BCE anuncia o desmantelamento do QE: primeiras reações das gestoras internacionais

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Wikicommons/World Economic Forum

O BCE altera a sua política monetária. A autoridade monetária anunciou a redução do seu programa de compra de dívida pública e privada a partir do próximo mês de setembro, altura em que será limitada a 15.000 milhões de euros por mês até dezembro, mês no qual o banco central colocará um ponto final no seu programa de estímulos (ler comunicado). Além disto, Mario Draghi deu pistas relativamente à primeira subida de taxas de juro na Europa. Atualmente, estão nos 0% e assim continuarão até, pelo menos, ao verão de 2019. Ness altura, o BCE tomará a decisão sobre o que fazer, uma vez analisada a evolução da inflação, que o presidente da autoridade monetária acredita que caminha em bom ritmo até o objetivo dos 2%. De facto, a sua estimativa para este ano e para o próximo foi revista no sentido ascendente, colocando a taxa de inflação, em ambos os casos, nos 1,7%. “Na minha opinião, o mais provável é que as taxas subam antes de setembro de 2019”, prevê David Riley, chief investment strategist da BlueBay.

Ainda que a política monetária continue a ser acomodatícia, com a extensão das compras de dívida até dezembro e o reinvestimento das maturidades, o anúncio do calendário tem sido bastante concreto, o que proporciona umas luzes sobre os planos do BCE, mas também surpreendeu os mercados. “O BCE surpreendeu-nos com a sua suavidade na reunião de hoje, algo que, na nossa opinião, era desnecessário. O anúncio de que o QE seja reduzido para 15.000 milhões de euros mensais no quarto trimestre era mais ou menos o esperado. A surpresa foi que Draghi se tenha comprometido a não subir as taxas de juro até setembro de 2019 (mantendo as taxas sem alterações, pelo menos, durante o verão)”, reconhece Nick Peters, gestor de fundo multiativos da Fidelity.

Na sua opinião, isto é surpreendente por um conjunto de razões: “Em primeiro lugar, o BCE prevê agora uma inflação de 1,7% ao longo de 2018, 2019 e 2020. Para a maioria, isto reunirá os requisitos para alcançar o seu objetivo de ‘perto de, mas abaixo dos 2%’. Por outro lado, extrapolando a queda constante do desemprego que a zona euro registada há alguns anos, a taxa de desemprego voltará aos níveis baixos de 2007, na altura em que o BCE subirá as taxas pela primeira vez neste ciclo”.

Por outro lado, refere que “Draghi também soou assinalavelmente negativo nos temas económicos, enfatizando os riscos, a incerteza da volatilidade do mercado financeiro. Disse, inclusive, que as últimas previsões do BCE, que mostram um crescimento constante acima da tendência, foram elaboradas antes de receber informação negativa adicional. A desaceleração dos dados da zona euro no princípio deste ano é clara, mas parece uma reação exagerada por parte de um banco central que esperávamos que fosse mais firme na sua perspetiva a médio prazo”, destaca Peters.

A resposta instintiva dos mercados está a ser a de vender euros. “Ao dizer que o Quantitive Easing terminará este ano, mas sem assinalar uma data exata de aumento das taxas até, pelo menos, ao próximo verão, Draghi está a dar com uma mão, mas a retirar com a outra. Nesta etapa, comprometeu-se a esperar, pelo menos, até à segunda metade do ano que vem para subir as taxas. Isto será conveniente para os mercados, mas é preciso ter em conta que, neste momento, é apenas um guia e não uma garantia”, destaca Patrick O’Donnell, diretor de investimentos senior da Aberdeen Standard Investments.

O’Donnell considera que hoje é um dia simbólico, que marca o final de uma Era na Europa. “Estabelece o final do dinheiro fácil e prepara o terreno para um aumento de taxas em 2019. Este é mais um passo para a eliminação das políticas extraordinárias de estímulos monetários a nível global ao longo da último década. Estamos agora num mundo completamente diferente ao daquele que nos encontrávamos há um par de anos com a Reserva Federal a subir novamente as taxas e os sinais que temos visto hoje. A pergunta é se a perspetiva bullish pode continuar. A crise transalpina paira sobre a economia europeia e ainda não está livre de perigo. Os profundos problemas estruturais em países como a Itália são uma ameaça”, afirma o especialista. Os dados macro europeus decepcionaram ultimamente, e tanto os indicadores de atividade como os inquéritos tendem a estar em queda.

Draghi reconhece que as incertezas são evidentes e que nesse crescimento económico acima da tendência não estão contemplados os potenciais impactos dos factores mais recentes (guerra comercial, Itália...), que ameaçam destabilizar, mas que a situação de fundo da economia europeia é positiva. “Os inquéritos empresariais caíram ligeiramente, ainda que de níveis elevados. Face aos sólidos fundamentais da procura, a nossa visão coincide com a esboçada por Draghi: a zona euro continua a ter margem de crescimento. Nem a escasses de mão-de-obra nem as dificuldades de contratação assinalam o fim do dinamismo cíclico, mas sim efeitos de histerese derivados de um período extraordinariamente longo de baixo crescimento, agravado pelas inadequadas políticas de austeridade fiscal no período entre 2011 e 2013. A desaceleração observada no primeiro trimestre deveu-se, em grande parte, a factores transitórios”, assinalam do departamento de análise e estratégia de investimentos da AXA IM.

Além disto, os especialistas da entidade acreditam que as reformas estruturais do passado (na Alemanha na década de 2000, em Espanha e Itália depois da crise financeira mundial de 2008, e em França num período mais recente) provavelmente terão efeitos positivos na tendência de crescimento. “Em geral, a zona euro deverá continuar a crescer acima dos 2% por ano em 2018 e 2019”, preveem. O problema é que, tal como aponta Peters, a zona euro só tem que lidar com uma economia que chegou ao máximo e mostra um desempenho inferior ao dos Estados Unidos, preocupações geopolíticas a médio prazo e preços do crude mais altos... “Agora pode ser que não se chegue a ter taxas de juro positivas antes da próxima recessão mundial, entrando, portanto, nessa recessão com muito poucas munições”.

De facto, ainda que o QE acabe em dezembro, o BCE reinvestirá dívida na maturidade durante um período prolongado após o término das compras de ativos, pelo que continuará a injetar liquidez nos mercados europeus de obrigações no futuro imediato, ainda que a um ritmo muito inferior ao dos últimos dois anos. “No plano das taxas, o BCE descartou, de facto, qualquer subida durante o primeiro semestre do próximo ano. tendo em conta que os dados económicos recentemente publicados são consideravelmente mais fracos que os do último semestre de 2017, a possibilidade de se verificar uma subida de taxas no início de 2019 é baixa, ainda que o comunicado do BCE tenha eliminado todos estes traços de ambiguidade”, diz Wolfgang Bauer, gestor da M&G Investments.

Para Azad Zangana, economista senior para a Europa da Schroders, “manter as taxas de juro em território negativo durante, pelo menos, mais um ano parece-nos muito estranho e temos dificuldade em encontrar uma justificação para esta política, a não ser que se procurasse a desvalorização do euro para ganhar competitividade”.