Os dois fundadores da entidade gestora britânica partilham algumas que consideram ser as tendências impactantes nos seus portefólios e comentam assertivamente e com muito ceticismo as mais vincadas da indústria de gestão de ativos.
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Os dois fundadores da entidade gestora boutique, Terry Smith e Julian Robins, tem sob a sua responsabilidade, o sucesso, tanto em termos de retornos como de ativos sob gestão, do Fundsmith Equity. Um reflexo desse sucesso é que o fundo ostenta novamente em 2024 o Rating FundsPeople, tanto pelas suas caraterísticas de risco e retorno face aos seus peers, como por ocupar top of mind de uma quantidade relevante de selecionadores de fundos do universo FundsPeople.
A FundsPeople teve a oportunidade de conversar com ambos, e além de todas as reflexões e informações sobre a entidade e a estratégia que destacámos num anterior artigo, os gestores e fundadores da Fundsmith comentaram tendências que impactam os seus portfólios e o negócio de gestão de ativos em geral. Entre elas, os ETF e o marketing de fatores ESG são duas tendências que Terry Smith encara com muito ceticismo.
A começar pelo primeiro conjunto de tendência, são várias as de longo prazo que Terry Smith vê impactar as empresas em carteira. Primeiramente, a "consumerização do mundo emergente". "À medida que as pessoas ultrapassam um certo nível de rendimento, tornam-se consumidores na mesma escala que muitos de nós, no mundo desenvolvido", diz o gestor. Além disso, e além do mundo emergente, acredita também que a forma como se consome está a mudar. "Não estamos, em média, a beber mais, mas estamos a beber melhor", algo que se apelida de premiumização do consumo.
Apesar de gostar de empresas do setor de consumo, o gestor identifica, no entanto, um problema sério entre as empresas deste setor no pós COVID: a incapacidade de crescer as vendas em termos de volume. “Grande parte das empresas têm atravessado bem o período de inflação elevada, mas através de subidas de preços. É positivo quando a empresa tem a capacidade de subir preços enquanto cresce em volume, mas não o é quando o crescimento vem às suas custas. Não é uma estratégia sustentável vender menos e menos, a preços mais e mais elevados”, explica.
Já na saúde são várias as tendências que Terry Smith identifica e que impactam a sua carteira, carteira essa que reflete o sentimento positivo que a equipa tem perante o setor da saúde. Por um lado, o gestor refere o acesso que temos vindo a ganhar a intervenções e terapias que antes não eram tão simples, baratas ou confiáveis, como a correção de problemas de visão, auxiliares de audição ou cirurgias ortopédicas. Destaca com mais importância, no entanto, os medicamentos para controlo de peso, em que a Novo Nordisk, uma das empresas na carteira do Fundsmith Equity, se encontra na linha da frente. “Será muito impactante se conseguirmos efetivamente controlar a obesidade”, exclama. No entanto, alerta para os efeitos de segunda ordem. “Estes medicamentos suprimem o apetite. Se uma pessoa tem menos tendência para a obesidade, de que forma isso vai impactar o mercado de cirurgia ortopédica. Por outro lado, há muitos candidatos a cirurgia que não as podem fazer por causa do peso. Poderá resultar em mais cirurgias?”, questiona. Finalmente, uma referência para a China. “É a segunda maior economia do mundo. É um grande produtor mundial, mas também um grande consumidor e está claramente com problemas”, alerta.
“É difícil disputar o princípio de que temos que ser responsáveis e sustentáveis nos investimentos, mas…”
Entrando nas grandes tendências de negócio da gestão de ativos e começando pelos fatores ESG, Terry Smith lembra que não são algo indiferente à entidade e aos seus fundos. “Temos uma equipa de stewardship que inclui cientistas do ambiente e uma versão sustentável do nosso fundo de ações que gerimos em paralelo com o original”, diz. Segundo conta, a equipa faz um trabalho de campo e de recolha de dados muito profundo e considera uma imensidade de dados relacionados com a sustentabilidade nas análises e gestão. Julian Robins, o responsável do comité de stewardship na gestora relembra, no entanto, que não é um pilar central na estratégia. “Se queremos ter uma abordagem de investimento ESG bem sucedida não nos podemos desviar daquilo que é investir numa boa empresa. Assumindo que qualquer investidor em estratégias ESG quer ter como resultado bons retornos dos seus investimentos, a base de qualquer produto de investimento tem que ser, na nossa perspetiva, investir em bons negócios. Se formos capazes de fazer isso no contexto da regulação ESG que o regulador impõe, tudo ficará bem. O mais complicado é quanto começamos a ter que nos afastar desses critérios”, expõe.
A forma como a indústria em geral aborda o tema é algo que encaram com muito ceticismo, como referido. “Na minha vida em serviços financeiros, mais de 50 anos, seja o que for que surge de novidade, não interessa quão bom é o desenvolvimento inicialmente, vai ser mal vendido”, conta Terry Smith. Dá como exemplo os derivados de crédito que foram “completamente mal utilizados e rebentaram com o sistema financeiro”.
“No que diz respeito ao ESG é difícil disputar o princípio de que temos que ser responsáveis e sustentáveis nos investimentos, mas muito do que se faz emerge como uma estratégia de marketing e nada mais. Isto é verdade para uma grande quantidade de fundos e uma grande quantidade de empresas. Um olhar para o que estão a fazer mostra que estão no negócio de greenwashing e a usar estas credenciais como uma estratégia de marketing”, afirma.
“O que é que se ganha com o “ET”, Exchange Traded, de ETF?”
Já no que diz respeito ao crescimento do mundo dos ETF que, como diz Terry Smith, “atingiu o mundo dos investimentos como uma tempestade”, é algo que o gestor vê como muito mal compreendido. Antes de mais, considera que se confunde muito um ETF com gestão passiva, enquanto que o que diferencia essencialmente os ETF dos fundos tradicionais são a letra E e a letra T. “A principal pergunta que faço às pessoas que investem através de ETF é: o que é que se ganha com o “ET”, Exchange Traded, de ETF? Quantos investidores precisam de realizar trading de um fundo intraday? Para a maioria dos investidores não ser capaz de fazer trading intrayear seria uma boa coisa”, afirma assertivamente.
Especialmente para o investidor de retalho, Terry Smith faz uma recomendação. “A maioria dos fundos tradicionais negocia diariamente. Seja qual for a estratégia que se quer seguir, ativa ou passiva, usem um fundo tradicional”. “Já se a discussão for uma que me parece fazer mais sentido, de ativo versus passivo, a verdade é que acredito que para a maioria dos investidores, passivo é uma excelente escolha. O gestor ativo médio, por definição, vai apresentar uma underperformance, porque tem custos. Um fundo passivo não é passivo porque não tem uma estratégia. É passivo apenas no sentido que segue um índice”, explica.
“O setor da gestão de ativos é, por excelência, um negócio de pessoas”
Outras duas tendências que emergiram nesta conversa incluem a palavra concentração. Concentração em termos do negócio de gestão de ativos e concentração em termos de retornos, em poucas empresas cotadas. No que se refere à primeira, e considerando que Terry Smith destacava noutro artigo baseado nesta conversa, o facto de terem começado este projeto com poucas pessoas, a verdade é que a indústria tem ficado cada vez mais concentrada e é um ambiente muito menos amigável para uma boutique como a Fundsmith, nascer. “O mercado está muito mais difícil em comparação com quando começámos. As dificuldades em conseguir a infraestrutura hoje em dia em termos de compliance e operações é significativamente superior”, atesta. E para o gestor, a indústria perde com isso. “O setor da gestão de ativos é, por excelência, um negócio de pessoas e os melhores negócios de pessoas são os que pertencem e são geridas pelas pessoas que nelas trabalham”, diz.
“Estas coisas raramente têm um final feliz”
Finalmente o coletivo que ocupa mais títulos dos jornais económicos: as Magníficas Sete. Para Terry Smith, a concentração dos retornos em poucas empresas dos índices não é nada saudável para os mercados, mas… as magníficas sete não são, propriamente, uma estreia. “No ano de 2000 a Goldman Sachs publicitou um conjunto de ações que chamava de Super Sete, num conjunto similar de circunstâncias e cuja performance foi terrível nos cinco a 10 anos seguintes. Estas coisas raramente têm um final feliz”, alerta.
Também a conjuntura que levou a esta concentração é, para o gestor, preocupante, nomeadamente “toda esta excitação sobre a inteligência artificial. Não acredito que haja alguém que tenha uma visão clara de quais serão os benefícios ou desvantagens da inteligência artificial. Estou certo que nós não sabemos e muito confiante que uma grande parte das pessoas que dizem que sabem, não sabem mais que nós”, termina.