Guia da MiFID verde: radiografia das três opções no teste de adequação

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Créditos: Markus Spiske (Unsplash)

Em artigos anteriores, delineámos as principais alterações que serão introduzidas nos regulamentos da MiFID. Conscientes das múltiplas dúvidas sobre a aplicação que ainda sobrevoa os regulamentos, na Schroders prepararam um extenso guia ao qual a FundsPeople teve acesso exclusivo. Neste artigo, vamos aprofundar as três questões de sustentabilidade que serão abordadas com o cliente no novo teste de adequação.

Opção 1: Alinhamento com a taxonomia

A primeira opção é medir o grau de alinhamento de um produto com a Taxonomia. E aqui vemos logo obstáculos. “O Regulamento da Taxonomia permanece incompleto e politicamente controverso”, diz Anastasia Petraki, responsável de Investimentos Sustentáveis da Schroders. Por exemplo, as próprias empresas não são obrigadas a fornecer os dados necessários até 2024. Por outras palavras, existem lacunas significativas de dados na determinação do alinhamento com a Taxonomia.

“Os reguladores europeus estão conscientes do problema, mas a sua orientação sobre como resolvê-lo apresenta alguns problemas”, conta a especialista. Um comunicado da ESMA, emitido em março de 2022, refere que, sempre que a informação não esteja prontamente disponível a partir de divulgações públicas das empresas, os participantes no mercado financeiro podem contar com informações equivalentes diretamente das empresas participadas ou de provedores de dados”. Na opinião de Petraki, não é claro o que constituiria informação equivalente para além de estimativas.

Também não é claro onde os provedores obteriam as informações que as empresas não fornecem diretamente. Mas mesmo que um consultor ou gestor tentasse aliviar o problema usando dados de terceiros, não seria uma solução ideal. E entre os próprios prestadores de serviços de terceiros há disparidade nos dados e no alinhamento estimado com a Taxonomia para a mesma empresa.

Isto implicará um importante trabalho de educação financeira por parte do consultor. “É pouco provável que os clientes estejam familiarizados com a taxonomia ou com o alinhamento”, diz. Além disso, terá de gerir as expetativas dos clientes. E para isso, os consultores terão primeiro de compreender o que seria um nível realista de alinhamento com a Taxonomia entre setores e emitentes. Para contextualizar: com apenas dois dos seis objetivos ambientais detalhados, apenas um número muito reduzido de atividades económicas da UE (estimadas entre 1% e 5%) são atualmente consideradas verdes.

E um último ponto importante que Petraki aponta. Em alguns cantos do mercado, a elegibilidade e o alinhamento são tratados como a mesma coisa, o que não é correto. Para calcular o alinhamento, uma atividade deve primeiro ser elegível. Portanto, se uma atividade estiver alinhada, será elegível, mas se uma atividade for elegível não está necessariamente alinhada. Isto significa que o alinhamento será sempre um número menor do que a elegibilidade.

Opção 2: Percentagem em Investimento Sustentável (IS) de acordo com a SFDR

A segunda opção é um pouco menos complicada, diz Petraki, uma vez que só depende de outro padrão: a SFDR. De acordo com esta norma, o investimento sustentável está ligado a três coisas:

  1. Contribui para um objetivo ambiental ou social.
  2. Não causa danos significativos a tais objetivos.
  3. As empresas investidas seguem boas práticas de governance.

Mas, mergulhando no tema, vemos as primeiras ambiguidades a aparecerem. Há alguns detalhes abertos à interpretação. Por exemplo, o que constitui uma contribuição? Como determinar o que é um dano significativo? Que medidas devem ser utilizadas para avaliar a boa governance?  “De certa forma, isto reconhece implicitamente que há muitas formas de responder a estas questões”, explica a especialista da Schroders. E a SFDR focou sempre em divulgar informações em vez de determinar a abordagem de investimento.

Esta flexibilidade significa que as gestoras de ativos podem utilizar diferentes abordagens para tudo isto. Ou seja, o que está por detrás do investimento sustentável pode não ser totalmente comparável. Em última análise, isto afetará a comparabilidade da percentagem de investimento sustentável que os consultores devem utilizar para a avaliação das preferências de sustentabilidade.

Para o consultor, significa que terá de perceber como é que as diferentes gestoras de ativos decidiram defini-lo. “Os assessores podem ter de considerar as diferenças entre classes de ativos, geografias e setores e o que seria uma percentagem razoável (por falta de uma palavra melhor) em cada uma delas”, prevê Petraki. Como recordação, as orientações propostas pela ESMA referem-se à possibilidade de utilizar tranches para agrupar percentagens diferentes de investimento sustentável. Estes segmentos e níveis podem variar por classe de ativos.

Opção 3: Consideração dos PIA

A terceira opção são os principais impactos adversos. Também chamado de principais incidências adversas ou PIA. Um dos conceitos mais exóticos da SFDR, na opinião de Petraki. Os PIA incluem qualquer efeito negativo que os investimentos de uma carteira têm no ambiente e na sociedade. Para os medir, os reguladores da UE elaboraram uma lista de variáveis, como a pegada de carbono ou a diversidade de conselhos de administração.

Um ponto interessante salientado pela Schroders é que os modelos de nível 2 para os artigos 8.º e 9.º (informação pré-contratual) que entrarão em vigor em janeiro de 2023, incluem um campo que pergunta: Este produto financeiro considera os principais impactos adversos nos fatores de sustentabilidade? Assim, os modelos de nível 2 para o artigo 11 (informação periódica) incluem o campo: Como é que este produto financeiro considerou os principais impactos adversos nos fatores de sustentabilidade? Mas nem os modelos pré-contratuais nem periódicos requerem uma lista de indicadores dos PIA; pelo menos não da mesma forma que o artigo 4 ao nível de entidade (quando uma entidade considera os PIA). “Isto significa que é realmente a MiFID que converte a notificação dos indicadores dos PIA ao nível do produto num requisito de facto”, explica Petraki.

Tal como nos campos anteriores, ainda há nuances. Ou seja, as divulgações detalhadas ao nível do produto não estarão disponíveis antes de janeiro de 2023 e a notificação dos PIA a nível da empresa não será obrigatória até que a CSRD entre em vigor.  A boa notícia, para assinalar algo positivo, é que estes indicadores estão mais difundidos entre a indústria financeira. Especialmente em empresas cotadas.

O importante, que Petraki salienta, é que a notificação dos PIA não é acompanhada de qualquer limiar estabelecido. Não é indicado o nível a que um determinado indicador PIA se traduz em danos significativos. “Este é talvez um dos aspetos mais úteis da SFDR e da MiFID.  É provável que estes limiares dependam do contexto regional, do setor e de outras características de uma determinada empresa”, interpreta. Por exemplo, as normas (e, portanto, o que pode ser alcançado) da representação feminina nos conselhos de administração variam em todo o mundo e em todos os setores. “Portanto, a ideia é considerar os indicadores como valores absolutos e compará-los entre produtos em vez de os ver como um valor relativo em comparação com um limiar definido”, interpreta.