Desde que entrou em vigor, a 10 de março de 2021, o regulamento SFDR tem sido alvo de constante debate no setor da gestão de ativos. Apesar do mérito do legislador e do esforço notório por parte das gestoras em se adaptar à legislação, a falta de orientações claras sobre investimento sustentável, já originou diversas reclassificações de fundos. Sob o mote das energias renováveis, juntámos numa conversa extensiva ao tema da regulamentação SFDR, quatro profissionais da área para nos explicarem como estão a lidar com a desarmonia face à atual legislação. Pedro Silveira de Assis, José França, Mikko Ripatti e Raul Afonso são unânimes em afirmar que ainda falta trilhar uma grande parte do caminho para a bússola do investimento sustentável encontrar o seu norte.
SFDR: quem se mete em atalhos (verdes) mete-se em trabalhos?
Para Pedro Silveira Assis, as classificações ambientais são recentes e vieram acrescentar uma dimensão adicional para além da que é dada pelas variáveis de risco e retorno, na comparação de títulos outras estratégias de investimento diferentes. “A indústria passou décadas até descobrir de que forma é que conseguiria comparar títulos em duas dimensões fundamentais: risco e retorno”, introduz o managing partner da Baluarte.
E o que se sentiu, aquando da implementação da regulamentação SFDR, segundo o profissional, foi uma necessidade demasiado repentina de classificar todos os títulos e fundos de investimento do mercado num terceiro eixo, com unidades de medidas completamente diferentes e sem qualquer relação com outras duas; um eixo com apenas três categorias - Artigo 6º, Artigo 8º e Artigo 9º”. Do lado da procura, a pressão foi tal que uma parte da indústria sucumbiu à tentação de subordinar as comparações tradicionais de risco e retorno, a estas mais recentes.
Do lado da oferta, os emitentes e gestores sucumbiram à tentação de classificar o máximo número de títulos com a classificação de artigo 9º. O tempo veio a revelar que, como sempre, a pressa não é boa conselheira, e tem havido enormes revisões em baixa de títulos e fundos anteriormente classificados como Artigo 9, que atualmente são Artigo 8º, causando uma profunda desilusão em alguns investidores. A título de exemplo, 70% os ETF foram reclassificados. Houve gestoras que reclassificaram, de uma só vez, fundos no valor de quase 50 mil milhões de euros.
1/4“É bom para o consumidor saber se as empresas têm algum tipo de associação ou exclusão, em termos ambientais”, começa por dizer José França, mas o problema “é toda a incerteza e ambiguidade em torno dessas questões”, acrescenta. O profissional dá como exemplo alguns fundos da entidade que representa, a Montepio GA, que, apesar de estarem alinhados com vários Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) não têm classificação Artigo 8º ou 9º, “também por causa dessa ambiguidade”. Ainda assim, José França conta que a entidade está a desenvolver um processo que tem em vista a classificação de alguns fundos como Artigo 8º, no processo de classificação dos primeiros fundos. Nessa ótica, o gestor da Montepio GA afirma que é preferível que se avance com prudência para evitar qualquer tipo de reclassificação no futuro.
José França crê que “se há empresas que terão um papel determinante em matéria de sustentabilidade no futuro, são as empresas de energias renováveis”. O profissional salienta que este “é um conteúdo que interseta muito bem com o tema de ESG”. Ainda que estejamos a caminhar para um maior foco na parte social e de governança, “quando se pensa em ESG, ainda se pensa, primeiramente, em ambiente”, refere. Portanto, quem olhe para um fundo de energias renováveis, “acaba por, facilmente, associá-lo à sustentabilidade”, remata.
2/4Mikko Ripatti admite uma certa postura conservadora da entidade que representa, face às classificações SFDR. Conta que “até recentemente o DNB Renewable Energy foi o único fundo classificado como Artigo 9º domiciliado no Luxemburgo que a casa gestora apresenta e é um fundo de energias renováveis”. Não que acredite que a sua existência seja irrelevante, mas a complexidade do tema tem trazido muitas dúvidas para o setor.
Para o profissional, “é importante ter classificações ambientais para que todos os investidores, especialmente os que têm menos conhecimento, entendam as particularidades dos diferentes fundos”. O problema, explica, “é a dificuldade de avaliar e de quantificar porque, em muitos casos, nem sabemos qual é o ponto de partida”. Mikko Ripatti dá o exemplo da produção de veículos de transporte aéreo, para ilustrar a necessidade de maior clareza no tema: “Como se quantificam as emissões de dióxido de carbono? Quantas emissões são responsabilidade de quem produz o avião, de quem o compra ou de quem viaja nele?”, questiona.
3/4No que concerne a classificações e legislação, Raul Afonso acredita que é necessário dar tempo. “E é preciso trazer a academia e as instituições para o debate, para que haja um consenso quanto às avaliações ambientais, que confira confiança aos clientes”, salienta. Para o economista chefe da MFO é necessário, também, clarificar aquilo que deve ser o foco da indústria e deixa várias questões em aberto: “O que é que pesa mais? As emissões de carbono? Queremos antes remunerar o progresso? Ou seja, olhar para uma empresa que está num setor poluente, por definição, e recompensá-la por se tornar menos poluente que a concorrência?”
Raul Afonso acredita que é uma questão de tempo até se alcançar um sistema padronizado que providencie informação mais rigorosa e coerente, seguindo uma trajetória semelhante àquela que foi feita pelas agência de classificação de crédito. “No futuro, acredito que vão existir dois ou três provedores de avaliações e, existem ganhos de escala por avaliações serem feitas por entidades que já conduzem classificações, como, por exemplo, as agências de crédito”, conclui.
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