Após a rápida sucessão de acontecimentos, os gestores de ativos internacionais explicam as diferenças em relação a 2008, os principais prejudicados da atual crise e como o preço do risco de crédito terá de ser revisto em alta, começando pelos AT1.
Registe-se em FundsPeople, a comunidade de mais de 200.000 profissionais do mundo da gestão de ativos e património. Desfrute de todos os nossos serviços exclusivos: newsletter matinal, alertas com notícias de última hora, biblioteca de revistas, especiais e livros.
Para aceder a este conteúdo
Os movimentos recentes nos mercados obrigacionistas têm sido de magnitude histórica. Assim, as obrigações a dois anos dos EUA passaram de 5% a 8 de março para 3,9% uma semana depois. Estes movimentos só são comparáveis aos que ocorreram durante a crise sistémica de 2008. As razões são óbvias: na sequência da recente falência de três bancos regionais norte-americanos (ligados a start-ups californianas ou criptomoedas), os investidores duvidam da saúde de outros bancos em dificuldades, como o Credit Suisse na Europa ou o First Republic Bank nos EUA. Atacaram ativos isentos de risco e fugiram de ativos bancários, incluindo os mais fortes. A violência destes movimentos deixou indubitavelmente a sua marca.
Nos Estados Unidos, as tensões afetam essencialmente atores não sistémicos que se aproveitaram da expansão da galáxia tecnológica num período de dinheiro barato e de flexibilização das regulamentações sobre pequenos bancos sob a presidência de Trump. Na Europa, essas tensões pairavam sob o Credit Suisse até ao último domingo. A pergunta que os investidores estão a fazer neste momento é muito clara: estamos perante o início de uma nova crise bancária? De acordo com Steven Bell, economista-chefe para EMEA da Columbia Threadneedle Investments, existem três grandes diferenças entre a crise atual e a crise financeira global.
As três principais diferenças em relação à crise financeira mundial de 2008
“Em primeiro lugar, a inflação está agora bem acima da meta nas economias desenvolvidas e tem excedido persistentemente as previsões do banco central. Isto limita a sua liberdade de manobra. Em contrapartida, a inflação subjacente estava baixa nos EUA e na Europa antes do colapso do Lehman Brothers em 2008 e seguia uma tendência descendente há décadas. Em segundo lugar, o sistema financeiro tinha então uma enorme exposição alavancada ao setor imobiliário. A exposição dos bancos britânicos ao setor imobiliário ultrapassou os 100% dos seus depósitos. Finalmente, tivemos a crise financeira global e a regulação financeira foi muito reforçada”, afirma.
Alexis Bienvenu, gestor da La Financière de l'Echiquier, concorda que o que aconteceu em 2008 nos protege, em certa medida, de uma reedição. “Mesmo no caso adverso de um novo grande banco mostrar fragilidade que até agora passou despercebida, é indiscutível que o setor bancário e de seguros como um todo foi consideravelmente fortalecido pelas medidas prudenciais adotadas em todo o mundo após a crise de 2008. Isso não significa que tudo seja à prova bala, mas a tempestade teria de assumir proporções gigantescas para que o sistema fosse severamente afetado”, afirma.
Principais prejudicados
As tensões atuais, apesar de localizadas, vão ter consequências para o resto da economia. “Aos bancos médios norte-americanos pode-se impor uma regulação mais rigorosa, precisamente para que o risco de solvência seja reduzido em caso de turbulência, às custas de uma redução da sua oferta de crédito. Ao crescer menos e não conceder tanto crédito, os bancos estariam menos propensos a financiar as empresas mais aventureiras, que são por vezes a chave do sucesso de uma economia, ou a apoiar as empresas mais endividadas, que por vezes são essenciais para o resto da economia”, afirma Alexis Bienvenu.
Neste sentido, o setor imobiliário comercial norte-americano perfila-se com um dos grandes prejudicados. As famílias também podem sofrer com estas restrições num momento em que sofrem com a subida das taxas de juro dos empréstimos.
Debilidades idiossincráticas
Para Paul O’Connor, responsável de Multiativos da Janus Henderson, as medidas decisivas dos responsáveis políticos para proporcionar liquidez quando necessário tranquilizam-no. "Embora pareça errado interpretar os recentes acontecimentos nos bancos americanos e europeus como os primeiros sinais de uma grave crise bancária global, também seria provavelmente errado vê-los como acontecimentos isolados dentro de um vasto sistema financeiro. As crises bancárias de elevado perfil dos últimos dias refletem mais a debilidade dos modelos de negócio e de tomada de decisões questionáveis mais isoladas do que os problemas sistémicos associados às crises das hipotecas de alto risco dos EUA e à crise financeira da zona euro que se seguiu", sublinha.
Esta opinião coincide com a de Elisa Belgacem, estratega sénior de Crédito na Generali Investments, que considera que tanto a queda do Silicon Valley Bank como a aquisição forçada do Credit Suisse pelo UBS são o resultado de uma má governance. Mas também surgem de um contexto de normalização extremamente rápida da política monetária que criou milhares de milhões de perdas não realizadas no sistema financeiro que os colocou sob pressão. “Isto traduziu-se numa perda de confiança dos clientes, levando-os a retirar rapidamente os seus fundos dos bancos vistos como débeis. Embora os bancos estejam melhor capitalizados do que em 2008, especialmente na Europa, é provável que a fuga de depósitos dos bancos mais pequenos para os maiores e mais seguros continue”.
Para Gilles Moëc, economista-chefe da AXA IM, o problema do Credit Suisse não é novo, nem foi especialmente afetado pela subida das taxas de juro. “De facto, o mais provável é que tivesse problemas semelhantes independentemente das condições monetárias”. Na sua opinião, dada a dimensão do banco suíço, o problema é o contágio, com o risco de que se produza uma paralisação dos empréstimos interbancários. “Por essa razão, era essencial encontrar rapidamente uma solução para o Credit Suisse. A solução do UBS implica uma depreciação de um segmento específico dos passivos financeiros do Credit Suisse, deixando as obrigações de maior prioridade intactas”.
O preço do risco de crédito terá de ser revisto em alta
Na sua opinião, dado que o abrandamento do crédito é um indicador avançado muito sólido do PIB, os acontecimentos dos últimos 10 dias, em igualdade de condições, significam que o mundo desenvolvido experienciará um menor crescimento e potencialmente uma menor inflação. “Por isso, o preço do risco de crédito terá de ser revisto em alta. No caso dos mercados de crédito, começará pelos AT1, uma vez que a FINMA, o supervisor suíço, decidiu ignorar a hierarquia dos credores ao depreciar totalmente a dívida mais júnior do Credit Suisse, mas não as ações”.
Na sua opinião, os spreads das obrigações high yield também devem continuar a aumentar para refletir as perspetivas económicas mais débeis, mas também as prováveis difíceis condições de liquidez. “Os setores mais alavancados estarão sob pressão, começando pelo capital de risco e os fundos de investimento e, possivelmente, as energias renováveis”, prevê.
De acordo com Raphael Olszyna-Marzys, economista na J. Safra Sarasin Sustainable AM, o limitado aumento, até agora, do spread entre a taxa interbancária e a yield das obrigações do Tesouro aponta para a probabilidade de que esta crise de confiança seja em grande medida de liquidez e não de solvência. “Nesse caso, os diferentes planos postos em marcha durante o fim de semana devem conseguir cercar os bancos regionais e limitar a fuga de depósitos dos mesmos”, conclui.
