Snejina Malinova explica os motivos pelos quais a Solvência II se apresenta como uma nova restrição financeira, levando à otimização da estrutura de capital por parte das seguradoras.
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O negócio de vida das Seguradoras Europeias é caracterizado pela presença de certos produtos com garantias financeiras embutidas, como por exemplo, com uma elevada taxa mínima de retorno aos segurados, participação nos lucros e valores garantidos de resgate. Sob a Solvência II (SII), estas garantias geram requisitos de capital significativos. Embora a maior parte deste negócio encontre-se atualmente em run-off, este ainda representa uma parte substancial das reservas das carteiras do ramo vida. No atual ambiente de baixas taxas de juros, esses portfólios “legacy” representam uma ameaça permanente à rentabilidade das seguradoras e uma drenagem severa de capital, restringindo a capacidade das seguradoras de aproveitar oportunidades ou tomar decisões face a potenciais desafios.
Sob a diretiva Solvência I, essas carteiras de negócios “legacy” exigiam reservas com base no valor de resgate e uma exigência de capital limitada (4% das reservas).
Com a Solvência II, o requisito total de recursos financeiros torna-se prospetivo, através da soma das Provisões Técnicas e do Requisito de Capital de Solvência (SCR). Para a maioria das seguradoras com produtos de vida, o aumento do requisito de capital deve-se principalmente ao seguinte:
- As provisões técnicas aumentam, uma vez que o valor das opções e garantias é explicitamente capturado, e os pagamentos discricionários futuros aos tomadores de seguro encontram-se incluídos nas provisões técnicas. Inclui-se também uma provisão de capital adicional baseada na margem de risco.
- O requisito de capital de solvência (SCR) aumenta devido ao risco de investimento nos contratos com participação nos benefícios e a uma carga explícita para os riscos de mercado e taxa de juros. Os riscos de subscrição também contribuem para o SCR geral desses produtos.
Assim, a Solvência II apresenta-se como uma nova restrição financeira, levando as seguradoras a considerar opções para otimizar a estrutura de capital e a focar-se na geração de resultados.
Nesse sentido, os portfólios “legacy” das Seguradoras de Vida Europeias exigem a alocação de valores significativos de capital para um retorno relativamente baixo, levando-nos a procurar algumas das opções disponíveis para minimizar este problema.
Existem várias maneiras de lidar com carteiras “legacy” e, claro, não tomar nenhuma ação específica é uma delas. Gerir as carteiras “legacy” e o run-off internamente pode ser uma estratégia de longo prazo, ou apenas uma solução de curto prazo, antes de finalmente se encontrar uma solução mais sustentável.
Essa estratégia passiva tem a vantagem de parecer não requerer esforço, mas teria um impacto direto no capital disponível e nos resultados líquidos das seguradoras. De facto, o run-off do negócio “legacy” supracitado leva geralmente muito tempo para atingir o seu vencimento natural.
Além do ponto de vista do capital, podem ser encontrados outros problemas sob esta opção onde se incluem os custos operacionais (como por exemplo, gerir os produtos em sistemas ”legacy”, refletir sobre os avanços tecnológicos para uma modelização mais precisa dos mesmos, gerir os dados e transformá-los em estratégias e soluções que trabalhem eficientemente sob Solvência II) que podem explicar ainda mais o interesse em explorar outras soluções.
O run-off das carteiras “legacy” não deve limitar-se a manter o status quo. Existem outras formas de gerir proativamente estas carteiras, com o intuito de mitigar a pressão contínua sobre a companhia.
Entre possíveis soluções inclui-se a reestruturação dos passivos, que consiste na conversão dos contratos com participação nos benefícios e taxa garantida em contratos com mecanismos que limitam o risco de investimento (taxa de juros variável, ajustamento do mercado, sem participação nos lucros). A potencialidade desta solução merece ser explorada cuidadosamente uma vez que na prática, esta conversão, torna-se difícil devido à necessidade do acordo do tomador do seguro.
A Solvência II inclui também algumas disposições que podem ajudar as seguradoras numa perspetiva de gestão do capital.
Uma delas é a Medida Transitória sobre as Provisões Técnicas, uma dedução das provisões técnicas, com o objetivo de proporcionar uma transição mais suave para as companhias de seguros da Solvência I para a Solvência II, faseando o impacto total da Solvência II ao longo de 16 anos.
O Ajustamento de Congruência é outra solução e um dos mecanismos incluídos no regime Solvência II, desenhado para refletir o facto de que os investidores de longo prazo (buy-and-hold), apenas suportam os riscos de downgrade e de incumprimento, e para lhes permitir capturar outros aspetos do spread como o prémio de liquidez.
Existe ainda uma outra medida sob a Solvência II, o Ajustamento de Volatilidade - um acréscimo constante à curva das taxas de juro sem risco, que é utilizada para avaliar os passivos de uma companhia, que poderá contribuir como um ajustamento incremental numa estratégia mais ampla de otimização de capital para portfólios “legacy”.
Numa menor medida, como efeito mitigador in house das dificuldades com estes portfólios, podemos referir a maximização dos benefícios de diversificação e a utilização dos volumes existentes para impulsionar economias de escala. A existência de um portfólio equilibrado de riscos poderá gerar vantagens no âmbito da SII através de correlações de risco quando se trata do cálculo dos requisitos de capital de solvência globais. O desenvolvimento de produtos poderá ser utilizado para se obter um portfólio diversificado de riscos. Poderá também haver benefícios de diversificação entre as várias linhas de negócios.
As seguradoras podem compreender todo o potencial de diversificação, bem como uma gestão ativo-passivo apropriada das carteiras “legacy”, caso desenvolvam um Modelo Interno, em vez de utilizar a Fórmula Padrão.
Outra alavanca que as seguradoras poderão obter é atualizar a sua estrutura de capital para refletir as condições atuais do mercado e incorporar as principais expectativas dos stakeholders. A adoção de uma política de gestão de capital adequada e de uma abordagem à apetência ao risco, bem como, para os grupos, a gestão dos fundos próprios do grupo com vista às restrições locais de fungibilidade e transferência, permitirão à companhia aumentar o desempenho, diminuir os riscos e posicionar-se melhor para atingir os objetivos financeiros.
As companhias também poderão procurar reduzir a intensidade de capital das carteiras “legacy” através da utilização de tratados de resseguro e coberturas de desenvolvimento adversas. A motivação para procurar o resseguro poderá ser a exploração de oportunidades de arbitragem entre a União Europeia e outros territórios que operam num regime não equivalente à Solvência II, onde os requisitos de capital aplicáveis às resseguradoras são menos onerosos.
Outras formas pelas quais as seguradoras podem lidar com as suas carteiras “legacy” incluem a venda das carteiras, em particular se estas tiverem um baixo valor de cross-selling para o novo negócio. Os reguladores podem ser rigorosos na sua abordagem de concessão de aprovação de uma venda. O risco de reputação também permanece com alguma preocupação, especialmente ao “entregar” clientes de longo prazo a outra empresa. É fundamental encontrar um gestor fiável das promessas que as seguradoras concederam aos seus clientes e ter o conforto de que os clientes serão tratados de forma responsável e profissional. No entanto, o risco de reputação é um problema que pode ser gerido através de um planeamento cuidadoso e consulta aos stakeholders.