O que poderá desencadear uma correção nos mercados?

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José_Eduardo, Flickr, Creative Commons

Começou 2018 e, apesar da perspetiva de uma política monetária mais normalizada, o certo é que mais de 20% das obrigações globais continuam a cotar com taxas negativas. Entretanto, a procura por retornos continua elevada particularmente na Europa, o que está a colocar sérios dilemas a investidores e gestores de fundos. E, neste momento, parece que a tónica será semelhante, já que Mario Draghi indicou na primeira reunião do BCE deste ano que as probabilidades de uma subida das taxas em 2018 são muito baixas, para não dizer nulas.

“Aos olhos do BCE, o importante é fixar uma taxa de juro adequada e importa muito pouco se essa taxa adequada é negativa, apenas para os investidores isso é importante: de forma geral, desejam pelo menos recuperar o seu capital”, recorda David Buckle, responsável de análise quantitativa da Fidelity International. Como disseram recentemente outros especialistas, nomeadamente o também gestor da Fidelity Ian Spreadbury ou Dorian Carrell, gestor da Schroders, Buckle alerta que numerosos investidores optaram por assumir maiores riscos para continuar a obter esses rendimentos.

Se num ambiente normal, o incremento do risco geralmente justifica um potencial de retorno superior, em contrapartida, num contexto de taxas negativas, um depósito a prazo fixo acaba por ter garantida a perda de capital. “Neste ambiente perverso, é necessário risco de investimento para reduzir a probabilidade de perda. As obrigações europeias apresentam uma probabilidade de perda em torno dos 50%”, afirma Buckle. Este indica que as únicas classes de ativos onde o investidor tem uma probabilidade superior a 50% de recuperar o capital são as obrigações corporativas com grau de investimento, as high yield, as ações e os investimentos alternativos. “Num mundo com taxas de juro negativas, o desejo de proteger o capital é um indicador de tolerância ao risco, não de aversão ao risco”, refere o especialista.

A questão, continua Buckle, é que no último ano os ativos de risco comportaram-se tão bem que em muitos casos os investidores puderam digerir com facilidade a sua tolerância ao risco. Mas claro, a situação não pode prolongar-se eternamente, e daí que cada vez mais os gestores estejam a comunicar aos seus investidores um ajuste defensivo das suas carteiras para se protegerem de uma eventual correção, como aconteceu nos casos recentes de Paul Read, gestor da Invesco, e de Louis D’Arvieu, da Amiral.

O que poderá desencadear uma correção dos mercados?

“Assumir risco em excesso provoca, regra geral, pânico e quanto mais esse risco assumido durar maior poderá ser a correção, mas nenhuma das quedas que vimos nos mercados de ações nos últimos anos têm assustado os investidores”, continua o responsável de investimento quantitativo, acrescentando que, nos últimos tempos, qualquer reversão – ainda que mínima – do mercado foi interpretada como um sinal de compra.

O que poderá alterar esta dinâmica? Segundo o especialista, há dois eventos em particular com grande número de probabilidades: ou “as taxas de juro sobem e devolvem-nos a normalidade” ou “um acontecimento exógeno golpeia o mercado (por exemplo, um evento político) e os investidores sentem-se incomodados ao dar-se conta dos exagerados níveis de risco que estão a assumir”. Recentemente, o influente blog Zerohedge fazia eco a um relatório da Goldman Sachs, em que o banco de investimento falava da probabilidade crescente de um crash de mercado ao estilo Black Monday.

Sobre a primeira possibilidade, Buckle comenta que “o BCE continua a ser extremadamente conservador (equivocadamente, na minha opinião, já que está a estimular o comportamento descrito acima)”. Perante o apoio explícito e reiterado da autoridade monetária à necessidade de manter os estímulos perante a ausência de inflação, o especialista descarta que seja uma normalização monetária que leve a uma correção: “Não vejo como a atitude dos investidores perante a aversão ao risco possa alterar-se e, portanto, prevejo que a procura desenfriada de rendimentos continue”.

Ao mesmo tempo, o especialista esclarece que o cenário não é o de uma crise exógena, ainda que refira que “o movimento de alta frequência dos preços, depois de um acontecimento com estas características, dirá muito sobre a tolerância dos investidores às quedas”. Ou seja: “Se tal evento ocorrer, mas os declínios forem escassos e de curta duração, teremos outro ano de tolerância ao risco”, pelo que conclui que houve poucos precedentes na história em que tenha sido tão imperativa como na atualidade “a necessidade de vigilância da parte de um responsável pela alocação de ativos”.

Assim, a recomendação de Buckle consiste em monitorizar o comportamento do BCE, a evolução da inflação e os indicadores técnicos da bolsa antes de tomar alguma decisão. “De momento, estes sinais de alerta emitem luz verde, mas isso poderá mudar muito rápido”, explica o especialista. Preferiu expor-se ao risco de duração nos Estados Unidos do que na Europa, “onde parece consideravelmente mais provável que se reavaliem as valorização perante de um banco central que está atrasado”.