Eleições gerais na Holanda: o que está em jogo?

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Juan Enrique Gilardi, Flickr, Creative Commons

A Holanda abrirá a agenda eleitoral europeia no próximo dia 15 de março, com as eleições para a Câmara dos Representantes. Tendo em conta os rumores de um possível Nexit, no caso de vitória da formação antieuropeia PVV, a economista Anna Stupnytska, da Fidelity International, analisa quais poderão ser as opções e o que podem esperar os investidores.

Em primeiro lugar, umas luzes relativamente ao sistema de governo holandês. A Câmara dos Representantes é composta por 150 assentos. O sistema de lista partidária com representação proporcional dá lugar a um grupo relativamente grande de grupos parlamentares, o que exige negociações entre os vários partidos para formar governo. “Frequentemente, o número de lugares obtidos no dia das eleições não é um fator decisivo para a formação de um governo; por outro lado, a capacidade dos partidos para negociar coligações é essencial”, explica a especialista. O período médio de negociação de uma coligação é, desde 1946, de 89,5 dias.

Os três tradicionais partidos holandeses são o CDA (cristãos democráticos), o PvDA (trabalhista/social democrata) e o VVD (liberal e de centro-direita), ainda que todos tenham perdido votos nos últimos anos. Na verdade, a Holanda tem vivido fases contínuas de instabilidade desde o começo do século XXI: “Desde 2002, só o governo mais recente (VVD com o PvDA) chegou ao fim da sua legislatura, ao passo que o fracasso das coligações provocou a marcação de eleições antecipadas em 2003, 2006, 2010 e 2012”, disse Stupnytska.

Neste evento eleitoral, a novidade tem sido o facto de que o VVD superou as intenções de voto do PVV, liderado por Geert Wilders. Este é um partido que a especialista define comopopulista, anti-UE e de extrema direita”. Segundo as sondagens, o PvDA poderá perder a maioria dos 38 lugares que obteve em 2012, e será pouco provável que o CDA recupere da derrota sofrida em 2010.

O cenário central da Fidelity

As sondagens atuais apontam para o PVV como o partido que atrairá maior número de lugares. Contudo, a economista indica que “uma coligação liderada pelo PVV, com Wilders como primeiro-ministro, encontraria obstáculos significativos”. Por um lado, tanto o VVD, do atual primeiro-ministro Mark Rutte, como o eurocético Partido Socialista (PS) descarta um acordo com Wilders. O CDA poderá tornar-se um parceiro incómodo para o PVV, tendo em conta que o colapso eleitoral em 2010 teve como principal causa o fracasso do pacto com este partido. Stupnytska acrescenta que “é difícil que Wilders, que se vê como um outsider radical antissistema, faça concessões relativamente às suas políticas extremas”.  

Na Fidelity veem como resultado mais provável “uma negociação prolongada que derá lugar a outro governo liderado pelo VVD com Rutte como primeiro-ministro”. Para tal, “necessitará do apoio do CDA, do centrista D66 e do GroenLinks (Partido Ambientalista)”. Como a mais recente série de sondagens lançou 73 lugares para a combinação destas formações, a representante da Fidelity acredita que se conseguirá os últimos três lugares restantes para chegar a maioria com o apoio de um quinto parceiro. Entre as opções que sobram, figuram o 50Plus (interesses dos aposentados), a União Cristã (Christen Unie, de centro-direita) ou o PvDA, que parece a opção mais provável porque é parceiro da coligação que forma o governo atual.

A materialização desta grande coligação será “bastante favorável para a integração europeia”. Mas com um esclarecimento: “Independentemente da constelação exata dos partidos governantes, é muito provável que o próximo governo tente conseguir algumas reformas na UE, numa tentativa de acalmar os sentimentos populistas, eurocéticos e anti-imigração estimulados pelo PVV de Wilders.  

Cenários alternativos

Stupnytska avisa que “não se pode descartar que o VVD recue na sua promessa anti-Wilders, possivelmente com uma renúncia de Rutte para levar a que se construa uma coligação entre o VVD e o PVV”. Ainda assim, segundo as sondagens atuais, continuarão a necessitar do apoio de outros partidos para formar maioria, “o que, provavelmente, terá um custo inaceitável para Wilders”.  

De facto, a economista afirma que “fora dos partidos tradicionais, Wilders tem poucas oportunidades para uma coligação”. A matemática não falha: se cria um pacto com o conservador SGP, necessitará, ainda, de outros 45 lugares. Se acordar que não será aumentada a idade da reforma, poderá atrair os 9 lugares do 50Plus. Mesmo que acrescente um outro acordo para atrair a União Cristã, só sobrarão 46 lugares no total.

Ainda que Wilders uma posição de controlo no próximo parlamento, Stupnytska considera que “um referendo legalmente vinculativo sobre o Nexit continuará a ser pouco provável”. Isto deve-se à legislação holandesa, que estabelece que os referendos públicos não são vinculativos. “Ambas as câmaras do Parlamento terão que aprovar uma lei que permitiria uma votação ao estilo do Brexit. A lei para celebrar um referendo vinculativo tem sido debatida, mas exige uma maioria de dois terços em ambas. O Senado ou um outro dos partidos mais pequenos de uma possível coligação com Wilders, talvez o D66 ou o PvDA, certamente que vetariam uma votação sobre o Nexit”, resumiu a economista.

Reação do mercado

A incerteza relativamente ao resultado eleitoral já se reflete no preço. A economista destaca que “os spreads dos títulos holandeses, juntamente com os franceses e os italianos, foram ampliados devido à intensificação da preocupação relativamente aos resultados políticos anti-sistema durante o último mês”. Stupnytska insiste na sua mensagem de tranquilidade: uma grande coligação “não significará uma mudança substancial nas perspetivas da política holandesa”, e até “poderá ser um dos catalisadores de uma maior integração europeia, o que seria positiva para o mercado”.

No curto prazo, “a rápida formação de uma nova coligação sem o PVV poderá ser vista, provavelmente, como um sinal (provisório) de derrota da insurgência populista na Europa, o que pode supor um certo alívio no período que antecede a segunda volta das eleições em França”. Contudo, relembra que a incerteza poderá manter-se durante algum tempo, uma vez que a negociação da nova coligação levará algumas semanas. “Isto teria um efeito negativo na negociação da dívida grega (supondo que não se chega a nenhum acordo antes de 15 de março), assim como nas negociações do Brexit, já que algumas decisões relativamente a este tema possam ter que ser adiadas até à tomada de posse de uma coligação nos Países Baixos”, conclui.