Robot-advice na consultoria para investimento – um caso de sensibilidade e bom senso?

Sofia Leite Borges; Maria Carvalho Martins; Beatriz Batista Pereira
Sofia Leite Borges; Maria Carvalho Martins; Beatriz Batista Pereira. Créditos: Cedida (Sofia Leite Borges & Associados)

TRIBUNA  de Sofia Leite Borges, sócia administradora; Maria Carvalho Martins, associada coordenadora; e Beatriz Batista Pereira, jurista, da Sofia Leite Borges & Associados.

Na última década tem-se assistido ao incremento, ainda que anémico1, da prestação do serviço de consultoria para investimento através de robot-advisors que prometem ser mais eficientes, económicos, rápidos e cómodos2

A perceção dos investidores é que nada superará o conselho dado por um robot-advisor e que a componente humana não tem um valor acrescido significativo. Mas será mesmo assim?

Sensibilidade

A maioria dos algoritmos atualmente disponíveis no mercado possuem alguns problemas relacionados com a avaliação da adequação3 do instrumento financeiro recomendado.

Numa perspetiva extrínseca ao robot-advisor é de salientar o facto de, não existindo interação humana, se potenciar a possibilidade de o investidor não compreender corretamente as questões colocadas pela interface do software. 

Verifica-se também uma tendência para os investidores exacerbarem a sua resiliência financeira, experiência e conhecimentos, inexistindo a sensibilidade necessária para compreender e acautelar os riscos4 das suas decisões de investimento.  

Já numa perspetiva intrínseca ao robot-advisor, os problemas decorrem das características dos algoritmos que são a determinação e o determinismo5

Estas traduzem-se na inaptidão do algoritmo se adaptar a respostas fora da caixa dadas pelos investidores ou a detetar as nuances nestas, que são fulcrais para a correta avaliação do perfil do investidor.

Por outro lado, o robot-advisor não sendo um ser empático, não consegue percecionar os «estados de alma» dos investidores, e não nos podemos olvidar de considerar que a consultoria para investimento não deve assentar (apenas) na avaliação automatizada e matemática das respostas dadas pelos investidores, mas sim numa visão holística que inclua as suas caraterísticas pessoais, expetativas e preocupações que apenas podem ser percecionadas com recurso à empatia.

A falta de sensibilidade, extrínseca e intrínseca, pode ser (parcialmente) mitigada através da melhoria do algoritmo para que este passe a colocar as questões certas na quantidade certa a par de explicações sobre os conceitos complexos e advertências ao investidor

Bom senso

Sem prejuízo da adoção das soluções acima referidas, encontramos ainda questões paralelas cuja resposta passará pelo apelo ao bom senso numa dimensão triangular – dos investidores, dos intermediários financeiros e das autoridades de supervisão. 

Existem várias questões regulatórias que padecem de resposta, das quais se destaca, a título de exemplo, a DMIF II ser considerada tecnologicamente neutra, o que se traduz na inaptidão de regular problemas específicos que são colocados. 

Por exemplo, será necessária uma autorização própria para a prestação do serviço de consultoria para investimento através de um robot-advisor? 

O Parlamento Europeu propõe6 que os robot-advisors não estejam sujeitos a uma autorização própria nem a testes por parte das autoridades competentes dos Estados-membros nos quais o serviço é prestado. 

Ao invés, recomendam que exista uma auditoria obrigatória externa que demonstre aos reguladores nacionais que o algoritmo é sólido, estável e que opera em conformidade com os requisitos regulamentares aplicáveis aos intermediários financeiros.

A proposta europeia apela assim ao princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, não impondo requisitos que travem o desenvolvimento do mercado, a competitividade ou que sejam impraticáveis pelos Estados-membros e pelos intermediários financeiros.

Também os investidores se devem munir de bom senso perante as recomendações feitas por um robot-advisor, na medida em que as recomendações não podem ser aceites de forma incondicional e acrítica7, ao contrário do que tendencialmente se verifica devido à falta de conhecimento sobre o funcionamento do algoritmo pode conduzir a que os investidores a desconsiderarem o erro tecnológico e os seus riscos.

Sem prejuízo, a elaboração de um documento de informação fundamental que seja divulgado ao investidor em momento pré-contratual8 e que explique o funcionamento do robot-advice, as suas limitações e os seus riscos pode ser uma das formas de mitigar este fenómeno.

Finalmente, os intermediários financeiros devem estar plenamente conscientes das potencialidades e insuficiências da utilização de robot-advisors. 

Por melhor que seja um algoritmo, é difícil que este substitua o humano. É certo que em certas situações são sucedâneos, mas não existe uma substituição perfeita

Os investidores que utilizam este tipo de tecnologia perdem algo que os demais têm – a empatia, a consideração e a compreensão, que conduzem cumulativamente a uma melhor avaliação da adequação devido à perspetiva holística que o intermediário financeiro tem do investidor, tal como acima referido.

Assim, consideramos que os intermediários financeiros devem promover a utilização de uma tecnologia humanizada e não uma substituição total da interação humana9.

Imperfeição?

Todos os inícios são imperfeitos, e sendo certo que desde 2008 os robot-advisors evoluíram de forma significativa entendemos que ainda estão longe de alcançarem tudo o que prometem.

Sem prejuízo, os problemas associados à prestação do serviço de consultoria para investimento através destes podem ser (pelo menos parcialmente) supridos, entre outros, com a (i) melhoria do algoritmo,  a (ii) divulgação de informação e a (iii) realização de auditorias externas.

O objetivo não deverá ser a substituição de humanos por robot-advisors, mas a adoção de uma solução híbrida por apelo ao conceito de tecnologia humanizada.


1 Better Finance, Robo-Advice 5.0: Can Consumers Trust Robots? (December 2020), disponível em Robo-Advice-Report-2020-25012021.pdf (betterfinance.eu)

2 Parlamento Europeu, Robo-advisors – How do they fit in the existing EU regulatory framework, in particular with regard to investor protections?, Study requested by the ECON committee, disponível em Robo-advisors (europa.eu)

3 International Organization of Securities Commissions, Update to the Report on the IOSCO Automated Advice Tools Survey – Final Report, (File No. FR15/2016), disponível em FR15/2016 Update to the Report on the IOSCO Automated Advice Tools Survey

4 Parlamento Europeu, Robo-advisors – How do they fit in the existing EU regulatory framework, in particular with regard to investor protections?, Study requested by the ECON committee, disponível em Robo-advisors (europa.eu)

5 Birgmeir, K., Regulating Robo Adviser Algorithms: Possible, Sensible, Necessary? (20 May 2019), M.Sc. thesis at TUM School of Management, disponível em https://mediatum.ub.tum.de/doc/1612912/1612912.pdf 

6 Parlamento Europeu, Robo-advisors – How do they fit in the existing EU regulatory framework, in particular with regard to investor protections?, Study requested by the ECON committee, disponível em Robo-advisors (europa.eu)

7 Polyak, I., Millenials and robo-advisors: A match made in heaven? (CNBC, 22 June 2015), disponível em Millennials and robo-advisors: A match made in heaven? (cnbc.com)

8 Parlamento Europeu, Robo-advisors – How do they fit in the existing EU regulatory framework, in particular with regard to investor protections?, Study requested by the ECON committee, disponível em Robo-advisors (europa.eu)

9 The Business and Management Review, Volume 12, Number 1, June 2021 disponível em 2022-02-03-22-04-19-PM.pdf (cberuk.com)