Historicamente, as empresas americanas têm liderado a utilização de recompras de ações como uma ferramenta para devolver liquidez aos acionistas. No entanto, nos últimos anos, a recompra de ações por parte de empresas fora dos EUA, especialmente na Europa, tem ganho relevância e mostrado uma evolução significativa, desafiando o domínio tradicional dos EUA neste âmbito.
Segundo comenta John Withaar, diretor de Investimentos de Situações Especiais na Pictet AM para a Ásia, numa entrevista recente com a FundsPeople, as reformas de governança corporativa englobam uma monitorização do preço/valor contabilístico e ROE, e uma forma de impulsioná-lo é através da recompra de ações ou de dividendos. Um número cada vez maior de empresas japonesas tem anunciado o seu compromisso com as iniciativas da Bolsa de Tóquio, centrando-se no custo do capital e no preço das ações.
De acordo com dados do Nikkei, entre janeiro e maio de 2024, os planos de recompra de ações anunciados atingiram um máximo histórico (cerca de nove biliões de ienes ou 57.000 milhões de euros), um aumento de cerca de 60% e próximo do recorde do ano de 2023. Só em maio houve um aumento próximo de 80%, atingindo um máximo mensal de 5,6 biliões de ienes, liderado pela Toyota Motors.
Europa vira-se para a estratégia de recompras de ações
Na Europa, há seis anos, as recompras de ações eram impopulares e não eram permitidas de acordo com as normativas nacionais de alguns países, mas, recentemente, esta tendência mudou.
As empresas europeias aumentaram o seu fluxo de caixa nos últimos anos, o que contribuiu para impulsionar a tendência das recompras. Também se deu uma mudança de perceção. Há alguns anos, muitos investidores consideravam que uma recompra era sinal de que a empresa não tinha uma estratégia de aquisições, mas agora, a recompra de ações tornou-se uma tendência importante na Europa, a de devolver dinheiro aos acionistas (além os históricos dividendos), e vários países destacam-se pelas suas significativas atividades de recompra.
De acordo com a BNP Paribas Exane, em 2023, as empresas europeias aumentaram notavelmente o seu programa de recompras de ações, atingindo uma despesa total de 169 biliões de euros:
Como aponta Manuel Porras, responsável de Global Markets da BNP Paribas AM para Espanha e Portugal, o principal catalisador desta tendência na Europa nos últimos anos tem sido a valorização do mercado. As bolsas europeias atravessaram um período de baixas valorizações em 2022, e isso fez com que estendessem os seus programas de recompra. Aproveitando as menores valorizações, muitas empresas começaram a utilizar os programas, procurando otimizar a sua estrutura de capital.
Grandes empresas britânicas lideram a tendência
Segundo assinala Harry Goodacre, estratega na Unidade de Investigação Estratégica da Schroders: “A proporção de grandes empresas britânicas que recompraram as suas ações foi extremamente elevada em relação aos níveis históricos, embora a atividade tenha diminuído ligeiramente em comparação com os níveis de 2022. E no resto do mundo, a sua prevalência continuou a aumentar entre as grandes empresas francesas e alemãs, desafiando o domínio norte-americano”.
A proporção de empresas britânicas que realizaram recompras de maior quantia foi superior à da dos EUA. 13% das grandes empresas britânicas recompraram pelo menos 5% das suas ações no ano passado, face aos 9% nos EUA.
Como assinalou a J.P. Morgan AM no seu último Global Equity Views, as empresas recorrem às recompras para melhorarem a rentabilidade dos seus acionistas: “As empresas europeias também prestam mais atenção aos seus (prejudicados) acionistas, sob a forma de dividendos e recompra de ações”.
Segundo as estimativas de Guillaume Jaisson, estratega e vice-presidente da Goldman Sachs AM, as empresas do índice de referência Stoxx 600 devolveram 500.000 milhões de euros (533.000 milhões de dólares) aos acionistas através de dividendos e recompras em 2024, o que representa uma rentabilidade de 5%.
“Na Europa, os dividendos vão continuar a ser a principal fonte de rentabilidade, mas as recompras estão a crescer e podem trazer mais flexibilidade”, apontaram os especialistas. Só nos bancos europeus, a repartição de dividendos para 2024 subirá para quase 80.000 milhões de euros, enquanto as recompras farão subir o retorno total de capital dos acionistas para o número recorde de 100.000 milhões.