A fórmula de que ninguém fala que a China está a utilizar para sair ilesa da guerra comercial

bandeira americana, chinesa, china, monumento, política
flickr

Muitas das incertezas macroeconómicas que afetam os mercados financeiros são motivadas pela geopolítica. O Brexit ou a guerra comercial começada pelos Estados Unidos são os exemplos mais claros de até que ponto o rumo político pode diminuir a visibilidade relativamente à evolução futura das economias e obrigar os analistas a refazer todas as suas previsões. Por vezes, os grandes títulos que aparecem nos meios de comunicação provocam grandes movimentos dos preços dos ativos financeiros que, se um investidor com nervos de aço pára para analisar com tranquilidade, representam uma grande oportunidade. Nestas alturas, o caso mais evidente é o da China.

“O spread no mercado de obrigações chinesas está nos 200 pontos base quando os nossos modelos mostram que deveria rondar os 100. É uma grande oportunidade”, assegura Jaime Albella, diretor de vendas senior da AXA Investment Managers em Espanha. O especialista reconhece que na China os dados macroeconómicos estão a refletir uma certa desaceleração da economia. “O capex está a cair e o consumo também, tal como as vendas a retalho, mas não estamos preocupados. Gostamos da China. Ajustado pelo preço, as quedas registadas pelo seu mercado descontam um cenário infinitamente pior do que os fundamentais macro mostram”, sublinha.

O motivo da correção que o mercado chinês sofreu, pode ser encontrado no medo que os efeitos da guerra comercial possam ter sobre a sua economia, sobretudo tendo em conta o peso das exportações no PIB chinês. Não obstante, tal como revela Albella, existe um dado do qual quase ninguém fala, que não aparece nas capas dos jornais, e que tem uma importância crucial. “Embora a China seja uma exportadora líquida, parte da subida de tarifas está a ser compensada com uma queda do yuan. Se se incorporar uma tarifa de entre os 10-15% aos produtos que o país exporta para os Estados Unidos, por sua vez contraria-se com um yuan mais baixo, o impacto na atividade na China deverá ser mais pequeno”, destaca.

Consequentemente, os valores brutos que estão a ser recolhidos pelos meios de comunicação sobre o impacto que a guerra de tarifas poderá ter sobre a economia não vão acontecer. “Não serão tão altos devido ao ajuste que se está a fazer através da desvalorização da divisa, com o qual o impacto sobre o crescimento para a China não deverá ser importante”, assinala. Na AXA IM estimam que esse crescimento será de 6,4% para este ano. A questão é se esta desvalorização do yuan está a ser procurada pelo governo chinês ou responde simplesmente a movimentos especulativos por parte dos investidores. Segundo Albella, é uma mistura de ambas as coisas.

“O yuan começou a desvalorizar quando esta guerra começou, pelo que é inegável que exista uma parte especulativa. Desde o início do ano 2000, Pequim sempre gostou de um yuan frágil, o mesmo que aconteceu com outros países. Até 2001 a China tinha uma taxa fixa no seu câmbio com o dólar. A partir de 2001 liberalizou-a, deixando uma margem de flutuação, com o objetivo de procurar uma valorização lenta da divisa. A redução por parte da China das reservas em dólares, que agora estão em níveis bastante baixos, contribuiu para debilitar ainda mais o yuan. Portanto, é uma série de fatores que responde a movimentos especulativos, por um lado, e a um laxismo governamental, por outro”.

A defesa que a China está a conseguir construir com a sua divisa para se proteger dos efeitos da guerra de tarifas, está a fazer com que alguns gestores diminuam importância a este risco. Neste grupo encontra-se Lilian Co, gestora da EI Sturdza, que assegura que “uma guerra comercial com os EUA não é o fim do mundo para a China”. Embora reconheça que este é, atualmente, o principal risco que a economia do gigante asiático enfrenta no curto e médio prazo, e que possa ter um impacto sobre a economia chinesa, considera também que este não será tão grave como muitos preveem. “O PIB chinês não vai reduzir para metade. O mercado está a ser muito pessimista”, assegura.

A seu ver, o maior risco está no facto de esta guerra comercial entre os Estados Unidos e China lhes fujir das mãos, e que ambos os países comecem a tomar decisões irracionais, embora a possibilidade de que esta discórdia vá mais além não é o seu principal cenário. O que poderá ocorrer é que a política económica chinesa volte a expandir. “O mercado de ações caiu este ano, o renmimbi está a ficar fragilizado e, sobretudo devido às tensões em torno do comércio global, a preocupação pela saúde da economia chinesa continua a aumentar. Portanto, tendo em conta os próximos anos, não nos iria surpreender se a política macroeconómica chinesa volte a expandir. Neste sentido, observar a oferta de dinheiro poderá dar uma pista, sendo o crescimento de M1 um indicador disso”, apontam da DWS.