Franklin Templeton: “Vai existir uma escassez de obrigações por causa do QE do BCE”

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David Zahn é o responsável de obrigações europeias da Franklin Templeton Investments, atuando a partir do escritório de Londres. O especialista expressa-se de uma forma clara, concisa e com um discurso efetivo no que toca a todas as nuances que atualmente preocupam o investidor de dívida.  Se o momento ideal para investir em obrigações é aquele no qual se combinam o baixo crescimento, a baixa inflação – “sem risco de deflação”, pontualiza Zahn – um banco central acomodatício e reformas estruturais, então a Europa é o território que melhor encaixa na descrição. Mas com uma especificidade: a gestora tem uma visão otimista relativamente à recuperação na Europa, embora prevejam que o regresso ao crescimento vá ser muito lento.

O especialista especifica que “o BCE vai ser a força motriz das obrigações europeias durante os próximos dois anos”. A questão-chave vai residir na capacidade do banco central cumprir o seu mandato. “Até à presidência de Jean-Claude Trichet, observava-se um perfeito cumprimento da inflação. Desde a chegada de Mario Draghi houve uma queda generalizada, e o IPC vai continuar em rota descendente, daí ter sido anunciado o QE”, explica. A partir do estudo da evolução do swap da inflação a cinco anos (a métrica favorita do BCE para seguir a inflação), observa-se um retrocesso significativo ao longo de 2014, que já se começou a recuperar apenas recentemente e de forma muito ligeira, pela altura do anúncio de compras de obrigações. Por isso Zahn conclui que “Draghi vai ser adepto de um QE continuado até que a inflação volte aos níveis esperados”. Calcula que o balanço do BCE alcançará os 3,5 biliões de euros até ao final de 2016.

O responsável entende que “o bull market dos últimos 20 anos, ainda tem algum potencial na Europa”, considerando mesmo “totalmente possível que as bund a 10 anos entrem em território negativo”. Suporta este último prognóstico no superavit alemão: “O Bundesbank não está disposto a comprar dívida de outros países que lhe provoquem perdas e, por isso, vai aprofundar as partes mais longas da curva”, assinala, em referência à mutualização do risco a que o QE obriga (o BCE apenas vai assumir 20% das compras. O restante ficará a cargo de cada banco central dos países da zona euro).

Zahn recorda que a dívida que se vai comprar vai ter de respeitar a duração média das emissões de cada país. Por exemplo, como a Alemanha tem uma duração média de sete anos, podem comprar-se obrigações a 10 anos  ou até com vencimentos mais longos (30 anos) e obrigações de curto prazo (2 anos), mas, neste último caso, isso implicaria comprar dívida com rentabilidade negativa ... algo que os bancos centrais não parecem estar dispostos a fazer. A gestora trabalha com a hipótese de que se realizem compras diretas na parte dos 7 e dos 10 anos da curva.

Outra previsão sobre os efeitos da compra de dívida: “Vai dar-se uma escassez de obrigações por causa do QE”. “O BCE vai ser o grande comprador, pelo que as emissões líquidas vão situar-se próximas de zero. Essa é uma situação pela qual não passamos há muito tempo”, indica o especialista. Considera que a compra de ativos, consequentemente, “vai ser um grande apoio para as obrigações, tanto na parte curta da curva, como na longa”.

O responsável também tem claro qual será o rumo da moeda única: “O euro vai em direção a um caminho semelhante ao dólar, e o mais provável é que isso aconteça em 2016”. Ainda assim, acredita que o euro tem que se depreciar ainda mais para que se comece a notar na economia real. Para Zahn, a Alemanha vai ser dos países mais beneficiados pelo QE, o que faz com que tenha uma vantagem competitiva para as empresas exportadoras”. Aproveita e associa-se a uma mensagem que Mario Draghi tem vindo a emitir várias vezes sobre a efetividade per si de uma política monetárias mais acomodatícia: “Necessitamos que a zona euro comece a gastar e que faça mais reformas”.

Onde existe valor?

A Franklin Templeton é uma das gestoras internacionais que aposta na dívida espanhola e italiana. Zahn recorda o aumento da dispersão das rentabilidades entre referências europeias desde 2007 e especialmente desde há 3 anos, motivo que os levou a comprar obrigações italianas e espanholas. “Somos investidores contrarian, e investimos em obrigações italianas desde 2012. Gostamos de comprar coisas que não agradam à maioria”, enfatiza. Dito isto acredita que o potencial de achatamento da dívida soberana destes dois países “está a ponto de acabar. A maior parte dos ganhos já aconteceram”. Aconselha por isso um novo olhar para outros países  periféricos, como a Hungria ou a Polónia. “Temos alguma exposição à Holanda e Finlândia, especificamente pela liquidez”, acrescenta. Contrariamente, declara: “Não temos dívida francesa. As obrigações do país não negoceiam com os mesmos fundamentais de Itália e Espanha, embora tenham uma rendibilidade similar”.

A propósito da liquidez: Zahn assinala que os níveis são bons na dívida soberana, enquanto que os níveis do high yield são “um problema, mas não uma preocupação”. Para ele, mais problemática é a dívida corporativa investment grade:Vai prejudicar mais os fundos de maior tamanho do que os mais pequenos. Muita gente investe em dívida investment grade porque pensa que é um ativo líquido, mas na verdade não é assim tanto. Existe a necessidade de criar posições de menor tamanho. Assistimos a este problema especialmente nos CoCos e na dívida híbrida”.

Como se transfere esta visão para a o retorno absoluto

Zahn também aproveitou para falar de um fundo de obrigações europeias flexível e multiestratégia da entidade, o Franklin European Total Return. É um produto de pura convicção. O responsável de obrigações europeias indica que este produto pode ter exposição a risco de duração, de taxas ou por sector, mas sempre evitando que um dos riscos domine sobre outro. Quanto à divisa, deve-se clarificar que o fundo tem 86% de ativos denominados em euros.

A duração média atualmente é de sete anos, embora o especialista admita que compraram algumas obrigações com vencimentos a 20 ou 25 anos. Encontra-se, portanto, muito próximo da duração máxima permitida, de oito anos.

A carteira está muito concentrada: atualmente é composta por 67 obrigações, das quais as emissões italianas supõe cerca de 22,31%, as holandesas aproximadamente 14% e as espanholas à volta e 11%. Adicionalmente, pode investir até um máximo de 30% em obrigações europeias não denominadas em euros. Dois terços da carteira está investida em dívida soberana investment grade e aproximadamente 21,57% em dívida corporativa (o rating medio é BBB). Apenas 12% do portfólio está investido em dívida corporativa com investment grade e cerca de 9% em dívida corporativa high yield.

Outra das caraterísticas que define o fundo é  o uso de derivados. “Podemos usar futuros e CDX para comprar proteção, mas agora não o estamos a fazer porque existem oportunidades na dívida”. O nível de liquidez também tem permanecido baixo na carteira nos últimos tempos: atualmente situa-se nos 0,5% e já esteve abaixo de 1% nos últimos seis meses. “Não queremos ter exposição a este ativo porque nos dá retornos negativos”, conclui o especialista.