O gestor do Fidelity America mostra um ponto de vista muito contextualizado sobre as circunstâncias económicas e fiscais nos EUA e o funcionamento do sistema político no país.
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“Estamos a viver um momento especial para a história financeira mundial, é muito difícil saber o que se vai passar”, reflete Ángel Agudo, gestor do FF America (classificado como Blockbuster e Consistente). O gestor da Fidelity International defende os pilares sobre os quais assenta a recuperação económica norte-americana, e chama a atenção sobre o facto de que esta economia apresenta características dispares que são necessárias compreender para avaliar corretamente os seus fundamentais e para onde se dirige o seu mercado: “Os EUA não lideram a recuperação por acaso, ou porque têm um banco central mais agressivo, é um país especial”, assegura.
A primeira característica que o diferencia é o forte espírito empreendedor que caracteriza os norte-americanos: “Nos EUA inventam-se coisas, e ganha-se dinheiro com elas”, afirma. A melhor forma de ver como se reflete nos fundamentais é através do cash return on cash invested’ ou CROCI das empresas (ver tabela). O mais destacado é o retorno do sector tecnológico: enquanto que as empresas japonesas obtêm 3,6%, as europeias atingem os 8% e as norte-americanas, 25,7%.
Outra característica é a sua recentemente alcançada independência energética, através da produção de gás e petróleo de xisto, ainda que Agudo recorde outros recursos naturais que garantem a sua independência como o milho, o trigo, a água e o carvão, bem como o facto de que a sua divisa é utilizada mundialmente como reserva. Adicionalmente, o perfil demográfico nos EUA é favorável em comparação com outras nações desenvolvidas, especialmente pelo facto de que a população ativa está a crescer. Finalmente, no último ano observámos sinais de inflação salarial, que favorece o consumo.
Todos estes factores permitem, em palavras do gestor, que “os EUA tenham margem para fazer políticas que sejam favoráveis aos seus interesses, mesmo que não o sejam sempre para outros países, ou aplicar políticas que também gostariam de executar noutros países mas não o podem fazer”. Agudo considera que este facto é muito relevante para a forma como poderá evoluir a política durante o mandato de Donald Trump.
Trump e o mercado
Para Agudo, mais além da eleição surpresa do magnata Donald Trump, o factor que verdadeiramente mudou a situação política no país foi que o Partido Republicano recuperou o controlo do Congresso e do Senado.
Sobre a probabilidade de Trump pôr em prática as suas promessas eleitorais, recorda dois factores. Por um lado, que o sistema político norte-americano é composto por um sistema de filtros e aprovações para evitar precisamente que o presidente disponha de plenos poderes. Por outro lado, o gestor afirma que “ entre o que Trump diz e o que pode implementar, o mercado já refletiu muitas probabilidades no preço, pelo que as medidas que no final sigam em frente podem ter muito menos impacto que o esperado”.
O gestor analisou também os sectores que podem ser mais beneficiados pelas grandes reformas propostas por Donald Trump (ver tabela), e expõe alguns pontos de vista para contextualizar.
Sobre o primeiro ponto, os gastos fiscais, o gestor declara que “o mercado já achava que os gastos em infraestruturas iriam aumentar há três anos; basta observar como as valuations de empresas como as fabricantes de cimento ou de engenharia estão muito elevadas”.
O gestor também observou a mesma antecipação nas projeções sobre gastos com a defesa, devido à escalada de tensões geopolíticas dos últimos anos, mesmo que advirta que “a implementação de uma estratégia de ações que beneficie do incremento do gasto em defesa é muito difícil”. Dito isto, declara que o FF America está muito exposto ao sector há seis anos, e afirma que os seus fundamentais são bons e podem melhorar: “Se finalmente se produzir a descida do imposto empresarial, pode ser importante para o sector, não há muitos fabricantes de sistemas de defesa que produzam fora dos EUA”, explica.
Esta afirmação leva ao segundo grande bloco de propostas, que inclui uma importante reforma fiscal e uma possível corrente de desregulação. Agudo explica que “os EUA são fiscalmente pouco competitivos face ao resto do mundo, porque a taxa máxima é de 35%, que compara com a média da OCDE (sem EUA) de 22%. Não obstante, para equilibrar o orçamento nacional, será necessário colocar tarifas à importação, o que explica as propostas protecionistas de Trump”. O que o gestor quer transmitir é que “se querem baixar o imposto das empresas, o ajuste não será tão simples como parece”.
Relativamente à desregulação, o gestor pede que os investidores vejam além da conclusão óbvia sobre as vantagens que vão resultar para o sector financeiro. Assim, explica que, por exemplo, “o sector das telecomunicações é quase totalmente local e é um mercado muito regulado. Se se produzir a desregulação, surgirão novas vantagens para o sector”.
Relativamente às reformas do sector da saúde, o gestor concentra-se no facto de que o sistema de saúde nos EUA está desenhado por distintos níveis de cuidados, de tal maneira que as pessoas com emprego podem aceder a melhor cuidados de saúde. Agudo explica que Hillary Clinton queria continuar com o programa Obamacare e isto seria “pro volume, ou seja, que mais gente poderia aceder ao sistemas”. Agudo indica que até à uns dias o mercado acreditava que Trump tinha uma postura contrária, mas desde que durante a sua conferência de imprensa fez declarações agressivas relativamente aos preços, voltou a incerteza no sector”.
Apesar de todas estas observações, Ángel Agudo mudou pouco a sua visão geral sobre as ações norte-americanas: “Há ano e meio que acredito que o mercado não apresenta valorizações atrativas, que está a cotar, sensivelmente, no fair value”. O gestor indica que esta perda de atratividade “não se deve a uma deterioração dos múltiplos, mas sim dos fundamentais”, especialmente pelas margens de lucro, que atualmente se encontram, em média, muito perto dos máximos dos últimos 25 anos.