A dinamização adiada do mercado de capitais português

Carlos Bastardo ISEG Imofundos_noticia
Carlos Bastardo. Créditos: Vítor Duarte

TRIBUNA de Carlos Bastardo.

Um dos temas que de tempos a tempos é analisado em conferências é a necessidade de termos um mercado de capitais com mais dimensão e dinamismo.

Após as nacionalizações de março de 1975, a Bolsa de Valores de Lisboa (BVL) só 10 anos mais tarde, com o ministro das finanças Professor Miguel Cadilhe, apresentou algum desenvolvimento.

Em 1985 foram convidadas diversas empresas para cotarem em bolsa as ações representativas do seu capital social. Foram definidos alguns benefícios fiscais para atrair as empresas e os investidores.

Nos anos de 1986 e 1987 (até ao crash de outubro desse ano), assistimos a um invulgar lançamento de ofertas públicas de venda de ações, as célebres OPV´s. O valor das transações aumentou exponencialmente, assim como a capitalização bolsista. Muitas empresas passaram a fazer parte do índice bolsista.

Em pouco anos, a capitalização bolsista da Bolsa de Valores de Lisboa passou de 6% do PIB em 1985 para 28% em 1990 e para 153% em 2000.

A partir de 1989, com o início das privatizações em Portugal, começaram a chegar à bolsa, grandes empresas como a Unicer, Cimpor, EDP, PT, entre outras e os maiores bancos nacionais como o BPA, BESCL - depois BES, BPSM, CPP, BTA, BFE, entre outros.

Mais tarde, também se tentou dinamizar a adesão à cotação de empresas de menor dimensão, através do chamado Segundo Mercado, mas sem resultados.

Em 1991 foi criado o Código do Mercado de Valores Mobiliários e assistiu-se a uma gradual liberalização e desregulamentação dos mercados de valores mobiliários.

Em termos de supervisão, foi criado inicialmente o Auditor-Geral do Mercado de Títulos e anos mais tarde a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários.

Alguns abalos aconteceram nos mercados financeiros e na BVL como a crise de 1987, a crise de 2000/2001, a crise financeira em 2007/2008 e anos seguintes e, mais recentemente, a crise pandémica em 2020.

O índice PSI20 que no final de 1992 estava nos 3.000 pontos, subiu para os 14.404,89 pontos em 31/12/2000, caindo nos anos seguintes para os 5.824,70 pontos em 31/12/2002.

Recuperou seguidamente até aos 13.019,36 pontos em 31/12/2007. Com a crise financeira, os anos seguintes foram complicados, com o índice a cair para 5.494,27 pontos em 31/12/2011 (ano do resgate do país).

A partir deste ano, o marasmo continuou. Em 2019, o índice fechou nos 5214,10 pontos e nos 4.898,40 euros em 31/12/2020. Atualmente (22/11/2021) encontra-se nos 5.474,45    pontos.

Ou seja, atualmente o índice PSI20 está abaixo do valor no final de 2002 (há quase 19 anos atrás). Uma performance muito pobre, comparada com os máximos históricos recentes de índices como o S&P 500, o Stoxx 600 e vários índices bolsistas europeus.

Se a bolsa é o espelho da economia, estamos conversados!... 

Mas como podemos atrair novas empresas para a bolsa de valores?

É complicado, pois o modelo de financiamento das empresas nacionais assenta muito no endividamento bancário e a abertura dos empresários em geral para cotar as empresas em bolsa é muito reduzida.

Uma vez cotada, a empresa tem determinadas exigências de prestação de informação, para as quais nem sempre tem a estrutura adequada ou suficiente.

Por outro lado, o índice de literacia financeira é reduzido e este facto acaba por influenciar negativamente o papel do mercado de capitais como alternativa de financiamento.

No entanto, algumas medidas poderiam ser equacionadas, caso se deseje efetivamente dinamizar a bolsa nacional. Os incentivos deveriam ser dados aos emitentes de valores mobiliários e aos investidores.

Para atrair empresas a cotarem as ações representativas do capital social, poderiam ser equacionados benefícios fiscais ao nível da tributação dos resultados líquidos, com uma taxa de IRC mais baixa durante um certo período, por exemplo 3 anos.

No caso de um aumento do capital social, poderia equacionar-se a isenção de imposto sobre os dividendos pelo menos no ano em que essa operação financeira ocorra. Todos sabemos que é urgente a recapitalização das empresas nacionais, face ao elevado endividamento em termos gerais.

Por outro lado, poderia reduzir-se ao mínimo desejável os requisitos para cotar as ações com a redução dos custos inerentes ao respeito desses requisitos. Com a experiência adquirida, os requisitos seriam melhorados progressivamente.

Poderiam ser criados incentivos monetários importantes (prémios anuais) para as empresas cotadas mais bem posicionadas em termos dos critérios ESG e, especialmente, para as empresas que tivessem admitido recentemente as suas ações em bolsa.

Para os investidores, poderiam ser equacionados alguns benefícios fiscais ao nível dos dividendos: no ano da entrada em bolsa com isenção de tributação de dividendos, assim como no ano em que ocorresse um aumento do capital social ou no primeiro ano em que as novas ações dessem direito ao dividendo.

Também ao nível das mais-valias, não se deve cometer o tremendo erro que estava contemplado no OE 2022 relativo ao englobamento de rendimentos. Pelo contrário, as ações detidas há mais de 12 meses, deveriam ficar isentas de tributação das mais-valias (caso existam).

Para captar boas empresas para a bolsa, há que criar incentivos, pois no mundo financeiro (e não só!) não há almoços grátis.