELTIF, ter conseguido retirar a espada Excalibur (que contém as normas técnicas de nível 2 NT2 definidas pela ESMA) incrustada na pedra desta ilha e reinar feliz de pleno direito. Mas um revés na sua fortuna impediu-o, e não foi a magia ou poção forte preparada por Morgana (a CMVM) ou por Merlin (o Estado Português), mas a poderosa intervenção da Dama do Lago (a Comissão Europeia, CE).
A versão final da Excalibur (NT 2) foi publicada pela ESMA no dia 19 de dezembro de 2023 com o objetivo de proporcionar maior granularidade em determinadas áreas-chave do regime do Regulamento ELTIF. Contudo, para a Excalibur produzir os seus efeitos, tem que ser adotada pela Dama do Lago, que na sua carta dirigida à ESMA no dia 6 de março de 2024 lhe fez um ultimatum, muito contundente e arrasador, instando para que fossem revistas determinadas NT2, com uma abordagem mais proporcional e com a calibragem adequada dos requisitos relativos aos regates e aos instrumentos de gestão de liquidez. E arrasou a ESMA, referindo que “o seu mandato compreende apenas a elaboração de normas técnicas, que não impliquem decisões estratégicas ou escolhas políticas”. A ESMA já respondeu à Dama do Lago (CE) no passado dia 22 de abril de 2024. Estaremos realmente perto de um final countdown e de um final feliz?
De forma breve, a carta da Dama do Lago à ESMA foca os seguintes aspetos essenciais das propostas de NT2:
- Alteração significativa na política de resgates – a proposta da ESMA deve ser alterada, por forma a clarificar que o GFIA de ELTIF tem que notificar previamente a sua ANC de tais alterações significativas à sua política de resgates (eliminação da notificação ex post, de 3 dias úteis, à ANC do ELTIF);
- Notificação obrigatória do período de resgate mínimo de 12 de meses e limite do tamanho do ELTIF – a proposta da ESMA dever eliminada, porquanto não tem em conta a situação específica dos ELTIF individualmente considerados;
- Requisitos de liquidez ligados a períodos de notificação standard - a proposta da ESMA deve ser alterada, tendo em conta o princípio da proporcionalidade e as práticas de mercado existentes nas jurisdições da UE, quando os ELTIF se destinem também a ser comercializados junto de investidores não profissionais. A CE propõe que o perfil de liquidez do ELTIF seja cuidadosamente ajustado (calibrado), aplicando uma combinação de fatores como a percentagem mínima de ativos líquidos detidos, percentagem máxima de ativos sujeitos a resgate, frequência dos resgates e período de notificação, ao invés da proposta da ESMA, que previa a calibragem desta situação baseada na liquidez da carteira dos ativos do ELTIF, cerceando o recurso pelo GFIA do ELTIF a técnicas de gestão de investimento, como por exemplo imobiliário, infraestruturas e private equity;
- Instrumentos de gestão de liquidez – a CE propõe a eliminação nas normas técnicas de requisitos adicionais específicos para os ELTIF, na seleção e implementação dos mecanismos de gestão de liquidez, que vão além das estabelecidas no Regulamento ELTIF;
- Janelas de resgate - a CE afirma que a implementação e ativação das janelas de resgate não deve estar limitada a certas circunstâncias específicas ou exclusivamente ligadas ao período de notificação proposto na tabela da proposta de NT2, considerando-a muito conservadora relativamente à regras de liquidez previstas no artigo 18.º, n.º 2 do Regulamento ELTIF 2.0, e
- Requisitos quanto à divulgação de custos – a CE preconiza um alinhamento neste domínio, mais consentâneo com o Regulamento PRIIPS, a MIFID e a AIFMD.
Ademais, a CE inflige um duro golpe à ESMA quando afirma na sua carta “que esta se desviou da sua reserva de competências e dos poderes que lhe foram atribuídos”.
Propostas da ESMA
Pese embora o cenário pareça desanimador, a ESMA, em resposta à CE, divulgada no passado dia 22 de abril de 2024, sugere um número limitado de alterações às propostas pela CE, e reconhece que deve ser encontrado um equilíbrio adequado entre, por um lado, a proteção dos pequenos investidores e os objetivos relacionados com a estabilidade financeira, e, por outro, o facto de os ELTIF deverem proporcionar um contributo importante para os objetivos da União dos Mercados de Capitais.
Tendo em conta as observações da CE, a ESMA propõe em suma, quanto:
- À alteração significativa na política de resgates: que, sempre que seja proposta uma alteração significativa à política de resgate de um ELTIF de duração indeterminada, ANC do ELTIF deve ser notificada pelo menos um mês antes de a alteração ser implementada;
- À notificação obrigatória do período de resgate mínimo de 12 de meses e limite do tamanho do ELTIF: alterar as normas revistas pela CE para deixar claro que um ELTIF de duração indeterminada deve estar sujeito a um período de detenção mínimo (período que fica ao critério do ELTIF, tendo em conta os critérios específicos estabelecidos nas NT2).
- Aos prazos mínimos de aviso de resgate e requisitos de liquidez: um ajustamento significativo aos parâmetros por si propostos em dezembro de 2023 e considerando as reações da CE na sua carta, a ESMA propõe agora que os resgates de um ELTIF de duração indeterminada sejam limitados às percentagens descritas no quadro abaixo, que são calibradas em função do período de aviso de resgate fornecido pelo investidor relevante e do nível de ativos líquidos detidos pelo ELTIF:
Período de Notificação | % minima de ativos líquidos | % Máxima de ativos do ELTIF que podem ser objeto de resgate |
Menos de 12 meses até 6 meses (incluído) | 10% | 90% |
Menos de 6 meses até 3 meses (incluído) | 15% | 67% |
Menos de 3 meses até 1 mês (incluído) | 20% | 50% |
Menos de 1 mês | 25% | 20% |
- Aos instrumentos de gestão de liquidez: A ESMA aceitou a proposta da CE de dar ao GFIA do ELTIF a opção de selecionar e aplicar instrumentos de gestão da liquidez a partir da lista completa destes instrumentos incluídos na AIFMD II.
- Às janelas de regate: em vez de suprimir todas as referências a limites de reembolso do projeto das normas técnicas como proposto pela CE, a ESMA propõe uma redação segundo a qual o GFIA de um ELTIF pode (mas não é obrigado a) utilizar limites de reembolso se o montante de ativos líquidos detidos na carteira não for suficiente para cobrir um reembolso esperado razoável.
Conclusão
A Dama do Lago (a CE) pode adotar o projeto de NT 2 revistas pela ESMA com as alterações que considerar pertinentes ou rejeitá-lo. O Parlamento Europeu e o Conselho da UE podem ainda apresentar objeções às NT2 adotadas pela CE no prazo de três meses.
Dado que os ELTIF são o único tipo de fundo da UE que pode proporcionar aos investidores não profissionais exposição a investimentos de longo prazo sem deixar de oferecer alguma liquidez, a publicação das NT 2 revistas pela ESMA representa um passo importante no sentido da finalização do quadro regulamentar para os ELTIF de duração indeterminada.
Dissipa-se a bruma em Avalon, pois estamos perto de um final feliz, e podemos claramente ouvir o sintetizador, a guitarra e o baixo, os investidores em delírio, porque se inicia agora, em toda a Europe, o The Final Countdown para que Artur, o Príncipe ELTIF, consiga retirar a Excalibur da pedra, erguendo-a em toda a sua Glória! Assim não haja mais surpresas…
Lista de Acrónimos
AIFMD II | Alternative Investment Fund Managers Directive – Diretiva 2011/61/UE revista |
ANC | Autoridades Nacionais Competentes |
CE | Comissão Europeia |
ELTIF | European Long Term Investment Funds |
ESMA | European Securities and Markets Authority |
ESMA | European Securities and Markets Authority |
GFIAs | Gestores de Fundos de Investimento Alternativo |
MIFID | Market in Financial Instruments Directive |
NT2 | Normas técnicas de nível 2 emitidas pela ESMA |
Regulamento ELTIF | Regulamento ELTIF 2.0 |
Regulamento PRIIPS | Regulamento n.º1286/2014 |
UE | União Europeia |