Nuno Coelho (Montepio Gestão de Ativos): “Notamos uma maior predisposição para o cliente confiar à entidade gestora o papel de cuidar dos seus investimentos”

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Nuno Coelho e José António Gonçalves. Créditos: Vitor Duarte

José António Gonçalves e Nuno Coelho são ambos administradores de uma das maiores sociedades gestoras portuguesas, a Montepio Gestão de Ativos. Entre fundos mobiliários e gestão de patrimónios, a entidade tem mais de 1.700 milhões de euros sob a sua alçada e, como tal, não está imune às tendências que marcam o mercado nacional e internacional de gestão de ativos. E são várias as que os profissionais relevam.

Em entrevista à FundsPeople, e num mercado que José António Gonçalves classifica de extremamente concentrado, fica evidente também, para o profissional, a tendência de surgimento de novos players independentes. Contudo, apesar da dinâmica no desenho da gestão de ativos nacional, o administrador aponta “a perceção exterior de que, pese embora o atual cenário de taxas baixas, o nosso mercado de fundos cresceu muito menos do que os restantes mercados europeus. Talvez por razões culturais ou por prudência, mas a verdade é que não se assistiu a uma movimentação muito significativa para o investimento em fundos”, conta. 

Apesar de um crescimento a menor ritmo, Nuno Coelho apercebe-se de uma inversão de tendência. “Notamos cada vez mais que os clientes, perante a consciência do imposto que é a inflação e a ausência de alternativas, procuram outras soluções de investimento. Cada vez mais se mostram predispostos a assumir mais risco”, diz. É uma predisposição que não vem só naturalmente do cliente, mas resulta, segundo diz, de um “esforço que tem havido na comunicação com os clientes para aumentar a sua literacia financeira e fazer com que estes tomem decisões de investimento mais informadas”. “O cliente não está a investir no curto prazo quando investe num fundo de investimento, e como resultado deste esforço, notamos uma maior predisposição para confiar à entidade gestora o papel de cuidar dos seus investimentos. Perante a volatilidade e os receios dos mais recentes acontecimentos, notámos que as nossas carteiras se mantiveram estáveis”, ilustra. 

Esta capacidade de tolerância da volatilidade e do risco, no curto prazo, segundo diz José António Gonçalves, é resultado de uma outra grande tendência macro da indústria que se verifica: uma maior ligação entre o produto e o cliente. “Se antes se produzia um fundo e se esperava encontrar clientes com interesse no fundo, hoje em dia assistimos a uma tendência muito generalizada de criação de soluções em função das necessidades dos clientes”, referem.

Concorrência internacional

O peso da indústria internacional no nosso país é também um dos pontos mais importantes para José António Gonçalves, entre os que têm marcado a evolução recente. “As estatísticas dizem-nos que os fundos não geridos em Portugal vão conquistando uma fatia muito significativa do mercado e isso é um desafio para nós. Contudo, é um tipo de concorrência diferente. Neste contexto, ninguém em Portugal vai tentar ser melhor do que as gigantes internacionais. Não é uma questão de concorrer com, mas sim procurar acompanhar, mas com uma filosofia e lógica próprias”, explica. 

O aumento da concorrência internacional, o nível de requisitos regulatórios, a necessidade sempre crescente de plataformas tecnológicas, de análise e research são, como indica José António Gonçalves, significativamente diferentes hoje em dia. “E na indústria houve não só um aumento de custos, como uma compressão dos preços”, alerta, acrescentando que “perante a subida de custos de contexto e diminuição de preço das soluções de investimento, é a dimensão que vai fazer com que as entidades se mantenham rentáveis”. E o ESG é, para o profissional, um bom exemplo de algo que exige hoje muito mais das entidades gestoras. “Ninguém diria há cinco anos que este seria um tema e, de repente, falamos de um must have”, diz.

As três questões que vão ajudar a redesenhar a oferta

Sobre a oferta da Montepio Gestão de Ativos, Nuno Coelho realça o perfil conservador dos fundos da casa, longe de abordagens mais especulativas de investimento e com um enfoque em emitentes de dimensão cujos títulos tenham elevada liquidez e gerem dividendos ou juros,  com o objetivo de criar valor para o cliente. De olhos no futuro, “o objetivo é crescer”, diz. “Tornar-nos num player de referência, não só pela qualidade - onde já somos -, mas também pela dimensão. A dimensão é muito relevante. Representa que os custos se diluem e ganhamos a capacidade para entregar uma maior oferta ao cliente”. 

Apesar de ambos os profissionais considerarem a atual oferta como adequada no momento, realçam alguns ajustamentos que passarão pela resposta a três perguntas que José António Gonçalves elenca: “O que é que os nossos clientes gostariam de ter que nós não oferecemos?; é possível, para nós, estruturar um produto desses?; faz sentido económico fazê-lo?”.

São questões que têm implícita uma outra, que não pode ser ignorada: o ESG e o investimento responsável farão parte da oferta? Aqui José António Gonçalves é categórico e realça uma certeza: “O que não queremos, definitivamente, é greenwashing!”. Posto isto, acredita que o caminho passará por, numa primeira fase, classificar alguns fundos como artigo 8, sendo que no que se refere ao artigo 9, considera, no imediato, “muito ambicioso fazê-lo”. “Como disse, a nossa preocupação é o greenwashing. e pior do que não ter ESG, é ser apanhado a pintar de verde aquilo que não é”, exclama. 

Nuno Coelho aponta, neste contexto, a dificuldade que é ter acesso a informação suficiente e robusta que dê à entidade a confiança para eleger um caminho a seguir. “Encontrar fontes de informação ESG e fornecedores desta informação que garantam  fiabilidade da mesma é determinante. As emitentes estão em constante evolução e mudança, o que dificulta o controlo dos provedores que estas não deixam de cumprir os critérios que as levaram a uma determinada classificação ESG”, explica. 

“O conjunto de regras é perfeitamente objetivo. Explica detalhadamente o que se tem que fazer. Contudo, é profundamente não quantificado”, acrescenta José António Gonçalves. 

A relação com o Grupo 

A relação com a Futuro, configura uma parte muito importante dos ativos sob gestão da entidade gestora, deverá manter-se dentro dos mesmos parâmetros, pelo que a oferta de PPR continuará concentrada nas soluções da gestora de fundos de pensões, e a Montepio Gestão de Ativos manterá o perfil focado em fundos mobiliários não PPR. “Não nos faz sentido fazer concorrência intra-grupo em algo que não representa, na sua essência, uma proposta de valor distinta”, diz José António Gonçalves.

Contudo, numa componente de oferta com benefício fiscal, novos projetos estão no horizonte, nomeadamente unit linked perfilados. “Não temos na oferta do grupo produtos Unit Linked e faz todo o sentido desenvolver esses produtos. Não só pelo benefício fiscal, mas também pela maior flexibilidade face a outros produtos . Estamos a desenvolver esta oferta em parceria com  a  seguradora do grupo, a Lusitânia, e contamos ter novidades em breve”, diz Nuno Coelho. 

Contudo, está a ser avaliada a possibilidade de a entidade gestora evoluir “de um modelo comercial que se centra exclusivamente numa única entidade comercializadora, o Banco Montepio”. O administrador comenta que está em cima da mesa a possibilidade de reconfigurar o modelo comercial, mantendo a centralidade na comercialização através do Banco Montepio, mas podendo evoluir para um modelo em que a sociedade gestora disponibilize ao mercado outros serviços e comercialize diretamente os seus fundos. “É algo que estamos a analisar, com muito cuidado e interesse", conclui.