Cotar ou não cotar, eis a questão

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Kris Sage, Flickr, Creative Commons

Aparentemente numa rota de atratividade cada vez mais evidente, Portugal e o mercado nacional voltam a ser tema de discussão. Desta feita, o financiamento das empresas através do mercado de capitais foi o centro da discussão de vários profissionais durante a manhã de ontem, no evento “Via Bolsa”, na Porto Business School. Passando em revista casos recentes de sucesso de entrada na bolsa portuguesa, como os CTT ou o mais recente IPO da Espírito Santo Saúde, foi dado o mote para vários painéis que reuniram opiniões acerca do assunto. O que faz as empresas portuguesas se “aventurarem” tão pouco no financiamento via bolsa de valores? O que lhes é exigido na realidade? E os investidores, que papel desempenham? Estes foram alguns dos tópicos “quentes” abordados.

A abrir as hostes da conferência,  Luís Laginha de Sousa, CEO da Euronext Lisbon, começou por dizer que “o tema da capitalização deve ser um tema partilhado por todos e da preocupação de todos”. Colocando de lado qualquer incompatibilidade entre o financiamento da bolsa e o das instituições financeiras, o Presidente da Euronext Lisbon sublinhou que “só uma visão redutora  achará que uma instituição financeira é concorrente da bolsa”. Precisamente “A proposta de valor da bolsa” foi o tema introduzido por Miguel Geraldes, Diretor de Mercados da Euronext Lisbon, que justificou a falta de ida das empresas aos mercados como uma questão de mentalidade. “Existe alguma confusão entre transparência e segredo para as empresas portuguesas, quando pensam em ser cotadas”, referiu o especialista, que considera existir um grande “espaço para as boutiques financeiras encaminharem as PMEs aos mercados”. No que diz respeito ao próprio caminho que a bolsa tem de traçar,  Miguel Geraldes reforçou que “é necessário identificar melhor os investidores”.

Entrar em bolsa: preparação emocional

O 1.º painel de discussão da manhã foi subordinado ao tema “A decisão de cotar” e contou com a presença de José Gabriel Chimeno, da Deloitte, José Luís Pinto Basto, do The Edge Group, Paulo Bandeira, da SRS Advogados, e Pedro Duarte, do Banco Carregosa. Precisamente para Pedro Duarte “a decisão de cotar tem a ver com a mentalidade das pessoas” e, por isso, “parte significativa das empresas não está emocionalmente preparada para captar acionistas”. José Luís Pinto Basto, por seu lado, referiu que olhando para todas as opções possíveis de financiamento, crescer através do endividamento “já não é opção”. “Olhar para cotação em bolsa deve ser visto como um meio, e não como um fim”, disse. E como se prepara uma empresa para o escrutínio da bolsa de valores? Paulo Bandeira, da SRS, explicou que primeiramente “a decisão de ir aos mercados implica uma mudança no corporate governance, mas também implica alterações por exemplo no report dentro da própria sociedade”.  Em conclusão o elemento da sociedade de advogados reiterou que “o mais importante são modelos de decisão sólidos e transparentes”.

A meio da manhã, o 2.º painel debruçou-se sobre alguns dos factores críticos que ditam o sucesso de entrada na bolsa. A escolha da equipa que vai preparar o processo foi a grande tónica dada por Carlos Costa Andrade, da Uria Menendez – Proença de Carvalho. “É muito importante que os decisores estejam muito bem organizados e que tenham um grande track record”, reforçou. Outro dos factores assinalados foi a excelência na assessoria do processo. João Sousa Leal, da KPMG, referiu mesmo que “os assessores são importantes para saber contar histórias, mas também para conseguir o valor justo, e ainda para que haja sustentabilidade da ação”.

Transformar dívida em equity

Não sendo esquecidas as PMEs portuguesas, e a sua importância no mercado de capitais, inevitavelmente foi tema de conversa também a cotação no Alternext. Subordinado ao tema “PMEs e Mercado de Capitais”, o terceiro painel da conferência contou primeiramente com a opinião de José Carlos Mateus, Administrador da Montepio Investimento, que realçou o envolvimento da entidade nos processos da ISA e do NEXPONOR. “No caso da ISA ocorreu uma das vias tradicionais de acesso ao mercado de capitais, enquanto no NEXPONOR foi uma forma de fazer desalavancagem, transformando dívida em equity”. Precisamente Rui Alpalhão, da Fundbox, sociedade gestora do NEXPONOR, referiu que a introdução deste fundo cotado “levou à Alternext  uma operação de capitalização relativamente alta”. O especialista lembrou que “a desalavancagem não é propriamente um sector sexy”, e neste caso “a solução passou por tornar uma desalavancagem sem “sal” em algo atrativo”. 

Investidores com know how

O debate relativo ao “sentimento dos investidores” contou com alguns nomes da gestão de ativos em Portugal, mas também com o contraponto feito por Luís Reis, da Sonae SGPS, que apresentou a sua perspetiva face à cotação em bolsa da empresa. “Gosto cada vez menos da palavra investidor, e mais acionista, porque privilegiamos aqueles que estão connosco e têm debates inteligentes”. No que diz respeito à perspetiva dos investidores, Raul Marques, da APAF, reforçou que a análise financeira é uma parte essencial na escolha dos títulos. “É necessário casar o valor e os emitentes, com o interesse dos investidores”. No que concerne à política de investimento adoptada na escolha de determinada empresa, Manuel Puerta da Costa, da BPI Gestão de Activos, começou por explicar que “os gestores de ativos têm que ser excelentes analistas financeiros e, por isso, as políticas de investimento são essenciais para se saber em que tipo de ações ou obrigações se quer investir”. Joaquim Luiz Gomes, da Dunas Capital, reiterou que considera vários factores na escolha das empresas, nomeadamente o retorno de capitais próprios (ROE), mas também dá uma grande importância por exemplo ao price booking ratio.  O especialista sublinhou no entanto que “as empresas precisam de se dirigir a investidores que percebam a perspetiva de crescimento dessas mesmas empresas”.

No último painel da conferência, designado ao tema “Estratégias de saída”, Rodrigo Guimarães, da Explorer Investments deixou a nota de que existe uma “dualidade entre private equity e bolsa”, já que “o private equity não pode investir em empresas cotadas”.