Desde o chamado Liberation Day, a inclinação das curvas de taxas soberanas acentuou-se de forma generalizada nos mercados desenvolvidos. Estados Unidos, Japão, Reino Unido e, em menor grau, Alemanha, partilham uma mesma tendência: o aumento da yield nos prazos longos, com especial destaque para as obrigações a 10 e 30 anos.
Segundo a equipa de Global Rates & Currencies Research do Bank of America, este fenómeno tem três causas estruturais: o aumento sustentado das necessidades de financiamento público, a retirada progressiva do apoio dos bancos centrais e a perda de apetite por duração por parte dos grandes investidores institucionais.
Matt Argent, gestor de carteiras da Janus Henderson Investors, concorda que esta é uma tendência global. Na sua opinião, "muitos mercados obrigacionistas já exigem sinais claros de fraqueza do emprego para justificar uma queda das yields. Caso contrário, poderíamos estar a assistir ao fim dos ciclos restritivos no mundo desenvolvido, o que se refletiria em curvas ainda mais acentuadas."
EUA: pressão fiscal, prémio de prazo e perda de atratividade
A maior inclinação da curva reflete desequilíbrios estruturais. Por um lado, o corte de notação por parte da Moody’s reativou o debate sobre a sustentabilidade fiscal. Luca Paolini, estratega-chefe da Pictet AM, assinala que o plano orçamental republicano pode aumentar a dívida em 2,9 biliões de dólares numa década. Acrescenta que a detenção estrangeira de ativos norte-americanos já superam os 90% do PIB, o que aumenta a vulnerabilidade perante movimentos de repatriação de capital.
A pressão também se observa nas emissões. “Em oito anos, a dívida em circulação passará de 20 para 40 biliões de dólares, com um custo em juros que já supera o bilião anual, equivalente ao PIB da Suíça”, afirma Christian Rouquerol, responsável para a Península Ibérica e a América Latina na Tikehau Capital. Na sua opinião, este deteriorar estrutural do balanço público norte-americano é um dos catalisadores principais da maior inclinação na curva.
Para o Bank of America, o risco adicional é que o Tesouro aumente o volume de emissões nos prazos longos e prolongue o seu prazo médio, o que ampliaria o spread entre prazos curtos e longos. “Os bond vigilantes estão de volta, e os investidores estão a exigir maiores prémios de prazo perante a deterioração fiscal”, afirmam da Invesco, especialmente após o corte de notação da Moody’s.
Europa continental: uma pressão contida
Na zona euro, a inclinação da curva também aumentou, ainda que de forma menos acentuada. Segundo o Bank of America, a inclinação é mais marcada na curva de swaps, especialmente nos prazos ultralongos, como consequência da reforma do sistema de pensões neerlandês, que reduz progressivamente a necessidade de receber duração em vencimentos superiores a 30 anos.
O ponto de inflexão veio com a mudança fiscal da Alemanha, que anunciou novos programas de despesa em defesa e infraestruturas. Embora isso possa implicar mais emissões, as expetativas de inflação a longo prazo continuam ancoradas perto dos 2%, como recorda Uriel Saragusti, gestor na LFDE.
Neste contexto, a pressão sobre as yields longas tem sido mais limitada. Paolini estima que o BCE apenas fará dois cortes adicionais em 2025, e que o crescimento fiscal poderá amortecer o impacto de novas tarifas.
Rouquerol acrescenta uma perspetiva de longo prazo: “A Europa tem de financiar o estado social, o rearmamento e a transição energética. Com os bancos centrais mais constrangidos, o aumento da inclinação é uma consequência lógica”.
Investidores: evitar exposição estrutural à duração
O aumento das yields longas está a redefinir a relação risco-retorno em todos os ativos financeiros. Nas obrigações, o impacto é imediato: a queda do preço das obrigações de longa duração penaliza as carteiras mais expostas. O Bank of America recomenda estratégias sobre curva (como o segmento 10-30 anos nos EUA) ou taxas reais no Reino Unido.
Perante esta nova fase, as gestoras concordam numa mensagem clara: evitar exposição estrutural à duração e adotar uma abordagem tática na dívida pública dos países desenvolvidos. Em paralelo, tanto a Pictet AM como a Tikehau Capital e a Invesco veem valor na dívida soberana emergente em moeda local, sustentada por taxas reais atrativas, fundamentais macroeconómicos sólidos e menor dependência externa.
Em ações, a abordagem também se ajusta. A maioria dos gestores recomenda fazer a rotação para valores de alta qualidade, baixa volatilidade e com dividend yield, evitando as empresas mais sensíveis às taxas e com valorizações exigentes, especialmente nos EUA. Para a Invesco, os estilos defensivos e as bolsas europeias e asiáticas oferecem melhores perspetivas nesta fase.
Entre as estratégias complementares, a Pictet destaca o atrativo da dívida corporativa high yield europeia, enquanto a Invesco prefere o euro e a libra face à volatilidade política norte-americana.
A mensagem é clara: os investidores devem reajustar as suas carteiras ao novo equilíbrio entre fiscalidade, taxas reais e fluxos globais de capital. Os especialistas sublinham que a inclinação das curvas não é uma anomalia temporária. É o reflexo de uma mudança estrutural em curso.