Confirmado: a Reserva Federal adia a subida das taxas de juros

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International Monetary Fund, Flickr, Creative Commons

Mistério resolvido: a Reserva Federal decidiu adiar o momento da primeira subida de taxas, com um único voto contra, mais propriamente de Jeffrey M. Lacker, presidente da Reserva Federal de Richmond. São poucas as ocasiões que restam ao Comité de Mercado Aberto (FOMC nas suas siglas em inglês) para efetuar uma subida durante o resto de 2015: as próximas reuniões estão programadas para o 27 e 28 de outubro, e 15 e 16 de dezembro, e apenas a de dezembro terá uma conferência de imprensa posterior.

À espera que sejam publicadas as atas da Fed no mês que vem para obter uma visão mais ampla sobre as decisões que votaram os membros do FOMC, a presidente Janet Yellen justificou a sua decisão durante a conferência de imprensa posterior à reunião com estas palavras: “Os recentes acontecimentos da economia global e financeira podem fazer abrandar de certo modo a atividade económica e é provável que coloquem mais pressão, em baixa, da inflação no curto prazo”, o que reflete a preocupação da entidade; O último dado do IPC, correspondente ao mês de julho, situou-se nos 0,2% face ao objetivo de 2% auto imposto pelo Banco Central.

Para além disso, o FOMC deixou clara a sua expectativa de que “com uma política apropriada e favorável a atividade económica expandir-se-á a um ritmo moderado, com os indicadores do mercado laboral a moverem-se até aos níveis que o Comité julga como consistentes com o seu mandato dual”. Para concluir o comunicado afirma que “o Comité continua a observar riscos conjunturais, até certo ponto equilibrados, para a atividade económica e para o mercado de trabalho, embora estejam a manter sob vigilância os acontecimentos externos”.

Com esta postura, confirma-se a tese de que a Fed não quer ser um agente gerador de maiores incertezas, depois de este verão a China ter acrescentado mais tensão aos mercados ao decidir depreciar o renmimbi e aplicar medidas que não deram resultado para travar as fortes vendas nas bolsas chinesas. Pode consultar aqui o comunicado completo e aqui o gráfico das previsões sobre a evolução das taxas de juro realizado pelos membros do FOMC; a grande novidade é que um dos membros já vê as taxas de juro em território negativo no que resta de 2015. Assim o confirmam distintas entidades gestoras. Da Fidelity Worldwide Investment, a sua economista global Anna Stupnytska afirmou que “a combinação de factores internos e externos não é favorável a uma subida das taxas”. Considera que, na parte doméstica, “os fundamentais económicos norte-americanos continuam a ser relativamente sólidos por agora”, embora com divergências. Contudo constata que “a taxa de desemprego se encontra atualmente num ponto médio das estimativas da Fed para a taxa de desemprego natural”, Stupnytska assinala por seu lado que “o crescimento dos salários continua a ser escasso, o que sugere que continua a existir capacidade de sobra no mercado laboral”.

Para além disso recorda que “a inflação tanto a geral como a subjacente, se mantiveram em níveis muito baixos” e poderão permanecer nestes níveis pela combinação da queda dos preços das matérias primas com a fortaleza do dólar. “Não se entende como é que a Fed pode ter uma ‘confiança razoável’ em que as pressões inflacionistas se vão reativar em breve” comenta a economista, que conclui sobre este aspecto o seguinte: “Tendo em conta a incerteza, e partindo do facto de que a Fed tem os seus objetivos de inflação, não estamos perante um contexto de subidas das taxas”.

Sobre os riscos externos, a especialista sublinha “as dificuldades que os mercados emergentes continuam a viver por causa da desaceleração da China, a queda dos preços das matérias primas e as condições financeiras menos expansivas em todo o mundo”. Stupnytska atribui uma grande importancia a este último factor: “Durante o último ano, as condições financeiras nos EUA endureceram consideravelmente por causa da fortaleza do dólar, e este endurecimento agravou-se bastante durante a onda de vendas de agosto, já que as ações caíram e os spreads da dívida se alargaram. Este endurecimento equivale por si só às várias subidas de taxas e, a manter-se, poderá provocar uma desaceleração do crescimento norte-americano no próximo ano (ler mais sobre o “quantitative easing”.

Jeremy Lawson, economista chefe da Standard Life Investements (SLI) também se preocupa com a escalada da volatilidade: “Se o stress continuar a incrementar-se por um efeito de contágio a outros países, gerar-se-ia menos crescimento e seria introduzida a possibilidade de se aplicar um QE4”. Dito isto, a visão da SLI é que “os mercados estão excesivamente preocupados com a situação atual”. O economista indica desta forma que “quanto mais graduais são as mudanças da Fed, menos riscos implicarão. O perigo seria que acontecesse uma mudança abrupta”. No entanto, é possível que a Fed tenha caído na sua própria armadilha, no sentido em que com a sua política de forward guidance tinha sido obrigada a cumprir as suas promesas para não dececionar os mercados. Tal como explicava Iain Stewart, gestor da Newton (parte da BNY Mellon IM), “se os investidores perdessem a confiança na capacidade dos bancos centrais para manter o controlo tanto sobre o crescimento económico como sobre o mercado, isso poderia levar a uma crise mais profunda”.

Paul Brain, diretor de obrigações da Newton, parte da BNY Mellon IM, também incide sobre as possíveis interpretações que a Fed pode fazer sobre o conjunto de dados macro norte-americanos, que por sua vez abre todo um leque de probabilidades para os atores do mercado: ““Os investidores em ações preocupam-se com a taxa de emprego, já que é ligeiramente mais baixa do que o esperado, mas também estão preocupados com a taxa de desemprego , já que é ligeiramente menor e aumenta a probabilidade de que a Fed endureça as medidas. Os dados salariais são ligeiramente maiores e também aumenta o medo de que a Fed faça um mandato para subir as taxas em breve”, indica. Por outro lado, especifica que “ao mesmo tempo, os investidores de obrigações estão centrados no endurecimento da Fed (com maiores salários) e na venda dos chineses (já que gastam as reservas para reforçar os seus mercados). A sua conclusão é de que “a economia dos EUA poderá suportar um endurecimento modesto, mas os preços dos ativos provavelmente não o podem suportar”.

A Fed vai levar o processo com (mais) calma

“A questão sobre quando se deveria producir a primeira subida das taxas está a reavivar o debate, inclusive dentro da própria Fed”, afirma por seu lado Philippe Ithurbide, responsável global de análise e estratégia da Amundi. Na verdade, Ithurbide opinia sobre o calendário de subidas e o seu hipotético começo antes de 2016 “que não poderia ser menos incerto”. O especialista indica que “desde há varios trimestres a curva de futuros tinha evitado as projeções da Fed por uma margen ampla” e, por conseguinte, “ ninguém pensava que se iria ordenar uma normalização urgente da política monetária norte-americana”. Afirma ainda, em contraposição que “por esta altura não faz sentido falar sobre a normalização, porque o ritmo de endurecimento monetário será seguramente mais lento”. Segundo os seus cálculos, o novo ritmo, que será mais gradual do que o dos ciclos anteriores, supõe, no pior dos casos, uma subida de taxas a cada uma das reuniões do FOMC.

Também da Amundi o estratega Mo Ji (sediado em Hong Kong) indica que um estudo realizado pela gestora sobre o comportamento da Reserva Federal ao longo da história demonstra que “quando sobem as taxas de juro geralmente essa subida ocorre muito mais tarde do que o esperado”, e quando as desce, habitualmente o corte acontece muito mais cedo do que o expectável”. No contexto atual, o estratega constata que “as expectativas de uma subida das taxas de juro que agora se adiou uma vez mais de setembro para dezembro de 2015”. Considera ainda que “a velocidade e o grau de abrandamento da economia chinesa se está a tornar um factor cada vez mais importante na decisão da Fed”.