Margem de surpresa mínima na reunião do banco central europeu.
A última reunião do BCE obrigou os participantes do mercado a olhar com atenção para as nuances e apreciações. Se nos fixarmos apenas nos números, o cenário não mudou: o nível das taxas de juro mantém-se nos 0%, a taxa de depósito continua nos -0,4% e o QE continua em marcha, com aquisições de 30.000 milhões de euros em dívida ao mês “até setembro ou mais”. A mudança realmente importante produziu-se no discurso da instituição, articulado por Mario Draghi.
O presidente do BCE optou por eliminar o aviso de que a instituição poderá modificar o tamanho e/ou a duração do programa de aquisição de dívida se o considerar necessário, para uma alteração nas circunstâncias macroeconómicas. Os mercados levam já algum tempo a refletir timidamente, mas gradualmente, uma mudança na política de comunicação da entidade.
Para James Athey, gestor da Aberdeen Standard Investments, “o importante é que o BCE deixou de falar sobre fazer mais se as condições económicas e financeiras piorarem”. Athey afirma que a mensagem desta última reunião “é um reconhecimento tático de que a previsão económica na Europa é mais prometedora do que era”. Ainda que a reação inicial do mercado da dívida tenha sido com vendas, o especialista não se mostra preocupado, porque “esta mudança aproxima-nos da retirada de apoios do BCE” e porque estima que “a reação não deverá ser desmesurada”.
Segundo Stefan Isaacs, gestor e diretor adjunto de obrigações retalhistas da M&G, destaca que a autoridade monetária incrementou as suas previsões de crescimento para 2018 para 2,4%, para além de retirar a referência à aplicação potencial de mais estímulos. O gestor vaticina que, a partir de agora, “o BCE provavelmente vai começar a encaminhar-se progressivamente para o endurecimento da sua política monetária”. Isaacs prevê que os próximos passos consistam no “anúncio do seu programa de compra de ativos, antes de o terminar mais à frente no ano, o que poderia ser seguido de uma subida das taxas em 2019”.
No que respeita ao impacto destas decisões, o especialista esclarece que a mudança de política monetária está de acordo com uma melhoria sustentável da situação económica na zona euro, graças a um crescimento superior à média, a contínua redução do gap de produção e o aumento global das pressões inflacionistas até ao objetivo dos 2% do banco central. “Esta situação poderá traduzir-se numa maior pressão sobre as yields da dívida pública, especialmente no curto prazo, o que provavelmente irá beneficiar os setores cíclicos e deverá continuar a favorecer os ativos de risco”, sentencia o gestor.
Por último, Andrew Belshaw, diretor de investimentos da Western Asset, filial da Legg Mason, considera que Draghi eliminou a posição acomodatícia, tal como esperavam os mercados, ainda que, na sua opinião, não fosse necessária no contexto atual. “Tendo em conta que o presidente do BCE tirou importância a este facto e ao tom acomodatício na conferência de imprensa, o efeito no mercado foi insignificante”, sublinha.