Discovery Fund: “Mantemos as nossas posições por um longo período de tempo”

Francisco Louro
Vítor Duarte

O Discovery Fund tal qual como o conhecemos hoje não é propriamente um produto antigo no mercado. Viu a luz do dia em 2018 quando a Lynx e a BlueCrow se juntaram para o que apelidam agora de “exercício complexo”, que é o de gerir um produto a quatro mãos. Tudo aconteceu quando chegaram a acordo para dar uma nova vida ao Lynx Multiativos, transformando-o num fundo de investimento direto, com um perfil moderado, que investe diretamente em ativos listados nos mercados globais ou em plataformas de negociação. Um ano mais tarde o fundo mudou ligeiramente a sua perspetiva de investimento, quando a Lynx propôs “a transição do Discovery Fund para uma posição de maior risco, na expectativa de cobrir uma área do mercado dos fundos em Portugal que está ainda pouco explorada, os fundos flexíveis com foco predominante no mercado de ações”.

É nestes moldes que opera atualmente o Discovery Fund, que apresenta como entidade gestora a Lynx, e como advisor a BlueCrow. Este exercício de gerir um fundo entre dois escritórios é, como dizem os próprios responsáveis das duas entidades, “um exercício complexo”, quase como “tocar piano a dois”. Rita Neves, responsável pela área de investimentos da Lynx e António Mello-Campello, partner da BlueCrow Capital, descrevem como essencial neste processo manterem “uma “linha aberta” de comunicação e debate sobre a situação atual e as perspetivas futuras”. 

Dupla abordagem

O foco do produto é portanto o investimento em bons negócios, e a partir dessa base definiram uma abordagem que se divide em duas linhas. Por um lado, na análise quantitativa  observam “quais as empresas que têm crescido mais ao longo dos últimos anos e que continuam historicamente a crescer acima das suas projeções”. Definem como critérios a este nível a presença de empresas com elevada liquidez no mercado (geralmente capitalização bolsista acima dos 20.000 milhões e transações diárias acima de duas vezes a posição do fundo), e cujo acompanhamento seja feito de forma contínua por um número relevante de analistas. Por outro lado, a análise fundamental pode dizer-se que bebe da experiência dos profissionais. É efetuada, como explicam, “com base na informação disponível em mercado, que ao longo dos últimos 20 anos de experiência” foi “refinando, estudando e identificando as melhores fontes”.

Estes inputs de cada uma das linhas de abordagem acabam por resultar “num portefólio concentrado de empresas de alto crescimento, muitas ainda geridas pelos fundadores, com grandes quotas de mercado e elevadas taxas de crescimento nos mercados em que operam, com negócios dominantes, com uma capacidade excecional de alavancagem do seu negócio,  (conhecida como moat em inglês) que  permite aumentar as suas receitas, fluxos de caixa e ganhos por um longo período de tempo, idealmente vários anos, sem qualquer concorrência séria”. Normalmente, acrescentam os dois profissionais, esse tipo de empresas acaba por estar no setor de tecnologia, com uma liderança formada por “fundadores visionários com interesse pessoal no desenvolvimento destas companhias”.

Posicionamento de longo prazo

O valor do negócio subjacente de uma empresa que entra em carteira acaba por ser o grande foco da gestão. Quando investem, a intenção é a de manter as empresas em carteira por um longo período de tempo. Como explicam, para além do valor do negócio, também “a qualidade da equipa de gestão e dos mercados subjacentes” são outro factor que entra em análise. “Nunca nos devemos esquecer que na base de todos os mercados está a lei da oferta e da procura, e na nossa opinião o mercado de ações, embora extremamente líquido, não foge a essa regra. Assim, nem sempre o valor de uma empresa está refletido no preço”, adicionam.

Tendo em conta esta política de manutenção longa de posições, naturalmente que as razões de venda de um título são bastante restritas. “Existem cinco razões principais para justificar a venda de uma posição”, referem à FundsPeople, enumerando-as. Primeiro, “quando uma empresa tem receitas a crescer menos de três vezes a taxa de crescimento da economia mundial, ou no mercado onde opera, no caso de PME”. Segue-se o critério da deterioração da gestão, ou uma maior instabilidade notada nos quadros principais das empresas. O terceiro alerta é quando a competição das empresas reduz as margens de lucro e novos players se tornam relevantes (redução do “moat”), o que antecede a quarta condição de venda: “quando surge uma nova oportunidade de investimento que apresenta maior potencial no médio longo prazo”. Por último, os dois profissionais apontam a condição mais óbvia de venda: a necessidade de liquidez para fazer face a resgates.

A equipa de gestão é “implacável”, e tirando os motivos enunciados, não há justificação para a venda de  posições. “Partimos do pressuposto de que os mercados funcionam em ciclos, assim como a vida de todas as empresas, e que por isso os mercados irão subir e descer. A única verdade duradoura é que a economia é baseada em alguns princípios (inflação monetária, produtividade, inovação, espírito humano, crescimento populacional, abundância de capital, etc.), e que o mercado de ações está desenhado e baseado nestes pressupostos inabaláveis, para ir subindo com o tempo. Por estas razões, mantemos  as nossas posições por um longo período de tempo. Com o tempo, negócios de qualidade sempre aumentarão em valor e preço”, detalham.

  Eleições americanas na mira

Atualmente a carteira do fundo posiciona-se com uma posição longa em ações, de aproximadamente 90% neste mercado, havendo lugar para empresas baseadas nos EUA, China e África do Sul, “mas com negócios verdadeiramente globais”. Os ajustes na carteira têm vindo a ser feitos, e a aproximação das eleições norte-americanas têm sido o seu motor. “Comprámos recentemente uma posição de proteção no Nasdaq 100 e S&P 500, na expectativa de um aumento de volatilidade nestes mercados com o aproximar das eleições americanas e o inevitável aumento de retórica “política” sobre as relação EUA-China e a recente medida tomada pelo presidente Trump contra algumas das empresas tecnológicas Chinesas a operar globalmente”, explicam.

Recuando um pouco aos tempos de início de pandemia, a equipa foi ágil nos seus movimentos. Em fevereiro tinham uma posição de cobertura do risco da carteira de aproximadamente 17% do portefólio, que foram aumentando com a queda, permitindo assim “absorver grande parte da queda registada no primeiro trimestre”. Um mês mais tarde, “a carteira tinha uma posição longa de 80% e uma posição de cobertura (através de ETFs) de 16%”. A queda de rentabilidade, assinalam, não tinham ido além dos 9,40%. Seguiu-se abril com uma redução gradual da posição de proteção: “Ficámos longos em 90% da carteira”. Por fim, em agosto começaram gradualmente a “criar uma posição em opções de venda sobre o Nasdaq 100 e S&P 500”, já referida. 

O setor tecnológico é agora aquele que merece maior atenção por parte da equipa, pois “as crescentes desigualdades nas valorizações de algumas empresas, principalmente no sector tecnológico, podem levar a uma maior correção deste setor”. Assinalam “o impacto das mais recentes decisões da Casa Branca sobre algumas das mais desenvolvidas empresas tecnológicas chinesas, e o impacto destas medidas em empresas como a Apple (será que mercados como o chinês aceitam um telefone que não pode trabalhar com a WeChat?)”. Na opinião dos especialistas, “estamos ainda no início desta nova guerra pela supremacia tecnológica, que será travada na nova plataforma comercial, a internet”.

Longe de quererem replicar um índice, a equipa de gestão do Discovery Fund está bem ciente de que o seu trabalho passa por “usar uma metodologia de escolha e seleção de empresas e investir nesses negócios com uma perspetiva de longo prazo”. Pensam, portanto numa carteira que “deverá investir em 15-20 nomes, tendo por isso uma alocação bastante estreita, e por essa via mais risco”. A convicção no trabalho que fazem é grande: “Acreditamos na nossa política de investimento, e os resultados falam por si!”, concluem.

Recentemente, a Bloomberg coloca o fundo no top 10% a 3 anos, 1 ano e Ytd na sua categoria de fundos.

(Legenda da foto, da esquerda para a direita: António Mello-Campello e Duarte Calheiros (BlueCrow Capital), Rita Neves e Francisco Louro (Lynx))