A encruzilhada dos bancos centrais exige a flexibilidade dos investidores

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Créditos: Isaac Smith (Unsplash)

O atual panorama económico mundial é caraterizado por um crescimento assíncrono entre as principais regiões, o que levou os bancos centrais a adotarem estratégias divergentes. No entanto, os riscos inflacionários (embora menores, ainda existem) e a volatilidade do mercado vão requerer tanto uma gestão cuidadosa das carteiras, como investidores atentos e flexíveis para as curvas que se aproximam.

A dança assíncrona dos bancos centrais

Os bancos centrais das principais economias mundiais encontram-se numa encruzilhada, adotando estratégias divergentes em resposta às condições económicas específicas de cada região. Reto Cueni, economista-chefe da Vontobel AM, e Daniel Karnaus, gestor de Obrigações da mesma entidade, assinalam que “as principais regiões económicas mundiais estão a crescer a velocidades distintas, o que se reflete nas diferentes estratégias adotadas pelos bancos centrais”.

Enquanto o Banco Nacional Suíço (SNB) iniciou os seus cortes em março, seguido do Riksbank da Suécia em maio e do Banco Central Canadiano e do Banco Central Europeu em junho, a Reserva Federal dos EUA anunciou recentemente o seu primeiro corte de taxas. Por sua vez, o Banco do Japão (BoJ) assumiu a direção oposta, aumentando as taxas de juro. Estas estratégias divergentes criam incerteza, e os investidores devem estar atentos aos efeitos que estas decisões terão nos diferentes mercados financeiros.

O dilema da Fed entre o martelo e a bigorna

Embora a inflação tenha mostrado sinais de moderação em algumas economias, esta continua a ser uma preocupação central. François Collet, diretor-adjunto de Investimentos e gestor da DNCA, alerta que, embora a inflação a curto prazo pareça controlada, fatores como a transição energética, a escassez de recursos e as tensões geopolíticas poderão manter uma pressão inflacionária a médio e longo prazo. Segundo o especialista, “os riscos de uma inflação mais elevada e instável a longo prazo são uma possibilidade devido a estes fatores”.

Daí a importância de os investidores manterem uma perspetiva de longo prazo e de se prepararem para possíveis aumentos inflacionários que poderão afetar negativamente as suas carteiras.

Na Europa, o BCE enfrenta um contexto macroeconómico menos favorável do que os EUA. Reto Cueni e Daniel Karnaus preveem que “o BCE vai continuar a suavizar gradualmente a sua política monetária”, baseando-se principalmente no facto de o BCE prever uma diminuição da pressão salarial no próximo ano. A divergência entre as políticas da Fed e do BCE poderá persistir, o que levanta desafios adicionais para os investidores, especialmente na zona euro.

Os quatro cavaleiros da incerteza

François Collet identifica os fatores-chave que os investidores devem acompanhar de perto nos próximos meses:

  1. Inflação: embora não sejam considerados um risco a curto prazo, fatores como a transição energética e a instabilidade geopolítica poderão gerar uma inflação mais elevada e instável a médio e longo prazo;
  2. Volatilidade: os acontecimentos políticos e as revisões orçamentais geraram uma maior volatilidade nos mercados financeiros;
  3. Incerteza nas políticas dos bancos centrais: a possibilidade de os bancos centrais serem mais relutantes a tomar decisões de política monetária poderá provocar uma maior volatilidade nos mercados;
  4. Dívida: os grandes défices fiscais (superiores a 3% do PIB) em vários mercados importantes levantam riscos significativos para a economia mundial, segundo alerta o FMI.

Esta situação poderá levar a taxas de juro mais elevadas a longo prazo, à medida que os investidores se adaptam a um novo paradigma de crescimento impulsionado pelos impostos e uma maior incerteza económica.

Estratégias de investimento num contexto em mudança

Perante este panorama, os especialistas concordam com a importância da flexibilidade nas estratégias de investimento. Olivier de Berranger, CEO, e Enguerrand Artaz, gestor de fundos da La Financière de l’Echiquier (LFDE), assinalam que “o ponto-chave, segundo a nossa experiência, em que os investidores se devem centrar num contexto como o atual é a flexibilidade”.

Além disso, destacam o regresso à normalidade na correlação entre as ações e as obrigações, o que “devolve aos investidores uma determinada margem de manobra em termos de alocação de ativos, visto que as obrigações podem voltar a desempenhar o seu papel de margem de segurança”.

Como assinalam na LFDE, “os investidores dispõem, atualmente, de refúgios claramente identificados - sobreponderar as obrigações, passar dos títulos cíclicos para os defensivos e as ações de crescimento visível - caso a aterragem suave da inflação e o crescimento sejam interrompidos”.

Chris Iggo, diretor de Investimentos da Core Investment Managers na AXA Investment Managers, recomenda uma estratégia que aproveite tanto as obrigações como as ações no contexto atual. Assinala que as yields das obrigações se mantiveram atrativas graças à gestão da Reserva Federal, continuando a oferecer boas oportunidades para os investidores em obrigações. Chris Iggo também destaca que, com as taxas de juro em cerca de 3%, as ações, especialmente as ações de crescimento, tornam-se mais interessantes à medida que as expetativas de lucros melhoram.

Apesar da volatilidade que poderá surgir devido a fatores como as eleições nos EUA ou as tensões geopolíticas, Chris Iggo acredita que a Fed vai continuar a controlar a inflação e o crescimento, evitando riscos maiores para o mercado. Isto sugere que, na sua perspetiva, o mercado em alta poderá prolongar-se até ao próximo ano.