Sustentabilidade: estará a esvaziar-se o conceito do que é gerir ativos?

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Pedro Assis, Pedro Assunção, António Mello Campello, Sébastien Senegas. Créditos: Vítor Duarte

Quem executa o trabalho de consultoria para investimento tem em cima da mesa um grande desafio: recolher as informações específicas sobre as preferências de sustentabilidade dos seus clientes. Um trabalho intrincado, cujo enquadramento regulatório ainda levanta algumas dúvidas. 

A verdade é que as dúvidas e os temores sobre o assunto vão além do enquadramento regulatório. Num ThinkTank em colaboração com a Edmond de Rothschild AM e promovido pela FundsPeople, três empresas que proporcionam serviços de consultoria para investimento explicaram precisamente esses receios. 

Embora para todos os presentes não haja margem para dúvidas de que as preocupações com a sustentabilidade são essenciais, o processo da sua integração nos investimentos levanta muitas dúvidas. Para Pedro Assis, da Baluarte Wealth Advisors, ao eixo do retorno e risco introduziu-se um novo eixo: o da sustentabilidade. O problema? Não é medido nas mesmas unidades dos restantes. “Provavelmente, até não é possível de medir em nenhuma unidade”, começou por admitir o responsável pela entidade. Na sua opinião, tudo aconteceu de forma muito fugaz. “Obrigam-se as pessoas a fazerem movimentos no sentido de introduzir uma verdadeira preocupação com a sustentabilidade, mas a forma como essas questões foram introduzidas, bem como  os próprios testes de adequação… talvez tenha sido tudo trazido demasiado rápido.”

Esvaziar o conceito de sustentabilidade

No final de contas, o que pode resultar deste processo é partilhado por todos os presentes, e Pedro Assis expressou-o bem. “Receio que o esforço feito para que se satisfaçam os testes de sustentabilidade a esta tal velocidade, acabe por esvaziar o conceito de sustentabilidade em si”. Em concordância, António Mello Campello, da BlueCrow Capital, exclamou: “Esvazia-se, até, o conceito do que é gerir ativos!”

O partner da BlueCrow recordou que, de facto, há estudos que mostram que cumprir com as métricas ESG é bom para o negócio. Mas a questão é outra. “Nós somos obrigados a analisar a rentabilidade dos negócios, não somos gestores de impacto. Não posso preterir a rentabilidade a favor de gerar impacto social ou ecológico. Esta divergência de objetivos é prejudicial para o investidor”, reiterou. E o investidor, recorda António Mello Campello, só tem um objetivo: que seja maximizada a rentabilidade tendo por base o seu perfil de risco. 

Pedro Assunção, da Første, coincidiu. “Os nossos clientes não têm mostrado qualquer tipo de preocupação sobre isso, nem qualquer tipo de exigência”, apontou, concordando que o binómio rentabilidade e risco continua a ser o grande barómetro de quem investe. “Não tenho nenhum cliente que diga: entre duas obrigações do mesmo emitente, eu prefiro a que é mais sustentável”, exemplificou o responsável. 

Nos testes de adequação que vão ser remetidos aos clientes sobre esta matéria, Pedro Assunção acredita que possa acontecer algo contraproducente. “Admito que as pessoas escolham o campo do sim (quando lhes é questionado se têm preferências de sustentabilidade) para se sentirem bem consigo próprias. O que temos de fazer, se esse for o caso, é adaptar-nos a esse pedido do cliente”, prevê. 

Quantificar e medir o risco ESG

Nessa adaptação, Pedro Assis concretizou com um exemplo. “Se começarmos a limitar o conjunto de ativos elegíveis para uma carteira, é possível que cheguemos a um subconjunto de ativos que, na verdade, não é tão bom. Pode também não ser uma carteira ótima comparativamente com um portefólio que tivesse sido construído recorrendo ao conjunto todo”, colocou. “Não há problema que isso aconteça, mas só se existirem três eixos de avaliação (risco-retorno-sustentabilidade) e o último esteja a ser valorizado e seja também quantificado”, atestou. 

Do mesmo ponto de vista, Pedro Assunção acredita que a grande vantagem do ESG é que acaba por ser um indicador de risco. “A empresa que tiver um respeito total por qualquer um dos vetores ESG tem um risco mais limitado. A questão é como que isso se consegue medir eficazmente, e como conseguimos passar isso do nível de uma empresa, para o nível de um fundo de investimento ou carteira”, comentou.

Do lado da BlueCrow, que apresenta também atividade dentro da área de capital de risco, existe precisamente a noção de que a esse nível têm responsabilidades nas empresas em que investem. “No investimento de mercado, que é aquilo que fazemos na consultoria de investimento, não temos essa capacidade de impacto. Tentamos ter uma carteira relativamente friendly ao nível do ESG, mas com base no que é o nosso mandato”, referiu António Mello Campello. Para o profissional e em jeito de resumo uma coisa é certa: “O nosso mandato não é salvar o planeta. O nosso mandato é salvar as pensões”, concluiu.