Serão representativos os preços de mercado com base em pouco mais de metade das transações efetivas?

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Gustavo Boaventura, Flicker Creative Commons

Carlos Tavares, Presidente do Conselho de Administração da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) propôs-se a analisar a evolução da economia e dos mercados oito anos depois da maior crise financeira desde a Grande Depressão, num paper intitulado “A crise financeira: Aprendemos as lições?”. Focando na transparência da negociação o presidente da entidade regulatória observa consequência menos positivas da entrada em vigor da Diretiva de Mercados de Instrumentos Financeiros (DMIF), em 2007. Nomeadamente, salienta que “a negociação de ações na Europa foi-se revelando cada vez mais fragmentada, com um peso crescente das plataformas multilaterais de negociação e também das transações OTC. Ao mesmo tempo, a negociação não transparente nos mercados regulamentados (por exemplo pelo mecanismo das chamadas “dark pools”) foi igualmente ganhando peso quer na Europa, quer nos Estados Unidos”.

Deste modo, o profissional observa que “a negociação transparente passou a representar apenas cerca de metade do total”, na classe de ativo das ações, situação que se revelou mais profunda nos mercados de obrigações e derivados, em que o mercado OTC já era dominante. “Em 2008, o objectivo estabelecido foi o de levar a que as transações se processassem predominantemente em mercados regulamentados e que a negociação fosse transparente”, revela Carlos Tavares.

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“Oito anos depois, verificamos, no entanto, que cerca de metade da negociação de ações continua a corresponder a transações OTC ou a ordens não transparentes em mercados regulamentados. Podemos também constatar que a transação de

obrigações continua a não ter requisitos de transparência, que só serão concretizados– de forma ainda limitada – na DMIF II, cuja entrada em vigor está prevista para 2018, dez anos depois da formulação dos objectivos referidos”, explica o presidente da CMVM.

O mesmo reconhece que a situação terá melhorado nos mercados de derivados OTC, nomeadamente em resultado da legislação EMIR e a obrigatoriedade de reporte através de “Trade Repositories”. “No entanto, na UE a transação obrigatória em mercado só será regulamentada com a DMIF II – uma vez mais, de forma limitada - ao passo que nos Estados Unidos foi estabelecida de início com o Dodd-Frank Act”, destaca, dando nota, adicionalmente, que “o Relatório De Larosière estabelecia como objectivo que a EU estivesse equipada com um conjunto mais consistente de regras no início de 2013”.

Carlos Tavares salienta a situação de Portugal, naturalmente semelhante à registada na UE em geral como se pode observar no gráfico abaixo, onde é patente que a negociação transparente em mercado regulamentado continua a representar apenas 55% do total, “o que não pode deixar de colocar a questão da formação e da representatividade dos preços de mercado com base em pouco mais de metade das transações efetivas”.

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“Saliente-se que os preços dos mercados regulamentados são um bem público, na medida em que devem ser a base de transações em condições justas. Se às circunstâncias descritas acrescentarmos o facto de cerca de 40% das transações de ações serem já feitas por negociação algorítmica/de alta frequência, em que os intervenientes não pretendem comprar e deter as ações, mas apenas comprar e vender no mesmo dia e em que não há absoluta segurança de que os algoritmos não possam afectar a integridade e a estabilidade dos mercados, temos um quadro em que as transações baseadas no valor fundamental das ações representam uma pequena parte do total”, salienta, acrescentando que “uma vez mais, a regulamentação do High Frequency Trading só chegará em 2018 com a DMIF II” e “nessa altura, provavelmente o mercado já terá criado novas formas de negociação de que os regulamentos só alguns anos mais tarde tratarão”.