O caminho do carry no investimento em obrigações

Num encontro recentemente promovido pela Carmignac com quatro profissionais do mundo da gestão de ativos nacional e internacional, foi longe de consensual o resultado da discussão acerca do potencial diversificador da dívida soberana num portefólio multiativos. A verdade é que, seja encarado como mais ou menos diversificador, o potencial de rentabilidade por via do carry é quase nulo ou bem negativo, dependendo da disposição dos gestores para assumir risco-país ou duration. Mas se a dívida pública representa tal desafio, qual a solução? Onde se encontra valor no segmento de fixed income sem comprometer os parâmetros de risco de um portefólio equilibrado?

Miguel Taledo de Sousa, diretor de investimentos da sucursal nacional da Bankinter Gestión de Activos, descreve o  problema como um vício que será difícil de alguma vez ser ultrapassado. “Os bancos centrais tornaram os mercados viciados numa realidade que não faz sentido em termos económicos. Os japoneses começaram esta grande experiência monetária antes da Europa e estão a tentar sair dela há muito tempo, com uma economia mais forte que a europeia”. 

"Gostamos especialmente da dinâmica de fallen angels. Empresas com liquidez em balanço, mas que, de certo modo, viram comprometida a sua dinâmica de dívida e viram o seu rating descer de investment grade para high yield."

Em tal contexto de mercado, o profissional da Bankinter GA encontra-se há algum tempo perante uma conjuntura que praticamente não justifica, segundo diz, ter dívida pública nos portefólios que supervisiona. Encontra valor, isso sim, “noutros instrumentos, como a dívida high yield”, que tem recolhido a sua preferência nos últimos anos. “Gostamos especialmente da dinâmica de fallen angels. Empresas com liquidez em balanço, mas que, de certo modo, viram comprometida a sua dinâmica de dívida e viram o seu rating descer de investment grade para high yield”. Já no universo de dívida corporativa com grau de investimento, o caminho nas carteiras multiativos da entidade gestora passa por “jogar com o potencial individual de cada emitente e dinâmicas nas respetivas curvas”, esclarece. 

Luís Alvarenga, CFA, gestor de carteiras na BPI Gestão de Ativos, vê a dívida pública de outra maneira e é assertivo na sua análise: “Em obrigações, os retornos não são apenas gerados pelo carry. Há outras formas de gerar performance”. Contudo, no desafio  de complementar ou otimizar a performance em carteiras mistas, o profissional vê mais do que um caminho para o fazer. Realça, aliás, uma abordagem que não é consensual, mas que marca presença nas discussões em comité de investimentos na entidade gestora. “Se queremos incluir mais dívida corporativa na carteira, porque não ajustar o beta e adicionar mais ações?”, questiona. 

Luis Alvarenga_BPI

"Vemos oportunidades, por exemplo, em empresas expostas ao tema da reabertura da economia. Acreditamos nestes ativos porque são obrigações sensíveis ao crescimento económico e não às taxas de juro, um risco ao qual estamos a reduzir a exposição em carteira."

Não obstante, deixa claro que há mais espaço para dívida corporativa nas carteiras. “Não porque consideremos esta classe de ativos como particularmente atrativa, mas sim numa abordagem muito seletiva. Vemos oportunidades, por exemplo, em empresas expostas ao tema da reabertura da economia. Nomes ligados a companhias aéreas, aeroportos, hotéis, entretenimento, rent-a-car… Acreditamos nestes ativos porque são obrigações sensíveis ao crescimento económico e não às taxas de juro, um risco ao qual estamos a reduzir a exposição em carteira”. 

Alfa em fixed income

Inês Castro, como responsável pela seleção de fundos na DWM do Millennium bcp mostra uma perspetiva mais focada na escolha de bons gestores de dívida corporativa que providenciem o tão desejado alfa em fixed income. Isto porque a sua equipa tem perspetivas muito positivas na classe de ativos de crédito. “Com o atual contexto de política monetária acreditamos que os spreads de crédito continuarão suportados, e isso faz com que existam retornos e carry para serem capturados nesse segmento. Estamos então sobreponderados no espaço high yield, muito embora em setores e empresas muito bem selecionadas, nos EUA e Europa. No espaço investment grade a nossa perspetiva é mais neutra e por via dos spreads bastante reduzidos estamos subponderados em taxa de juro”. 

"Com o atual contexto de política monetária acreditamos que os spreads de crédito continuarão suportados, e isso faz com que existam retornos e carry para serem capturados nesse segmento."

Como profissional dedicada à seleção dos melhores gestores, tenta “focar no tipo de risco que os gestores estão a assumir, e se estes conseguem providenciar retornos ajustados ao risco”. “Isto significa ter em atenção a liquidez dos ativos nos portefólios em que investimos, os setores em que investem e o nível de risco de crédito que assumem. São fatores que temos que considerar com muito cuidado”, explica. 

Na Carmignac, por seu lado, e como indica Ramón Carrasco, diretor de desenvolvimento de negócio, a principal aposta é o crédito, seguida da dívida de mercados emergentes. “Acreditamos que o crédito é a aposta mais importante na atual conjuntura e os nossos fundos refletem essa preferência. Investimos pelo carry, mas a verdade é que temos que ser extremamente seletivos nos emitentes que escolhemos para evitar surpresas negativas”, explica. 

"Acreditamos que o crédito é a aposta mais importante na atual conjuntura e os nossos fundos refletem essa preferência. Investimos pelo carry, mas a verdade é que temos que ser extremamente seletivos nos emitentes que escolhemos para evitar surpresas negativas."

As potenciais surpresas negativas vão para além dos tradicionais riscos do crédito, seja ele investment grade ou high yield. Para Ramón Carrasco, “tendo em consideração o ponto em que estamos na epidemia é provável que muitas empresas necessitem de se refinanciar num período de seis a 12 meses para sobreviver. Nesse ponto do tempo, a classe de ativos de crédito pode ser penalizada, pelo que temos que selecionar com cuidado as empresas que estão confortáveis em termos de liquidez ou que já passaram pelo processo de refinanciamento”, diz o profissional da entidade gestora francesa. Já nos mercados emergentes, Ramón Carrasco destaca yields atrativas com carry positivo nas suas carteiras como o grande argumento a favor desta classe de ativos.