Crise energética: Europa prepara-se para um inverno difícil

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Créditos: Ilse Driessen (Unsplash)

A Europa prepara-se para um inverno difícil. As restrições aos fluxos de gás natural da Rússia para os países da UE após a invasão da Ucrânia, em fevereiro, continuam a constituir uma ameaça para as economias do continente. O gasoduto Nord Stream 1, o principal canal que abastece a Alemanha e, consequentemente, a Europa, sofreu na semana passada uma nova paragem para atividades de manutenção. Uma situação semelhante à que ocorreu no final de julho, quando o gasoduto foi encerrado por uma razão semelhante e depois voltou a funcionar, mas a uma velocidade reduzida para metade. 

A Rússia é um dos maiores exportadores de gás para o velho continente e a redução dos abastecimentos coloca em sérias dificuldades o objetivo da UE de abastecer os armazéns durante o inverno. "As melhorias significativas no armazenamento de gás e na diminuição da procura de gás podem não ser suficientes para compensar as necessidades de consumo da Europa nos próximos meses de inverno", é o aviso que deixa a equipa global de Estratégia de Crédito da Algebris.

Como resultado deste choque de abastecimento, o preço do gás na TTF (Title Transfer Facility) em Amesterdão, referência para a Europa, disparou nas últimas semanas, atingindo um recorde de 339 euros/MWh no dia 26 de agosto. Durante a semana passada, os preços caíram abaixo dos 300 euros, caindo esta sexta-feira que passou para cerca de 240 euros/MWh. Mas a perturbação dos preços poderá continuar, com pesadas consequências para as atividades económicas. "Em Amesterdão, a taxa de juro forward aumentou nove vezes desde a primavera passada", nota Rob Lambert, analista corporativo sénior da BlueBay Asset Management.  "Isto está, por sua vez, a influenciar as perspetivas para a produção industrial e a alimentar os receios de recessão", observa o especialista que acrescenta: "Os preços do gás e, portanto, da eletricidade, dado que o gás é o elemento que define o preço marginal, parecem destinados a manter-se voláteis até 2023". 

Inflação energética

A subida dos custos energéticos está a ter um grande impacto na inflação da zona euro. Na semana passada registou uma nova subida, situando-se nos 9,1% em agosto, contra 8,9% em julho. E em particular, de acordo com os dados do Eurostat, o setor energético é o que está a ter maior influência na corrida aos preços, com um aumento de 38,3% em agosto. E o aumento dos custos energéticos não parece destinado a parar. "Esperamos novos aumentos para manter a inflação energética e a inflação global elevadas no segundo semestre deste ano, o que, por sua vez, reduzirá a capacidade de gastos das famílias", refere Azad Zangana, economista europeu sénior e estratega da Schroders. O gás natural é utilizado para aquecer cerca de metade das casas da Europa e alimenta uma grande parte do setor industrial e muitos governos estão a preparar planos de racionamento para o inverno. "Apesar dos investimentos consideráveis em energias renováveis, estas ainda representam menos de 20% do mix energético europeu", nota Lambert. Portanto, a dependência do gás natural para aquecimento, arrefecimento e do setor industrial continuará elevado, comenta. 

Alemanha e Itália em dificuldades 

"Estamos numa fase de crise do gás e a Alemanha é o seu epicentro", continua Lambert. De acordo com a Agência Europeia de Cooperação dos Reguladores de Energia, a economia alemã depende da energia fiável e de baixo custo da Rússia para alimentar cerca de 49% da sua indústria transformadora. "A Alemanha não tem atualmente nenhum terminal de gás liquefeito de GNL que possa compensar a redução das importações através do gasoduto Nord Stream 1", nota Randeep Somel, gestor do M&G (Lux) Climate Solutions Fund. Em julho, o índice alemão IFO business climate caiu para 88,6 pontos, abaixo dos 92,2 em junho, atingindo o seu nível mais baixo desde junho de 2020. "Isto indica que as empresas esperam que o negócio se torne muito mais difícil nos próximos meses", diz. Segundo Lambert, existem poucas soluções a curto prazo para compensar a cessação do fornecimento de gás russo. "A Europa tem planos para adicionar mais de 100 mil milhões de metros cúbicos de capacidade de regaseificação de GNL, um aumento de 50% em relação à capacidade atual, mas isso levará vários anos", nota. "A atual capacidade de regaseificação também está concentrada em regiões como Espanha, que não têm a capacidade de interconexão necessária para chegar aos mercados que mais precisam, como a Alemanha e a Itália", diz. 

Esperando pela primavera

A Alemanha iniciou a construção de quatro terminais flutuantes para importar gás liquefeito alternativo ao gás russo e duas instalações permanentes em terra. O governo alemão espera que duas das quatro instalações flutuantes estejam operacionais antes do final do ano. Além disso, foram assinados contratos com o Qatar, o Azerbaijão, o Canadá e os EUA para entregas de GNL. E Itália, França, Grécia, Holanda e Polónia também estão a construir novas fábricas. "Resta saber a rapidez com que a infraestrutura pode ser implementada para começar a receber entregas", nota Somel. Apesar da complexidade do momento, o especialista da M&G Investments observa sinais positivos. Mas primeiro teremos de ultrapassar o obstáculo dos próximos meses. "Este inverno será provavelmente difícil para os consumidores, bem como para as indústrias em toda a Europa", comenta. "Dentro de exatamente um ano devemos estar numa posição muito melhor, uma vez que as importações de energia não estarão tão concentradas em apenas um produtor", explica. Além disso, o perito da M&G olha com confiança para o plano rePowerEU da Comissão Europeia. "Ajudará a promover a segurança energética e a estimular a concretização dos objetivos de descarbonização da União", analisa. "Embora a UE já tenha um plano de descarbonização em vigor, estas metas serão antecipadas", continua. "Como parte do plano de diversificação energética, a UE propõe aumentar a meta de energia limpa para 2030 para 45% dos atuais 40%. Além disso, disponibilizará capital até 210 mil milhões de euros, bem como um plano de redução da burocracia, para que os projetos solares e eólicos possam ser concluídos muito mais rapidamente", conclui.