Os desafios na construção de um portefólio neutro em carbono

“Tenho a esperança de que o conceito de investimento sustentável e com critérios ESG não exista no futuro”, introduz Nuno Brito e Cunha, responsável de ESG e finanças sustentáveis na Eight Associates. Mas algo que à primeira vista pode parecer uma expressão muito pouco alinhada com o que se poderia esperar de um especialista em finanças sustentáveis não o é, e o profissional explica porquê: “Digo isto, porque espero que esta forma de olhar para os investimentos esteja embutida em todos os processos, na forma como olhamos para as empresas, como olhamos para o mundo…”

Das diversas escolas de pensamento que existem no contexto do investimento sustentável, Nuno Brito e Cunha destaca duas. Segundo uma delas, diz, é “muito fácil construir um portefólio de carbono reduzido”. Como? “Basta remover as empresas com exposição a combustíveis fósseis e, automaticamente, fica significativamente descarbonizado. É uma abordagem que vemos frequentemente referida na imprensa como aquele que é o trabalho que se espera da indústria de gestão de ativos”, conta o profissional. 

No entanto, é com a outra escola de pensamento que o especialista tende a concordar. “Como falamos de uma transição, e uma transição não acontece de um dia para o outro, há que seguir uma abordagem faseada. Rápida, mas faseada. E há muito que temos que fazer para lá chegar”. Para Nuno Brito e Cunha, o caminho não é o desinvestimento, mas sim um caminho de trabalho em “conjunto com essas empresas no sentido de atingirmos juntos os objetivos de sustentabilidade”. 

“A indústria de gestão de ativos tem aqui uma oportunidade para um envolvimento com as empresas em que investe no sentido de exigir divulgação e transparência. Um papel que acredito ser de uma importância incrível no caminho da sustentabilidade. O que é medido, é gerido”, exclama, citando Peter Drucker. 

Como especialista em investimento acionista que é, Vanessa Sinclair, da GAM, deixa claro que, na sua perspetiva, “quando estamos a falar de investimento, se não o fazemos de forma sustentável, estamos a ignorar muito do valor de uma empresa para lá do médio-prazo”. “Temos que investir de forma sustentável, ou não estaremos a fazê-lo bem”, exclama. 

Para a profissional, o papel de supervisores e cuidadores do capital dos clientes faz com que a gestão tenha que ser feita com cuidado e diligência e isso “faz com que tenhamos que pensar  onde vão estar as empresas daqui a 30 anos”. 

Para a especialista, o foco no carbono, pelo caráter medível e pelo impacto óbvio que tem no mundo e na sociedade é um caminho que faz sentido. “É uma questão transversal a todos os mercados”. No entanto, alerta, o grande problema na gestão do carbono são os mercados emergentes. “Estes países têm um problema e não são parte da solução. Temos que ajudá-los a transitar. Ser um agente ativo e participativo nesse processo. E acredito que os fundos de investimento e a gestão de ativos estão na linha da frente nesse campo”.

Mas o caminho não se faz sem obstáculos. Primeiramente, a profissional destaca o foco da gestão e análise nas emissões diretas das empresas (nível 1 e 2). “As emissões de nível 3, as indiretamente ligadas ao negócio da empresa, seja a montante ou a jusante, podem ser múltiplas vezes maiores e mais relevantes do que as de nível 1 e 2”, alerta. 

Por outro lado, mas relacionado com este primeiro desafio, Vanesa Sinclair aponta a divulgação de informação. “Há muito poucos países, especialmente no universo emergente, que regulam a divulgação de dados relacionados com emissões. E mesmo quando as empresas divulgam, não há a garantia de que nos estejam a dar a informação correta”, diz. Por fim, a profissional aponta o caráter retrospetivo dos ratings disponíveis. “Os ratings não nos dão qualquer indicação sobre o futuro. Não são um indicador de performance futura”, alerta. 

A solução? Engagement. “Acreditamos, verdadeiramente, que a única forma de fazermos o nosso trabalho bem é pelo envolvimento com as empresas. Consome muito tempo, mas é a única forma de ultrapassar o obstáculo da falta de qualidade ou quantidade de informação”, explica.

Para Jorge Sousa Teixeira, CFA, responsável de Sustentabilidade na BPI Gestão de Ativos, não existe na gestora uma estratégia única para a integração dos critérios ESG. “Se são mercados emergentes, temos os desafios que a Vanessa Sinclair referiu. Em mercados desenvolvidos temos mais acesso a informação. Se falamos de um fundo long-short, torna-se mais desafiante estabelecer uma estratégia. Não temos uma solução one-size-fits-all”, exclama. 

Para o profissional, o assunto é complexo já que se fala de uma indústria onde os clientes exigem retorno, mas tem de ser ponderado no decurso de uma gestão sustentável. “Queremos ver os nossos fundos entre aqueles que têm melhor performance, todos os anos. E se cortamos no risco de forma arbitrária, os retornos podem descer. É perigoso”. “Numa alimentação pouco diversificada, como em algumas dietas low-carb, o corpo acaba por sentir falta de nutrientes. De igual maneira, quando forçamos a descida das emissões de carbono das carteiras, podemos originar quebras do retorno por excluir determinados setores ou países. É um equilíbrio delicado e há que fazer uma análise muito cuidada na gestão desse equilíbrio. Não podemos apenas forçar o processo de descarbonização, mas sim ajudar a fazer a transição”, diz. 

“E claro, o engagement faz parte do caminho, votando e intervindo junto das empresas - algo que já fazemos na BPI GA -, mas é um caminho exigente em termos de recursos, compromisso e dedicação. Neste momento temos engagements com mais de duas centenas de empresas, incluindo coletivos e individuais, a par da co-liderança do engagement com uma empresa brasileira no âmbito do Climate Action 100+, de que somos signatários desde 2019”. 

O especialista alerta também para os fluxos de investimento em direção a veículos passivos, nomeadamente a quantidade de ativos que flui para investimentos passivos de caráter sustentável. “Como podem eles ajudar na transição se são passivos?”, questiona. A solução que aponta, em linha com restantes especialistas, é o engagement. “Precisamos que as entidades gestoras passivas também atuem no sentido de mostrar às empresas o caminho”, conclui. Uma das abordagens passa por “convencer as empresas a aplicar as recomendações da TCFD, de que a BPI GA se tornou apoiante na semana de encerramento da COP26, para mostrar o nosso compromisso com a transição climática”.

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