Ouro ou bitcoin? A corrida pelo refúgio e pela rentabilidade

ouro
Créditos: Michael Steinberg (Pexels)

Após o anúncio de novas tarifas em abril e os ataques do presidente Trump à Reserva Federal, os investidores começaram a repensar o papel do dólar como âncora do sistema monetário internacional. Convém recordar que, como comenta Benoit Anne, Diretor de Estratégia e Insights da MFS Investment Management, no passado um aumento da aversão ao risco teria feito com que o dólar valorizasse. No entanto, desta vez não foi assim. “Estamos perante um novo paradigma de mercado no qual as características defensivas do dólar norte-americano estão a enfraquecer”, assinala.

A expansão da massa monetária global (M2) contrasta com a depreciação sustentada do dólar. Isto reflete-se na queda do índice DXY. Um fenómeno que aponta para uma rutura nas dinâmicas tradicionais dos mercados de divisas e dívida soberana. Essa rutura é alimentada pela incerteza na política interna nos EUA. Os prémios de risco político, habitualmente limitados a mercados emergentes, começaram também a penalizar os ativos norte-americanos. Daí resulta um dólar que já não sorri, concluía Anne.

Relação entre o índice dólar (DXY) e a oferta monetária (M2)

Fonte: TradingEconomics

O ouro assume o papel de nova âncora monetária

Perante esta possível mudança de regime, o ouro tem vindo a destacar-se há meses como valor-refúgio preferencial. Alcançou os 3.500 dólares durante o fim de semana da Páscoa, registando uma rentabilidade em 2025 que ronda os 30%. Os receios de repressão financeira e políticas que penalizem ativos denominados em dólares estão entre as razões por detrás deste último impulso.

Também influenciam as compras de ouro por parte dos bancos centrais. Segundo a Man Group, estas compras “ocorrem a ritmos sem precedentes em busca de diversificação”. Albert Chu, gestor da entidade, destaca que “embora o dólar continue a ser um pilar central, os bancos centrais estão a diversificar rapidamente”.

Este renovado apetite por ouro estende-se também aos investidores institucionais. A sua procura por refúgio perante a tempestade traduziu-se em entradas líquidas de 115,3 toneladas em ETF apoiados em ouro durante o mês de abril. Estas entradas equivalem a 11.200 milhões de dólares, segundo o Conselho Mundial do Ouro. Trata-se do maior fluxo mensal desde março de 2022, com a Ásia e os EUA como principais motores, somando 64,8 e 42,4 toneladas, respetivamente. Nesse sentido, Claudio Wewel, estratega na J. Safra Sarasin Sustainable AM, alerta que o metal precioso ganhou atratividade face ao risco crescente de uma repressão financeira. Esse risco inclui eventuais penalizações às reservas em dólares ou a sua conversão forçada em obrigações com menor rentabilidade. Como resultado, muitos investidores institucionais estão a reconsiderar a sua alocação estratégica, preocupados com a erosão do valor real dos seus ativos denominados em dólares.

Neste novo contexto de elevada incerteza e questionamento do dólar como âncora monetária, outros ativos alternativos também ganharam tração. Estes funcionam como barómetros do clima macroeconómico.

Bitcoin: de ativo especulativo a barómetro macroeconómico

Paralelamente ao renovado protagonismo do ouro, a bitcoin também tem ganho tração como resposta à incerteza global. Simon Peters, analista da eToro, destaca que a capitalização do ecossistema cripto aumentou em 300.000 milhões de dólares em poucas semanas. Este aumento foi impulsionado por uma das maiores subidas da bitcoin desde março, após ter voltado a superar os 101.000 dólares na semana passada.

Este impulso coincidiu com entradas recorde em ETF à vista, que superaram os 900 milhões de dólares diários. O relevante é que a bitcoin começou a desligar-se das ações tecnológicas e das altcoins. Mostra maior afinidade com ativos de natureza macroeconómica. Peters assinala que “perante as tensões comerciais e riscos de recessão, a bitcoin começa a comportar-se mais como um ativo macro do que como um tecnológico”. Essa perceção é partilhada pela DWS, que no seu Chart of the Week sublinha que a bitcoin superou o ouro e o Nasdaq desde o início de 2023, apesar da sua elevada volatilidade.

Fonte: DWS Investment GmbH a 23 de abril de 2025.

Embora em fevereiro e março tenha apresentado uma correlação invulgarmente alta com o Nasdaq, após o anúncio das tarifas de 2 de abril, a relação dissipou-se. Para a DWS, isso indica uma transição para um comportamento mais autónomo e dependente da macroeconomia.

Perspetivas: ativos não soberanos para um mundo instável

A DWS alerta que, em períodos de elevada incerteza, o ouro continua a ser o ativo preferido pelos investidores. Isso demonstra-se pelo seu desempenho superior ao da bitcoin e do Nasdaq no acumulado do ano. No entanto, também reconhece uma mudança gradual na perceção dos mercados. “Ainda não é um valor-refúgio consolidado, mas o mercado começa a considerar o bitcoin como uma possível cobertura face a tensões macroeconómicas e geopolíticas”.

Desde o seu máximo de 109.000 dólares em janeiro, a bitcoin caiu 32% até ao seu mínimo de 7 de abril. Isto ocorreu face a uma perda de 27% no Nasdaq. No entanto, desde então demonstrou uma capacidade de recuperação superior, impulsionado em parte pela crescente dúvida sobre se o dólar continua como moeda de reserva global.

Para além da sua volatilidade, a bitcoin oferece atributos estruturais diferenciadores. Enquanto o ouro proporciona segurança institucional, o ativo digital destaca-se pela sua portabilidade, neutralidade jurisdicional e resistência à censura. Num contexto marcado por sanções, controlos de capitais e vigilância financeira, a sua capacidade de operar sem intermediários nem fronteiras reforça o seu atrativo como forma de soberania sem Estado. Isto contrasta com a reserva tangível e fisicamente custodiada que representa o ouro.

Um novo mapa de refúgios monetários

Das opiniões dos especialistas depreende-se que a erosão do dólar como ativo de reserva indiscutível está a abrir espaço para uma arquitetura monetária mais fragmentada. A arquitetura monetária global fragmenta-se. Ainda assim, o ouro mantém a sua posição como reserva de valor física e institucional. A bitcoin, com a sua portabilidade e neutralidade regulatória, emerge como soberania sem Estado.