Sofia Santos (Systemic): “Não há nada que obrigue um fundo a ser artigo 8º ou 9º”

Sofia Santos Systemic sustentabilidade
Sofia Santos. Créditos: Cedida

Com o objetivo de ajudar as organizações a terem práticas de gestão mais sustentáveis, a Systemic é uma das empresas nacionais que presta serviços a empresas privadas, públicas, universidades, bancos, seguradoras e também a fundos de investimento e gestoras. Sofia Santos, fundadora da entidade, acredita que no caso do setor financeiro, cumprir com a regulação ligada à sustentabilidade vai além da existência de um código ou política internas. Na sua opinião, implica que exista também “conhecimento científico” e capacidade de implementação prática, sendo aqui que a Systemic pode ser útil com os serviços que prestam.

Quando tem pela frente empresas - e mais ao nível do private equity - o trabalho da Systemic passa, por exemplo, por fazer a due dilligence ESG, identificando as perguntas se devem realizar para se compreender o nível de alinhamento com a Sustentabilidade das empresas em questão. No passado a empresa já capacitou também empresas de um fundo de private equity, sobre sustentabilidade e objetivos para o desenvolvimento sustentável, tendo desenvolvido também um sistema de recolha de informação ESG de cada investimento, que depois é agregada. Na área de gestão de ativos e de seleção de fundos, o apoio prestado é distinto. “Aqui o tema está muito relacionado com a política de investimento. Define-se um determinado conjunto de princípios, e tem de se decidir se se compra ou não determinada ação, ou obrigação”, começa por explicar Sofia Santos, em entrevista à FundsPeople.

Necessidade de um modelo teórico

Sobre os clientes da gestão de ativos com os quais desenvolvem trabalho, é fácil ter na ponta da língua quais as grandes dúvidas auscultadas. “São dúvidas que têm a ver com o fundamento teórico”, detalha Sofia Santos. Numa altura em que as leis e as regras ainda são pouco definidas no campo ESG, o conceito de “verdade” ou mesmo “compliance” pode tornar-se subjetivo. “Por um lado, o regulador não quer ter uma ação ainda apertada - o que faz sentido até o mercado ganhar mais conhecimento sobre o tema e existir uma maior estabilidade dos regulamentos - mas, por outro lado, o facto de não o fazer cria zonas cinzentas. O que acontece é que os fundos de investimento, obviamente, não querem estar nessas zonas cinzentas”, salienta a fundadora.

E a questão que se coloca é óbvia: como evitar essas zonas cinzentas? Para a especialista, é importante que as gestoras de ativos estejam fortalecidas ao nível do modelo teórico. Fala da necessidade de terem “todas as decisões muito bem fundamentadas, explicando que a decisão x foi tomada porque existia um racional lógico”. “Neste momento, o que é importante é como se garante a um supervisor que foram feitos todos os esforços para ter um método que justifica as tomadas de decisão”, pontualiza. Trata-se, portanto, de justificar todas as etapas, com base em informação de terceiros, análise de stakeholders, etc. O melhor método para estar compliant, diz-nos Sofia Santos, é “ter todos os pressupostos escritos de forma transparente, enquanto se identificam os riscos, bem como os temas que ainda não se conseguem acautelar. Nesta altura, o modelo ideal é a transparência”, reitera.

Letra da lei vs. espírito da lei

Embora a questão do ESG já tenha largos anos de discussão, a verdade é que a gestão de ativos continua a reclamar a falta de dados e a pôr em causa a transparência dos existentes. Um problema que a fundadora da Systemic classifica de “fundamental”, pois a escassez é real. “Os dados que existem são só das grandes empresas, e são disponibilizados pelos fornecedores de dados, sendo preciso comprá-los. Comprar esses dados é um tema para as empresas financeiras”, expõe. No prato da balança, refere, importa pesar se compensa ou não comprar esses dados, ou se é preferível deixar um determinado fundo com classificação de artigo 6º, da SFDR. “Não há nada que obrigue um fundo a ser artigo 8º ou 9º, o regulamento não obriga os fundos a serem verdes, apenas obriga a reportar se o são ou não, e porquê”, aponta Sofia Santos. 

A este nível vem à conversa a onda de downgrades vivida na indústria de fundos em 2022, ao nível da classificação dentro da SFDR, altura em que muitos fundos foram classificados dentro de um artigo menos exigente ao nível de ESG, pelas suas gestoras. Para Sofia Santos, a indústria financeira deveria adotar outra perspetiva sobre a lei. “De uma forma geral, o setor financeiro age conforme a escrita da lei e não com o espírito da lei. Estes downgrades vieram demonstrar um pouco isso. A SFDR dá azo a que um fundo seja artigo 9º, e tenha 98% investido em combustíveis fósseis, desde que diga que tem como objetivo o investimento de 2% em energias renováveis. Isto é o que a letra da lei permite. Mas será este o espírito da lei?”, questiona a especialista.

Na verdade, a onda de descidas de classificação aconteceu por via de uma proposta emitida pela ESMA, que exigia que os fundos que no seu nome tinham alguma referência a palavras ligadas ao ESG, cumprissem determinadas regras. “Muitos desses fundos tinham apenas percentagens muito baixas alocadas a ativos ESG”, recorda Sofia Santos. Neste sentido, para a responsável é “preferível fazer-se uma caminhada mais sólida e com critérios não dúbios, do que chegar-se ao ponto de um downgrade”. Contudo, a especialista aponta que também o regulador deveria ter uma atitude mais pró-ativa no processo. “Deveria dar mais pistas e ajudar mais o mercado a perceber qual o caminho certo. Deveria orientar”, salienta.

Taxonomia Social a caminho

Sendo a componente social da Sigla ESG a mais difícil de desenvolver e regular, Sofia Santos explicou-nos que, contudo, existe já uma taxonomia social em discussão pública. A taxonomia na componente mais “subjetiva”, como apelida, deverá respeitar três objetivos. “Fatores associados à componente interna (colaboradores e bem-estar interno e progressão de carreira), ao consumidor, e ao envolvimento com as comunidades”, conta-nos. Mas, como se costuma dizer, “cada coisa a seu tempo”. Na perspetiva da fundadora tem “de se discutir uma coisa de cada vez”. E a verdade é que, no seu entender, “quando o tema social começar a ter uma estrutura, se calhar existirão muitas empresas que não conseguem estar alinhadas com esta taxonomia”, concluiu.