À noite todos os gatos são pardos...

Jorge Silveira Botelho BBVA
Vitor Duarte

Não querendo minorar o efeito com que este choque epidémico afeta de forma dramática muitas famílias, não devemos subestimar a solidariedade e o profundo humanismo que têm estado patentes nesta “aldeia global”, onde orgulhosamente todos vivemos. Mas compete a cada profissional na sua área, procurar a melhor forma de enquadrar devidamente o que está a ocorrer, para que as decisões que se tomem, tenham um contexto real e que não sejam apenas fruto de uma precipitação desinformada, que geralmente reina nestes momentos de maior incerteza e de falta de visibilidade.

Normalmente na escuridão, nada se distingue e tudo se confunde e por isso torna-se fácil perder o discernimento. Agarramo-nos a frases feitas e aos anacronismos onde a história muitas vezes nos despista e simplesmente deitamos tudo a perder.

Quando olhamos para o que se passou na grande recessão de 2008, recordamos como o nível de alavancagem do sistema financeiro era muito elevado e tinha como contrapartida, aquilo que na gíria foram conhecidos como os investimentos em ativos tóxicos, o Subprime e as suas múltiplas corrosivas derivadas.

Os excessos do sistema financeiro, precipitaram uma crise financeira global de tal magnitude, que acabaram por ter um efeito reflexivo na economia real, com a quebra dos mecanismos de transmissão monetária, resultando numa autêntica pandemia económica. Os Governos e os Bancos Centrais, para além de terem levado demasiado tempo a perceber o que fazer, cometeram erros clamorosos. Foram por demais evidentes, tanto ao nível da assertividade da política fiscal, assente em muitos casos em obras “faraónicas” e não focadas em adereçar os verdadeiros problemas das empresas, como na eficácia da política monetária, onde não se aperceberam que o circuito de transmissão monetária tradicional estava quebrado e que o dinheiro tardou a chegar à economia real. E tudo isto, sem comentar a insólita subida de taxas de juro do Banco Central Europeu em plena crise...

Aquilo com que hoje nos deparamos não tem nada a ver com o que ocorreu em 2008 e para os amantes de frases feitas, nem sequer rima!

Neste momento, estamos a fazer história e enfrentamos um choque que na sua génese tem um caráter exógeno, mas temporário e que nesta altura já ninguém o está a negligenciar, nem mesmo os habituais suspeitos do costume. Acresce o facto que a novela muito mal contada da recente crise petrolífera, serviu como um detonador para o sistema financeiro, com riscos de precipitar um efeito reflexivo na economia real. A recusa da Rússia em querer deixar de fazer as despesas sozinha dos cortes de produção, enquanto os EUA com um custo de produção muito superior, aumentavam alegremente a sua quota de mercado, é um argumento válido. O que não faz sentido, é que Arábia Saudita, o mais fiel aliado americano, decida sozinha e unilateralmente enveredar por uma estratégia de aumento da produção para fazer vergar a Rússia. Ficamos com a nítida da sensação de que faltam aqui peças interpretativas. Na prática, ou houve uma estratégia concertada onde os riscos foram de forma desmazelada mal calculados, ou então, a palavra fiel aliado tem nos dias de hoje um significado muito diferente.

 

Em face deste duplo choque que a economia se confronta, temos tido duas linhas de ação que não podem ser negligenciadas.

Contrariamente à grande recessão os Bancos Centrais agiram prontamente e de forma estruturante. É verdade que eles nos últimos anos hipotecaram muito da sua independência, comprometendo muito da sua capacidade de resposta, mas num cenário de risco como este, souberam responder com eficácia. Enquanto o sentimento de mercado encontra-se débil e muitos dos atores perdem-se na interpretação exaustiva das palavras e nos pormenores menos relevantes, esquecem-se que as medidas de injeção de liquidez e os programas de compras de ativos dos Bancos Centrais a nível global são nesta altura contundentes e com alcance estrutural. Devolvem aos Estados a capacidade de enveredarem por políticas fiscais, mitigando o seu custo de financiamento, e na essência vão permitir que o ciclo económico possa absorver estas medidas durante muito tempo.

Por seu turno, os governos não só todos identificaram rapidamente o problema, como todos já se empenharam em fazer o uso da política fiscal de forma a mitigar o efeito temporário desta crise, com medidas direcionadas em salvaguardar postos trabalho e evitar falências na economia de serviços. Nesta matéria, ainda falta uma melhor coordenação no ocidente, mas é somente uma questão de tempo, em que por exemplo na Europa, surja um plano mais incisivo que complemente as ações individuais de cada Estado.

Por fim é de referir, “o mundo não acaba aqui” e como prova disso tem sido a capacidade dos agentes económicos, empresas e trabalhadores, em garantir o funcionamento de muito serviços mesmo em situações adversas. Não nos devemos esquecer, que os contornos psicológicos deste choque, têm a característica de uma ameaça extraterrestre ao planeta Terra, onde todas as nações se unem para derrotar este “alienígena”. E quando se cantar vitória, vamos viver uma fase de euforia, onde vamos todos querer desfrutar as maravilhas que este planeta Terra nos oferece e o nosso espírito solidário vai-se traduzir num maior consumo, apoiando os setores de atividade mais afetados por esta crise.

Tendo em conta tudo isto, é também de acreditar que as novas tendências que estão associadas à sustentabilidade do planeta Terra e à longevidade humana, são tendências que ainda vão emergir com maior força no pós crise e suscitar as maiores oportunidades de investimento em tão distintos setores de atividade.

Neste sentido e apesar de toda a volatilidade e imprevisibilidade que ainda está presente nesta altura, duvido que nos próximos tempos exista uma oportunidade de investimento tão clara como a atual para o investidor de longo prazo, porque à noite só quem quer é que acha que todos os gatos são pardos!